• Nenhum resultado encontrado

Sobre o método: estrutura, dialética e negatividade

Nessa seção, carregaremos o instrumento analítico proposto na seção anterior para o exame de uma forma específica de sujeição, aquela exigida pelo laço social capitalista. Para tanto, resgataremos em O capital (Marx, 1988) a lógica das formas172 que propiciam a

reprodução do capitalismo entendendo que essas condições devem comandar também a subjetivação daqueles que se concebem nas condições históricas e materiais capitalistas. Para tanto, propomos uma intersecção de três recursos metodológicos: a estrutura, a dialética e a negatividade.

A estrutura

No que concerne à estrutura, nós a tomaremos como um sistema organizado de diferenças, mais especificamente, como um sistema de diferenças significantes. Nos termos da seção anterior, o que queremos investigar é a ordem simbólica que organiza o discurso capitalista, isso é, qual a lógica das cadeias de significantes que produz, como efeito o sujeito desse laço social. Nesse sentido, nos referimos, por hora, à seguinte parcela do nosso esquema:

172 Segundo Tomšič (2015, p. 4), o exame da lógica das formas capitalistas empreendido por Marx, seria, a

Esquema 4.1

Esse esquema apresenta a estrutura (ordem simbólica) S como sendo compreendida pelo processo de representação do significante S1 por meio de uma cadeia de

significantes {S2; S3; S4; S5; …}. A partir desse processo de significação, da representação de um significante para outro significante, é que o sujeito, $, surge como efeito, isso é, que uma determinada forma de subjetivação se produz.

Os conteúdos significantes que serão aqui analisados são aqueles que dão sentido à forma mercadoria: trabalho individual; trabalho abstrato; valor de uso; valor de troca; valor; dinheiro e capital. E o método que utilizaremos para analisar esses elementos é tratá-los como significantes que compõem, como estrutura, a ordem simbólica do capitalismo. Nesse sentido, se são pensados como significantes, tais elementos são analisados pela lógica de suas diferenças173. Assim tratamos modo de produção, estrutura e linguagem como identidades

fundamentais.

Modo de produção é um conceito através do qual Marx define o que é uma estrutura. O ponto de partida é entender o capitalismo como uma economia de gozo. O corte radical feito por Marx reinstaura a verdadeira

economia política, que não prescinde da linguagem. (Becker, P. 2008, p. 2)

O método para a reflexão estruturalista que seguiremos é bem sumarizado por Dunker (2009, p. 36)174 em três condições, cabendo-nos buscar e articular:

(1) um universal que permita as trocas segundo um mesmo redutor que regule as equivalências;

(2) uma oscilação entre troca e uso necessária para explicar as transformações do sistema;

(3) algo que constitui uma negatividade do sistema, o grau zero da estrutura que impede sua identificação à totalidade.

173 “Entendemos repetição como estrutura, o que supõe uma disjunção entre ponto de partida e ponto de

chegada, por isso falamos de repetição como diferença” (Góes, 2008, p. 48).

174 Dunker, por sua vez, concebe a reflexão acima do célebre trabalho de Marcel Mauss, Ensaio sobre a Dádiva

Adiantadamente, o trabalho social abstrato é a categoria que nos permite atender a primeira condição; as relações entre valores de troca e valores de uso, correspondem à segunda condição; e, por fim, a mais-valia, em sua homologia com o mais-de-gozar atende a terceira condição. Esse é o nosso caminho para sustentar a afirmação de Tomšič de que “[c]ada ato de troca contém uma abstração, que sempre já está articulada a um sistema de diferenças” (Tomšič, 2015, p. 173)175.

Vale dizer que, sob essa perspectiva metodológica, a história humana não pode ser uma sucessão de fatos, pois há um campo de sentido já determinado pelas condições materiais pensadas estruturalmente, sobretudo quanto à materialidade concernente à linguagem. Assim, a humanidade pode ter diversas sinas, mas todas elas são condicionadas pelas formas concretas das relações sociais entre as pessoas, pela produção material de suas vidas, de modo que há sempre uma condição, em-nome-de da produção material.

