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Organização do sistema linguístico em três estratos e dois planos (Adaptado de Martin 2014a: 7)

Parte I Enquadramento teórico

Diagrama 1.5. Organização do sistema linguístico em três estratos e dois planos (Adaptado de Martin 2014a: 7)

Os três estratos distinguem-se, fundamentalmente, quanto à sua unidade de significado de referência, isto é, quanto à unidade onde se operam as escolhas sistémicas. Interpretando o Diagrama 1.5 numa perspetiva descendente, estas unidades são: (i) o texto, no estrato da semântica do discurso, (ii) a oração, no estrato da lexicogramática e (iii) o fonema/letra, no estrato da fonologia/grafologia (Martin 1985). Por esta mesma razão, os referidos estratos podem também ser parafraseados, respetivamente, como “padrões de significado no/ao longo do texto”, “padrões de significado ao nı́vel da frase” e “padrões de sons e de letras no interior das palavras”, como sucede por exemplo na literatura sobre o Programa R2L (e.g. Rose e Martin 2012)45.

Segundo se encontra assinalado por meio da dupla seta no Diagrama 1.5, há uma relação de

43 No caso da lı́ngua gestual, pode ainda pensar-se num sistema de gestos (cf. Gouveia 2009).

44 Note-se que o Diagrama 1.5 representa unicamente o sistema linguı́stico e os seus estratos, omitindo o

contexto social.

45 O Programa R2L será descrito, com pormenor, nos Capı́tulos 3 e 4, adiante. Importa porém tecer, desde

já, um comentário sobre a paráfrase “padrões de significado ao nı́vel da frase” empregue na literatura do Programa para designar o estrato da lexicogramática.

Em LSF, os termos “oração” e “frase” não são sinónimos. Enquanto a oração é entendida como uma unidade de significado, a frase é encarada como uma unidade da escrita, podendo corresponder a uma oração simples ou a um combinação de duas ou mais orações niveladas num complexo oracional (cf. Martin, Matthiessen e Painter 1997: 165-6). Como tal, a paráfrase “padrões de significado ao nı́vel da frase” não é inteiramente correta do ponto de vista da teoria. Deve, pois, entender-se esta paráfrase à luz de um dos principais objetivos do Programa R2L, a saber, o de propor uma metalinguagem de base funcional acessı́vel a todos os professores (mesmo os que não tenham formação especı́fica em lı́ngua). Nesta metalinguagem, diversos conceitos da LSF são articulados com, ou reformulados por, conceitos linguı́sticos tradicionais e/ou de senso comum (cf. Rose e Martin 2012: 237).

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realização entre os três estratos. De acordo com o princı́pio de metarredundância anteriormente discutido, entende-se que os padrões discursivos se realizam como padrões lexicogramaticais e que estes, por sua vez, se realizam como padrões fonológicos/grafológicos.

Conforme se indica do lado direito do Diagrama 1.5, os três estratos encontram-se organizados em dois planos, designados plano do conteúdo e plano da expressão. O plano do conteúdo abrange os estratos da semântica do discurso e da lexicogramática, sendo o plano da expressão constituı́do pelo estrato fonológico/grafológico.

O presente estudo centra-se no plano do conteúdo. Assim, caracterizam-se, na Parte II e III, os padrões discursivos e lexicogramaticais que dão forma ao conhecimento cientı́fico nos manuais de CN e, na Parte IV, discute-se de que forma esses padrões podem ser desconstruı́dos por meio da Pedagogia de Género, tornando-os (mais) acessı́veis aos alunos de PLNM. Atendendo ao foco conteudı́stico do estudo, os estratos da semântica do discurso e da lexicogramática serão descritos, com mais detalhe, nas subsecções 1.3.1 e 1.3.2, adiante. O plano da expressão, por seu turno, desempenha um papel secundário neste estudo e, como tal, não será objeto de uma revisão teórica no presente capı́tulo. Nas Partes II e III, identificaremos pontualmente as caracterı́sticas grafológicas dos textos de CN (e.g. pontuação, uso de parágrafos, destaques a negrito e itálico), sempre que estes desempenhem um papel estruturante nos textos e/ou constituam (potenciais) desafios à compreensão leitora para os alunos de PLNM.

Antes de proceder à caracterização dos estratos da lexicogramática e da semântica do discurso importa esclarecer, porém, que o entendimento estratificado do plano do conteúdo é partilhado pela perspetiva teórica de ênfase oracional (e.g. Halliday e Matthiessen 2004) e a perspetiva teórica de ênfase textual (e.g. Martin 1992) mencionadas no inı́cio desta secção.

