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Introdução da Parte

Capítulo 6 – Organizar fenómenos naturais

6.3 Relatório composicional

O segundo tipo de relatório associado, no corpus, ao uso “Organizar fenómenos naturais” é o relatório composicional. Nesta secção, especificamos o que caracteriza este género e o que o distingue dos demais relatórios em termos do seu propósito sociocomunicativo e organização em etapas e fases.

Ao contrário do relatório descritivo, o relatório composicional não incide sobre um único fenómeno, mas antes sobre dois, ou mais, fenómenos relacionados entre si. Neste aspeto, aproxima-se do relatório classificativo e, tal como este, o relatório composicional tem como propósito descrever um conjunto de entidades e estabelecer entre elas uma taxonomia ou, por outras palavras, organizar entidades naturais segundo um sistema de classificação214. O que

distingue estes dois géneros é o princı́pio que estrutura a taxonomia propriamente dita. Enquanto o princı́pio taxonómico estruturante num relatório composicional é a composição, no relatório classificativo é a superordenação215.

Como a própria designação do género deixa transparecer, o relatório composicional corresponde a um tipo de texto em que as entidades são abordadas na perspetiva da relação entre a sua totalidade e as suas partes, tendo como principal propósito sociocomunicativo a descrição dessas mesmas partes ou componentes (cf. Martin e Rose 2008: 146). A relação que se estabelece entre esses fenómenos é de uma natureza muito especı́fica, a saber: uma relação de meronı́mia.

Os relatórios composicionais desempenham um papel fundamental nos campos da anatomia e da fisiologia (idem: 148). Geralmente, estes relatórios apresentam um primeiro

214 Sublinhe-se, pois, que a dimensão taxonómica não é exclusiva do relatório classificativo.

215 Segundo se pode ler em Wignell, Martin e Eggins (1993: 153), a superordenação e a composição são

dois princı́pios organizadores, ou taxonómicos, fundamentais em ciências: “A ‘taxonomy’ is an ordered, systematic classification of some phenomena based on the fundamental principles of superordination (where something is a type of or a kind of something else) or composition (where something is part of something else).” Significativamente, vários exemplos do corpus mostram que a linha que separa o relatório composicional e o classificativo pode ser ténue, como se pode ler no seguinte excerto: “Uma dentição completa inclui três conjuntos de dentes com funções distintas: - incisivos (utilizados para cortar); - caninos (servem para rasgar); - pré-molares e molares (cuja função é triturar)” (Ramos e Lima 2011a: 42)

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momento, em que se classifica um sistema do organismo e se explica a sua função. Segue-se um segundo momento, em que se introduzem as componentes desse sistema, acompanhadas por uma descrição da sua função e, num terceiro momento, avança-se para as subcomponentes, e assim sucessivamente216.

O relatório composicional compreende duas etapas definidoras que, grosso modo, correspondem aos dois tipos de componentes envolvidas na relação meronı́mica, ou seja, entre a totalidade e as partes. Adotando a terminologia de Martin e Rose (2008), a primeira etapa pode ser designada como Classificação da entidade e a segunda como Descrição: partes. Tipicamente, a etapa que dá conta da entidade no seu todo é realizada em primeiro lugar.

A designação da primeira etapa, Classificação da entidade, indica claramente que o relatório composicional incide sobre um tipo muito particular de fenómenos: as entidades. Segundo foi referido antes, são dois os tipos de fenómenos tratados na didática das ciências, as entidades versus as atividades, sendo que esta distinção é particularmente importante para uma definição dos géneros nesta área disciplinar. Assim, os relatórios incidem geralmente sobre entidades, ainda que alguns relatórios, em particular os classificativos, possam abordar também atividades. Todavia, este não é o caso do relatório composicional, na medida em que a relação meronı́mica apenas existe em, ou pode ser aplicada a entidades.

Adicionalmente, repare-se na referência à primeira etapa como Classificação da entidade e não, simplesmente, como Entidade. O uso do termo Classificação nesta designação decorre de uma caracterı́stica do relatório composicional. Na verdade, para que este tipo de relatório possa ter autonomia semiótica, necessita de situar o leitor e, como vimos a propósito do relatório descritivo, esse enquadramento será feito preferencialmente por meio de uma classificação. Por conseguinte, não basta nomear a entidade e avançar de imediato para a identificação/ descrição das suas partes. Veja-se, no excerto apresentado de seguida, uma etapa de Classificação da entidade bem conseguida neste aspeto.

O motor central do sistema circulatório é o coração, órgão musculoso situado na cavidade torácica, ligeiramente inclinado para o lado esquerdo. (Motta e Viana 2010a: 69)

O excerto que acabamos de reproduzir constitui o primeiro parágrafo de um relatório composicional sobre o coração. A Classificação da entidade, o coração, é exemplar na medida em que nele se começa por classificar o coração quanto à sua função, natureza e localização e que, só

216 Em alternativa, as relações composicionais podem encontrar-se distribuı́das por vários textos. Assim,

num primeiro relatório composicional, aborda-se um sistema e as suas componentes. Num relatório seguinte, toma-se uma das componentes do sistema previamente decomposto, sendo esta tomada como o ponto de partida, isto é, como o todo, neste segundo relatório, e descrevendo-se as suas partes constituintes. Num terceiro texto, foca-se outra componente do mesmo sistema e as suas subcomponentes, e assim sucessivamente.

