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Relação entre a linguagem e o contexto social em LSF (Adaptado de Eggins e Martin 1997: 235)

Parte I Enquadramento teórico

Diagrama 1.1. Relação entre a linguagem e o contexto social em LSF (Adaptado de Eggins e Martin 1997: 235)

Como especifica Martin (2014a), o uso de cı́rculos cotangentes simboliza a natureza superveniente do modelo da LSF14, segundo a qual se assume que o contexto social e a lı́ngua

formam, em conjunto, uma superestrutura sociossemântica. Na representação, o cı́rculo mais abrangente corresponde ao contexto social, uma vez que as realizações linguı́sticas se inserem necessariamente num contexto social, enquanto o contexto social, pelo contrário, não se realiza forçosamente por meio da linguagem verbal. Com efeito o contexto social constitui um nı́vel de significado “mais elevado”, mais abstrato, mais genérico, que metarredunda com o nı́vel de significado “mais baixo” da linguagem (Martin 2014a), podendo socorrer-se também de outros sistemas semióticos como a música, a arquitetura, a linguagem corporal ou a linguagem matemática (cf. Martin 1997, 2014a). Pode ainda dizer-se que a linguagem forma a base para um nı́vel contextual mais abstrato (Martin 1999) ou que padrões ao nı́vel da organização social são realizados (isto é, manifestados, simbolizados, codificados, expressos) como padrões linguı́sticos.

Na ótica de Martin (e.g. 1997, 1984/2010, 2014a), o entendimento da LSF a respeito da relação entre o contexto social e a linguagem pode ainda ser esclarecido com base na distinção entre dois tipos de sistemas cunhados por Hjelmslev (1961): “sistema semiótico denotativo” e “sistema semiótico conotativo”. Segundo este último autor, os sistemas do primeiro tipo dispõem

14 O modelo superveniente da LSF opõe-se ao modelo circunveniente adotado por outras teorias

linguı́sticas de natureza social, nas quais o contexto social é interpretado como extralinguı́stico (Martin 2014a). Para uma discussão, em português, desta diferença veja-se Gouveia (2014).

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de dois planos, o do significado e o da expressão, dispondo os sistemas do segundo tipo de um plano apenas, o do significado. Nesta perspetiva, o contexto social constitui um sistema semiótico conotativo, “parasitário”, que não possui plano de expressão e que se socorre da linguagem para se materializar.

Como já se disse, o modelo da LSF é um modelo de “linguagem e(m) contexto”, embora por vezes, este modelo seja também designado “texto e(m) contexto”. Assim sucede, por exemplo, na literatura do Programa R2L (e.g. Rose 2012a). Antes de prosseguir com a exposição teórica, acrescentando novas “camadas semióticas” ao Diagrama 1.1, apresentado antes, importa esclarecer brevemente três conceitos determinantes em LSF, a saber: “estrutura”, “sistema” e “texto”.

Segundo a LSF, a linguagem humana obedece a dois princı́pios organizadores fundamentais: o princı́pio sintagmático que, dito em linguagem de senso comum, estabelece “o que vai junto com o quê” (Halliday e Matthiessen 2004: 23) e o princı́pio paradigmático que define “o que poderia ir em vez de o quê” (ibidem). E* com base no primeiro princı́pio que se concebe a linguagem como uma estrutura organizada em nı́veis e classes lexicogramaticais. Por seu turno, o princı́pio paradigmático fundamenta a caracterização da linguagem como um sistema de criação de significados organizado em função de escolhas mutuamente exclusivas e progressivamente mais finas ou delicadas. Apesar de levar em consideração ambos os princı́pios (ou eixos)15, a LSF

caracteriza-se pelo seu enfoque paradigmático, sendo este motivado pela orientação sociossemântica da própria teoria. Neste sentido, as escolhas sistémicas são interpretadas como sendo escolhas eminentemente semânticas e que apenas num segundo momento se realizam por meio de estruturas lexicogramaticais. Nas palavras de Halliday e Matthiessen (2004):