Em ambas as perspetivas, entende-se que o estrato semântico assegura a interface com as relações interpessoais e experienciais do contexto, transformando-as em significados. Este estrato é, consequentemente, também designado estrato do significado e definido, em termos de senso comum, como “o sistema daquilo que o falante pode significar” (Gouveia 2009: 22). Dado que os significados gerados ao nı́vel do estrato semântico têm uma natureza eminentemente funcional, os mesmos são apelidados também de funções semânticas. Quanto ao estrato lexicogramatical, ambas as perspetivas postulam que é neste estrato que se dá a transformação dos significados em estruturas lexicogramaticais. Como tal, responde à designação alternativa de “estrato do fraseado” e pode ser definido como “o sistema daquilo que o falante pode dizer” (ibidem). Em comum, as duas perspetivas partilham, ainda, o princı́pio de realização. No caso restrito do plano do conteúdo, isto significa que os padrões de significado, situados no estrato semântico, se realizam por meio de padrões estruturais, situados no estrato da lexicogramática. A complementaridade entre os dois estratos encontra-se descrita em Halliday e Matthiessen (2004), como se pode ler de seguida:

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We use language to make sense of our experience, and to carry out our interactions with other people. This means that the grammar has to interface with what goes on outside language: with the happenings and conditions of the world, and with the social processes we engage in. But at the same time it has to organize the construal of experience, and the enactment of social processes, so they can be transformed into wording. The way it does this is by splitting the task into two. In step one, the interfacing part, experience and interpersonal relationships are transformed into meaning; this is the stratum of semantics. In step two, the meaning is further transformed into wording; this is the stratum of lexicogrammar. (Halliday e Matthiessen 2004: 24-5).

A principal diferença entre as duas perspetivas reside no entendimento do escopo dos significados gerados pelo estrato semântico. Na perspetiva de ênfase textual (e.g. Martin 1992, 2014a, Martin e Rose 2003/2007) este estrato é encarado como criando dois tipos de significado: (i) padrões associados ao texto, supra-oracionais ou discursivos, com uma realização estrutural variada e (ii) padrões associados à oração (ou a estruturas intimamente relacionadas com a oração). O termo “semântica do discurso” enfatiza os padrões do primeiro tipo46. Na perspetiva

de ênfase oracional (e.g. Halliday 2002, Halliday e Matthiessen 2004), por outro lado, entende-se que o estrato do significado gera essencialmente padrões associados à oração (ou a estruturas intimamente relacionadas com a oração). Os significados textuais, segundo se postula nesta perspetiva, resultam da articulação de padrões oracionais. E* privilegiado, nesta perspetiva, o termo genérico “semântica”, que, conforme aponta Martin (2014), tem, na realidade, o sentido mais restrito de “semântica da oração”.

Os padrões de semântica oracional e a respetiva realização lexicogramatical, teorizados de maneira uniforme pelas duas perspetivas, serão discutidos no subponto 1.3.1, adiante. Os padrões de significado discursivo, especı́ficos da perspetiva de base textual, serão abordados no subponto 1.3.2.

1.3.1 Lexicogramática

E* objetivo do presente ponto rever sucintamente a teorização da LSF relativa (i) à constituição estrutural do estrato da lexicogramática, (ii) aos padrões de significado experienciais ao nı́vel da oração e (iii) à combinação de orações.

Em LSF, a oração é entendida como a unidade de processamento central do estrato da lexicogramática, sendo na oração que se projetam, de forma gramaticalmente integrada, os diversos significados ideacionais, interpessoais e textuais (Halliday e Matthiessen 2004: 10, 50).

46 Martin (2014a: 7) explica a génese do termo “semântica do discurso” como uma fusão – de compromisso

– entre o termo “discurso”, herdado do campo dos estudos discursivos, e o termo “semântica”, herdado da vertente teórica de ênfase oracional da LSF: “As a discourse analyst I have always wanted to emphasise the need to move beyond the clause when considering text structure, and began by referring to the third stratum as discourse (following Gleason), and later on, by way of compromise, as discourse semantics”.

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A oração realiza uma unidade semiótica “acabada” ou completa, como reforçam Butt et al. (1994/2000: 33)47.

Para modelizar a organização estrutural da oração, emprega-se, em LSF, o conceito de constituição. Assim, entende-se que a oração é gramaticalmente constituı́da48 por um ou mais

grupos de palavras/sintagmas49, que por sua vez são constituı́dos por uma ou mais palavras

individuais50. Duas ou mais orações simples, por sua vez, podem combinar-se num complexo

oracional51 (cf. Gouveia 2009, Halliday e Matthiessen 2004: 9, Martin, Matthiessen e Painter 1997:

7-10). Em conformidade com o conceito de constituição, postula-se que o estrato da lexicogramática se encontra organizado em quatro nı́veis intermédios de significado, distribuı́dos ao longo de uma escala de níveis, como se ilustra no Diagrama 1.6, adiante.

complexo oracional oração

grupo/sintagma palavra

Diagrama 1.6. A escala de níveis da lexicogramática (Adaptado de Gouveia 2009: 21)

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