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O sistema da TRANSITIVIDADE (Adaptado de Eggins 1994/2004: 214)

Parte I Enquadramento teórico

Diagrama 1.8. O sistema da TRANSITIVIDADE (Adaptado de Eggins 1994/2004: 214)

O Diagrama 1.8 dá forma a uma rede de sistemas, segundo a qual a oração inclui apenas um tipo de Processo, de entre seis tipos disponı́veis, além de que pode, ou não, incluir Circunstâncias. A especificidade de cada um dos Processos e dos respetivos Participantes é discutida, em pormenor, em Eggins (1994/2004: 206-254), Halliday e Matthiessen (2004: 168-259), Martin, Matthiessen e Painter (1997: 102-110), entre outros. Para descrições em português veja-se

55 Confira-se, em Halliday e Matthiessen (2004), a necessidade de se particularizar os conceitos

semânticos gerais de Processo e Participante numa análise experiencial da oração:

The concepts of process, participant and circumstance are semantic categories which explain in the most general way how phenomena of our experience of the world are construed as linguistic structures. When we come to interpret the grammar of the clause, however, we do not use these concepts as they stand because they are too general to explain very much. We shall need to recognize participant and circumstance functions which are more specific than these and which, in the case of participant functions, differ according to the type of process being represented. (Halliday e Matthiessen 2004: 178)

56 Traduções em conformidade com a Lista de Termos de LSF em Português. Disponı́vel em:

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Gouveia (2009), Marques (2011: 79-90) e Martins (2008: 18-23)57.

Segundo apontam Halliday e Martin (1993: 31), os dois tipos de Processo mais recorrentes nas Ciências Naturais são os Processos materiais e os Processos relacionais, responsáveis pela construção de duas perspetivas complementares sobre o mundo natural, respetivamente um mundo de ação em que as entidades naturais atuam, seja de forma independente, seja sobre outras entidades, e um mundo de relações entre entidades, sem que estas executem ações58.

Os Processos materiais constroem ações e acontecimentos tipicamente concretos, envolvendo uma mudança percetı́vel no mundo material (Martin, Matthiessen e Painter 1997: 103). A frase (2), abaixo reproduzida, ilustra este tipo de Processo.

(2) A toupeira percorre as galerias que escava no interior do solo. (Peneda et al. 2011: 32; sublinhados nossos)

Os Processos relacionais requerem uma definição mais detalhada. Conforme se pode conferir no diagrama apresentado antes, este tipo de Processos pode configurar dois modos básicos de relação: atributiva ou identificativa. Os Processos atributivos motivam os Participantes especı́ficos de Portador e Atributo; os Processos identificativos os Participantes especı́ficos de Caracterı́stica e Valor (cf. Diagrama 1.8). Segundo Martin, Matthiessen e Painter (1997: 106), a principal diferença entre os Processos atributivos e os Processos identificativos reside no facto de os primeiros codificarem uma relação de pertença a uma classe, enquanto os segundos codificam uma relação de simbolização. Consequentemente, as orações atributivas relacionam duas entidades distintas por meio de uma relação de subtipo-tipo, enquanto as orações identificativas relacionam duas formas de representar uma mesma entidade. Os dois tipos de oração podem ser parafraseados por uma mesma estrutura do tipo “x é y”. Porém, esta estrutura deve ser interpretada como “y é um atributo de x”, no caso das orações atributivas, e como “y é a identidade de x”, no caso das orações identificativas. Para ilustrar estes dois tipos de oração, vejam-se os seguintes exemplos fictı́cios59.

Os elefantes são mamı́feros.

Portador Pr: atributivo Atributo

57 Leia-se mais adiante, no Capı́tulo 2, uma revisão da literatura dedicada ao papel dos diferentes tipos de

Processo na construção das relações especializadas de composição, classificação e sequenciação, definidoras do discurso da (didática da) ciência.

58 No original pode ler-se: “This [construing physical and biological reality] involves: building up a world

of action in which physical and biological entities act, by themselves, or on other things (…) and constructing a world of relationships among entities – a world in which things can be without doing.” (Halliday e Martin 1993: 31)

59 Neste trabalho, optamos por assinalar as análises lexicogramaticais com um fundo cinzento, assim as

distinguindo da (mera) reprodução de exemplos textuais, retirados de manuais de CN ou provenientes de outras fontes.