Each system – each moment of choice – contributes to the formation of the structure. Of course, there is no suggestion here of conscious choice; the moments are analytical steps in the grammar’s construal of meaning (…). Structural operations – inserting elements, ordering elements and so on – are explained as realizing systemic choices. (Halliday e Matthiessen 2004: 24; negrito original)

Esclarecido o fundamento dos conceitos de “sistema” e “estrutura”, passemos ao conceito de “texto”. Por texto, entende-se, em LSF, qualquer amostra de lı́ngua que seja operacional e que funcione como uma unidade de significado num determinado contexto social (Halliday e Hasan 1976: 293). Significa isto que o texto é conceptualizado como uma unidade fundamentalmente semântica, que se realiza por meio de recursos linguı́sticos. Como reforça Halliday (1975: 123): “[a] text is not made of sounds or letters; and in the same way it is not made of words and phrases

15 Esta é, aliás, uma das diferenças cruciais que distingue a LSF de teorias linguı́sticas centradas no eixo

sintagmático. E* o enfoque paradigmático da LSF que está na base da sua abordagem (mais) sistémica e funcional da linguagem (cf. Martin 2014a).

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and clauses and sentences. It is made of meanings, and encoded in wordings, soundings and spellings”16.

Para modelizar a relação entre a lı́ngua enquanto sistema e a lı́ngua enquanto texto, a LSF dispõe do conceito de instanciação. Postula-se, mais especificamente, que o sistema linguı́stico tem uma natureza potencial e subjacente, sendo instanciado em textos particulares. Sistema e texto devem, assim, ser interpretados como os extremos de uma escala (única) de instanciação. Como explica Gouveia (2009: 19): “[a] lı́ngua enquanto sistema e a lı́ngua enquanto conjunto de textos não são dois fenómenos separados, mas apenas o mesmo fenómeno visto de duas perspetivas diferentes, a da potencialidade e a da instanciação”17.

Tendo por base o conceito de instanciação, o significado de um texto particular (e.g. em português) deriva de (todo) o sistema dessa lı́ngua. Sabendo que a natureza paradigmática da linguagem permite aos falantes privilegiar nos seus textos, de forma mais ou menos consciente, uma maneira de dizer e de significar face a outras (Halliday e Matthiessen 2004, Martin 2002), o princı́pio de instanciação implica ainda que o ouvinte/leitor deve, de forma mais ou menos ciente, interpretar os significados verbalizados face aos que podiam ter sido enunciados mas não o foram (cf. Hood s.d.).

Tratados, ainda que de forma necessariamente sucinta, os conceitos de “estrutura”, “sistema”, “texto” e “instanciação”, terá ficado claro que no modelo sociossemântico da LSF, representado de forma multimodal no Diagrama 1.1, a linguagem pode ser abordada tanto na perspetiva do sistema, como na perspetiva do texto. Daqui resultam as designações alternativas do modelo acima introduzidas: “linguagem e(m) contexto” e “texto e(m) contexto”. Por esta mesma razão, os dois cı́rculos do referido diagrama podem ser entendidos não apenas como (a) sistemas semióticos, mas também como (b) as configurações contextuais e linguı́sticas particulares de um determinado texto.

16 Confira-se também a definição de Gouveia (2009: 18): “De extensão variável, falado ou escrito, individual

ou colectivo, composto de apenas uma frase ou de várias (a extensão não é relevante), o texto é o que produzimos quando comunicamos. E* ainda uma colecção harmoniosa de significados apropriados ao seu contexto, com um objectivo comunicativo.”