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depois, se avança, num segundo parágrafo, para a descrição das suas partes. Significativamente, o segundo parágrafo começa com “O coração apresenta quatro cavidades (...)”.

Ressalve-se, todavia, que alguns textos deste género apresentam uma primeira etapa ainda mais completa. Assim, para além de estabelecerem a classificação da entidade, um aspeto tido como definidor para Martin e Rose (2008), alguns relatórios composicionais apresentam também uma enumeração inicial das partes constituintes dessa mesma entidade, enumeração essa que não deve ser confundida com a descrição que se realiza, posteriormente, na etapa seguinte do texto. A tı́tulo de ilustração, considere-se o seguinte excerto.

A pele é o revestimento externo do corpo, sendo considerado o maior órgão do corpo humano. É constituída pela epiderme e pela derme. (Sales et al. 2011: 94)

No excerto reproduzido, podemos ler o momento inicial de um relatório composicional, neste caso especı́fico sobre a pele humana. Esta primeira etapa textual contém a classificação da pele, “é o revestimento externo do corpo, sendo considerado o maior órgão do corpo humano”, bem como a enumeração das suas partes, “pela epiderme e pela derme”. Veja-se como a partir desta enumeração se pode inferir a composição, mas não a descrição, da pele humana, tal como a reproduzimos no Diagrama 6.1, adiante217.

Diagrama 6.1. Taxonomia composicional da pele humana, com base em Sales et al. (2011: 94) Quanto à segunda etapa do relatório composicional, esta é designada como Descrição: partes (cf. Rose e Martin 2012: 130). Nesta etapa, são descritas (as) várias partes da entidade e a sua relação com o todo. Tal como acontece com o relatório descritivo, esta segunda etapa é, por norma, a que se encontra mais desenvolvida. Numa instanciação canónica deste género, cada parte da entidade é descrita numa fase textual diferente. Ou seja, cada fase da Descrição: partes corresponde a um elemento distinto.

Na análise estrutural de um relatório composicional, dá-se conta da sequência destas descrições de partes, ou elementos constituintes, por meio de uma enumeração dessas mesmas partes, recorrendo à designação parte 1, parte 2, parte 3, e assim sucessivamente, consoante o

217 Relembre-se que, ao contrário do que sucede em ciência/didática das ciências, onde os diagramas

taxonómicos seguem geralmente uma orientação vertical, independentemente do tipo de relação em questão, em LSF faz-se uma distinção formal entre a taxonomia composicional e a taxonomia classificativa. Cf. antes o Capı́tulo 2.

pele

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texto em concreto. Trata-se de uma designação suficientemente abstrata, mas ainda assim transparente, para ser empregue na segmentação de todos os relatórios deste tipo. A natureza especı́fica dessas partes varia naturalmente de uma entidade para outra, bem como do modo como são descritas nos textos.

A Tabela 6.5, apresentada adiante, sintetiza as caracterı́sticas fundamentais do relatório composicional, no que respeita ao seu propósito sociocomunicativo, às etapas definidoras e às fases.

PSC Descrever (as) partes de um todo

Etapas Classificação da entidade ^ Descrição: partes

Fases As fases da Descrição são, habitualmente, partes: parte 1, parte 2, etc. Podem incluir também subpartes: subparte 1, subparte 2, etc. Tabela 6.5. Características fundamentais do relatório composicional 6.3.1 Representatividade do relatório composicional no corpus

O relatório composicional é um género relativamente escasso no corpus sob a forma tal qual foi descrito na secção anterior.

Na verdade, embora a decomposição das entidades em partes constituintes, ou, se se quiser, a relação meronı́mica, seja um conteúdo didático recorrente no corpus e o relatório composicional seja, de facto, o principal género textual utilizado para o ensino/aprendizagem deste mesmo conteúdo218, constata-se que a maioria dos textos deste tipo recenseados apresenta diferenças em

relação àquilo que antes definimos como caracterı́sticas fundamentais do género.

No que respeita ao contexto de uso, em termos gerais, observa-se que, no corpus, o relatório composicional surge principalmente associado aos campos da anatomia e da fisiologia quer animal, quer vegetal. No caso dos manuais do 6.º ano, o relatório composicional é utilizado principalmente para construir conhecimento sobre a estrutura e a organização dos vários sistemas do organismo humano, como o sistema digestivo, o sistema circulatório, o sistema excretor, o sistema respiratório e o sistema reprodutor. Os diversos órgãos ou entidades que constituem estes sistemas são, num segundo momento, objeto de uma posterior descrição composicional. Assim acontece, por exemplo, com a boca, o estômago, o coração, o sangue, os

218 No corpus, o tratamento deste tipo de conteúdo, a decomposição das entidades em partes constituintes,

realiza-se ainda de outras duas formas. Por um lado, trata-se de conhecimento frequentemente transmitido por meio de figuras. As figuras podem estar (ou não) associadas a relatórios composicionais com uma realização verbal, mas constituem geralmente uma fonte isolada de informação. Por outro lado, as entidades e as suas partes constituintes são também referidas no seio de outros géneros, sem constituı́rem objeto de um relatório composicional propriamente dito. Trata-se de passagens textuais que identificam/elencam partes constituintes, mas que não as descrevem, por exemplo, em relação à sua localização, aspeto, funções, etc.

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