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Elefante é o termo genérico e popular pelo qual são denominados os membros da famı́lia Elephantidae. Caracterı́stica Pr: identificativo Valor

No que respeita ao tipo de relação, os Processos atributivos e identificativos podem ser de três subtipos: intensivo, possessivo e circunstancial (cf. Diagrama 1.8). O subtipo intensivo constitui a configuração semântica mais simples e corresponde aos exemplos acima ilustrados. Quanto ao subtipo possessivo e ao subtipo circunstancial, ambos envolvem um significado adicional, que acresce à relação de subclasse-classe ou à relação de simbolização. Assim, os Processos relacionais possessivos exprimem, também, uma relação de posse e os Processos relacionais circunstanciais acumulam, no verbo, informação de natureza circunstancial. As orações possessivas podem ser parafraseadas por uma estrutura do tipo “x tem y”60. Dada a

diversidade de informação circunstancial que pode ser integrada nos Processos relacionais, torna-se difı́cil apontar uma única paráfrase para as orações circunstanciais61.

Ao longo do trabalho, veremos que os Processos atributivos possessivos desempenham um papel importante na construção de relações de composição, os Processos atributivos intensivos na construção de relações de classificação, os Processos identificativos circunstanciais na construção de relações de sequenciação e os Processos identificativos intensivos na definição de termos técnicos.

Delimitados os traços gerais do sistema da TRANSITIVIDADE, importa agora esclarecer que as realizações lexicogramaticais do referido sistema podem ser congruentes ou incongruentes. Na Tabela 1.4, apresentada antes, identifica-se a realização congruente de cada tipo de elemento experiencial da semântica do discurso. Os casos de incongruência gramatical, por outro lado, pautam-se pela realização de funções discursivas por meio de estruturas gramaticais diferentes das previstas. Halliday e Martin (1993: 192) referem a realização incongruente como um fenómeno de agrupamento cruzado de significados (no original: cross-coupling). Como explica Halliday (e.g. 1993, 2003, 2004), a realização incongruente é filogeneticamente e

60 Veja-se, por exemplo, a oração atributiva possessiva, igualmente fictı́cia: “Os répteis têm coluna

vertebral”. Esta oração estabelece, por um lado, uma relação de subclasse-classe, segundo a qual os répteis pertencem ao conjunto (mais abrangente) de animais com coluna vertebral, isto é, dos animais vertebrados. Por outro lado, a mesma oração constrói uma relação de posse, segundo a qual os répteis possuem uma coluna vertebral. Mais precisamente, constrói uma relação de meronı́mia (todo-parte), segundo a qual a coluna vertebral é uma parte constituinte dos répteis, isto é, da sua estrutura corporal. Dos três significados que acabamos de inventariar, o terceiro, sendo o mais especı́fico, é o que prevalece na interpretação da oração.

Note-se, ainda, que nem todas as orações relacionais possessivas constroem necessariamente uma relação de meronı́mia. Exemplo disso é a oração: “O João tem um carro desportivo”, em que o Atributo “carro desportivo” não codifica uma parte constituinte do Portador “O João”.

61 Para uma sistematização dos principais significados construı́dos pelos Processos circunstanciais, veja-

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ontogeneticamente posterior à realização congruente e deve ser entendida como uma exploração criativa das potencialidades semióticas da natureza estratificada do sistema linguı́stico.

Em LSF, as realizações incongruentes são genericamente designadas metáforas gramaticais. Este termo dá conta da tensão em diferentes estratos da gramática, ou tensão interestratal, criada por estruturas cujo significado gramatical literal se encontra desfasado do seu significado semântico. Por outras palavras, trata-se de estruturas que apresentam uma função semântica diferente daquela que é sugerida pela sua categoria gramatical, devendo ambos os significados, o semântico e o lexicogramatical, ser levados em consideração na interpretação da metáfora (Rose e Martin 2012: 259).

Havendo vários tipos de metáfora gramatical62, a codificação de uma Figura como um grupo

nominal (em vez de uma oração) e a codificação de um Processo como um nome (em vez de um verbo) recebe a designação mais restrita de metáfora experiencial.

A diferença entre a realização congruente e incongruente pode ser mapeada no modelo estratificado da lı́ngua em contexto, como se ilustra no Diagrama 1.9, apresentado adiante.

Diagrama 1.9. Realização experiencial congruente e incongruente de Processos

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