17 A relação de instanciação que une sistema e texto é eloquentemente explicada por Halliday e

Matthiessen (2004) por analogia com a relação entre clima e tempo: o clima corresponde a uma visão temporalmente mais lata, o tempo a uma visão mais restrita de um mesmo fenómeno meteorológico. Segundo se pode ler no original:

(…) there are not two separate objects, language as system and language as a set of texts. The relationship between the two is analogous to that between the weather and the climate (cf. Halliday 1992). Climate and weather are not two different phenomena; rather they are the same phenomenon seen from different standpoints of the observer. What we call “climate” is weather seen from a greater depth of time – it is what is instantiated in the form of weather. (…) Like the relationship between climate and weather, the relationship between system and text is a cline – the cline of instantiation (…). System and text define the two poles of the cline – that of the overall potential and that of the particular instance. (Halliday e Matthiessen 2004: 26-7)

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A modelização configurada pelo Diagrama 1.1 torna ainda evidente que o texto é um fenómeno complexo, na medida em que é constituı́do por duas dimensões complementares e inseparáveis: uma dimensão social e uma dimensão linguı́stica (Feez 1998: 5, Avelar 2008: 34). Este é, aliás, um dos princı́pios fundamentais da análise textual em LSF: atende-se tanto ao contexto social dos textos, quanto à sua realização linguı́stica. Por outras palavras, está a propor- se uma análise situada numa zona de interface entre a análise gramatical e a análise da atividade social (cf. Martin e Rose 2003/2007: 4)18.

Importa apontar, por fim, para a relação probabilı́stica entre o texto e o contexto (Gouveia 2008). Assume-se em LSF que determinadas configurações contextuais tornam mais prováveis determinados textos, e que, inversamente, é possı́vel a partir de um texto particular fazer asserções sobre o contexto em que ele foi produzido. Paralelamente, entende-se que as dificuldades de compreensão de um texto devem-se, frequentemente, ao facto de o leitor/ouvinte não dispor de informação contextual insuficiente, o que sucede por exemplo, quando um texto é “arrancado” do seu contexto19.

1.2 Estratificação do contexto social

O contexto social é teorizado de formas divergentes em LSF, sendo possı́vel distinguir entre duas perspetivas de base: segundo Halliday e colegas (Halliday 2002, Halliday e Matthiessen 2004, Hasan 1995, 1999, 2009) o contexto social pode ser entendido como um – e apenas um – nı́vel de significado mais abstrato. Pelo contrário, na perspetiva de Martin e colegas (Eggins e Martin 1997, Martin 1992, 1997, 1999, 2014a, Martin e Rose 2008) o contexto social é encarado como um complexo semiótico constituı́do por dois sistemas20. Seguimos, neste trabalho, o modelo

estratificado assente sobre esta última perspetiva e tecnicizado como a Teoria de Género e Registo (TG&R) (Eggins e Martin 1997).

A TG&R propõe uma estratificação do contexto social em dois sistemas semióticos, a saber: o género e o registo. Destes dois, o género constitui o sistema mais abstrato, situando-se acima e além do registo. O registo, por sua vez, interage diretamente com o sistema linguı́stico/texto. Esta interpretação estratificada do contexto social pode ser representada multimodalmente procedendo-se à divisão do cı́rculo mais abrangente do Diagrama 1.1, anteriormente apresentado. O Diagrama 1.2, adiante, dá corpo a esta divisão, podendo ver-se o género e o registo como dois sistemas, isto é, como duas camadas semióticas do contexto social, conforme indicado do lado

18 No original pode ler-se: “[i]n SFL, discourse analysis interfaces with the analysis of grammar and the

analysis of social activity, somewhere between the work of grammarians on the one hand and social theorists on the other.” (Martin e Rose 2003/2007: 4).

19 Significativamente, presume-se em LSF que um texto nunca pode ser totalmente despido do contexto. 20 Para uma análise crı́tica das duas propostas, veja-se por exemplo Martin e Rose (2008: 8-18), Martin

19 direito do diagrama.

Diagrama 1.2. Interpretação estratificada do contexto social em TG&R

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