A dialética

A dialética será a forma pela qual leremos as diferenças entre significantes. Mais especificamente, tomaremos a distinção entre dois elementos sistêmicos, não como uma simples oposição, mas entendendo que, para a produção de sentido, um contém e nega o outro. A dialética que reclamamos, então, é a da suprassunção176. Nesses termos, entendemos que as diferenças entre os significantes compreendem uma lógica fundada no movimento que tanto anula quanto conserva, tanto abole quanto poupa, tanto supera quanto preserva.

Mais especificamente, investigaremos os efeitos simbólicos e narrativos que essas contradições exigem daqueles que se fazem sujeitos a partir laço social capitalista. As diferenças entre trabalho individual, trabalho abstrato, valor de uso, valor de troca, valor, dinheiro e capital serão, assim, perscrutadas. Por esses meios, entendemos ser possível revelar efeitos de sentido e processos de subjetivação que são fundamentais para o capital - o que significa dizer que deve-nos ser possível apreender as condições basilares da subjetividade desse laço social, tanto no que concerne à sua aparência como quanto à sua essência.

175 Every act of exchange contains an abstraction, which always-already articulates a system of differences.” 176 Ver Marx e Engels (2007, p. 548, nota 10).

A negatividade

A negatividade aqui fará com que, na estrutura, o sistema de diferença sempre seja causa e efeito de um resto diferencial, de modo a nos propiciar uma dialética que não produz síntese. A negatividade, então, é a condição metodológica que nos permite articular estrutura e dialética. Isso porque, ao implicar em um resto – que, por um lado, não cansa de não se inscrever, e que, por outro, é pressuposto e proposto pela estrutura - a negatividade propicia concebermos a materialidade histórica como um devir.

A importância dessa concepção é a de escaparmos das caracterizações da história como um destino de antemão traçado. Com efeito, a história humana não pode ser determinada, pois a sua reprodução não é positiva, senão que é a acumulação de um resto, de uma perda não dialetizável. A negatividade, então, implica, justamente, nessa perda sempre acumulada, impedindo que a história faça fim, ou que faça síntese. A análise desse resíduo é, justamente, a análise da forma de produção do valor que rege a estrutura (Dunker, 2009, p. 38).

Desde já, é importante estabelecermos quais conceitos serão, aqui, considerados como elementos negativos. São eles: o sujeito, o desejo/carecimento, o trabalho, o mais-de- gozar e a mais-valia177.

Como veremos, o elemento central dessa negatividade é o objeto a – o mais-de- gozar -, uma vez que esse objeto é o resíduo, a falta absoluta que faz com que o processo de produção de sentido e de subjetivação seja infindável; produzindo, reproduzindo e acumulando, seguidamente, essa falta. O ponto central do nosso esquema do discurso, vale dizer, é que ele tanto é comandado pelo objeto a, como também, que, ao seu fim, ele reproduz o objeto a.

Esquema 4.2

Pois bem, aqui propomos que a sociedade capitalista tem como fundamento de seu discurso a seguinte ordem simbólica:

Esquema 4.3

Nesse discurso, os significantes que demandam significação (Mercadoria) o fazem a partir de uma ordem simbólica que tem na lógica de sua organização de significantes a possibilidade de produção de sentido e, logo, de sujeição. O queremos mostrar é que, assumindo esses conteúdos como significantes, é possível abordarmos condições básicas da subjetivação capitalista e, delas, conceber os sujeitos como efeitos históricos e materiais dessa organização social.

Se, por um lado, essa seção intenta avaliar, em pares, a dialética desses significantes, por outro, nosso ponto de partida, na verdade, é anterior a eles. Partimos por situar a reprodução capitalista não pela mercadoria (como faz Marx em O capital), mas pelo trabalho como condição ontológica de qualquer abordagem materialista.

Feito esse movimento inicial, partiremos para analisar a lógica das diferenças dos conteúdos da forma mercadoria, ou seja, perscrutaremos a relação diferencial entre (1) valor de uso e valor de troca; (2) trabalho individual e trabalho abstrato; (3) valor de troca e valor; (4) valor e dinheiro; (5) dinheiro e capital. Assumimos que esses conteúdos não são somente lógicos, mas são também significantes e, assim, concebem os elementos materiais que fundam a possibilidade de sujeição ao laço social capitalista.

A finalidade do capítulo é a de mostrar e analisar uma série de 15 condições básicas dos sujeitos no capitalismo. Essas condições, como veremos a frente, serão listadas conforme avançamos na dialética da mercadoria.