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Realização experiencial congruente e incongruente de Processos (Adaptado de Rose e Martin 2012: 118, 123)

Parte I Enquadramento teórico

Diagrama 1.9. Realização experiencial congruente e incongruente de Processos (Adaptado de Rose e Martin 2012: 118, 123)

Como exemplo da metáfora experiencial, motivada pela recodificação de um Processo num nome, veja-se a frase (2), adiante:

(3) A contração do ventrículo esquerdo impulsiona o sangue através da artéria aorta. (Sales et al. 2011: 68; negrito no original)

Conforme se pode ler na frase (2), o nome “contração” realiza o Processo “contrair-se”, enquanto o grupo nominal “a contração do ventrı́culo esquerdo” realiza a Figura “o ventrı́culo esquerdo contrai-se”. Ademais, o referido grupo nominal realiza, ainda, a função de Participante

62 Importa esclarecer que a metáfora gramatical não se restringe aos significados experienciais,

40 na frase como um todo63.

O conceito de metáfora gramatical constitui um conceito teórico fundamental e exclusivo da LSF. Conforme se discute mais adiante, no Capı́tulo 2, entende-se nesta teoria que a metáfora gramatical é uma caracterı́stica prototı́pica dos textos escritos que veiculam conhecimento especializado e que o seu domı́nio representa um marco importante no desenvolvimento da literacia escolar.

Tendo enquadrado teoricamente a semântica experiencial ao nı́vel da oração, avancemos agora para uma breve revisão da literatura relativa à combinação de duas ou mais orações numa só frase.

Em LSF, a frase é entendida como uma unidade grafológica (Halliday e Matthiessen 2004: 6- 7, 371). De um ponto de vista semântico, esta unidade formal pode corresponder a uma oração simples ou a um complexo oracional. O exemplo (4), adiante, ilustra uma frase constituı́da por uma oração simples:

(4) Algumas doenças afetam a parede do interior do tubo digestivo. (Sales et al. 2011: 41)

A constituição da frase (4) pode ser representada como em (4a), seguindo as convenções de Halliday e Matthiessen (2004: 10) de delimitar os grupos de palavras por uma barra vertical simples (“|”) e a oração por uma barra vertical dupla (“||”).

(4a) Algumas doenças | afetam | a parede do interior do tubo digestivo. ||

A frase (4) envolve constituintes de três nı́veis: palavra, grupo de palavra e oração, os quais funcionam todos no nı́vel que lhes é próprio na escala lexicogramatical. Diz-se destes constituintes que são nivelados. Segundo se postula em LSF, os constituintes gramaticais podem funcionar também como (um elemento de) um constituinte de um nı́vel mais baixo na escala. Estes constituintes são designados desnivelados ou encaixados (cf. Gouveia 2009). Como apontam Halliday e Matthiessen (2004: 9), este fenómeno observa-se com maior frequência ao nı́vel do grupo/sintagma, em particular no desnivelamento de orações com a função de modificador nominal. Assim acontece, por exemplo, na frase (5), adiante:

(5) Os morcegos são mamíferos que também se deslocam no ar. (Peneda et al. 2011: 34)

A frase (5) é realizada por meio de uma oração simples, onde se integra a oração desnivelada “que também se deslocam no ar”. A oração desnivelada é um constituinte do nı́vel da oração que, nesta frase particular, funciona ao nı́vel do grupo de palavras. Seguindo as convenções de Halliday

63 Para Halliday (1998: 212) a recodificação do processo como um nome constitui a metáfora principal ou

central do aglomerado. As restantes metáforas, sendo consequências lógicas da metáfora central, são entendidas pelo autor como metáforas secundárias.

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e Matthiessen (idem: 10), as orações desniveladas são delimitadas por parêntesis retos duplos (“[[ ]]”)64, como no seguinte exemplo:

(5a) Os morcegos | são | mamı́feros [[que também se deslocam no ar.]] ||

O conceito de desnivelamento é especı́fico da LSF e especialmente profı́cuo porque oferece uma visão particularizada das orações que não funcionam no nı́vel que lhes é próprio. Neste aspeto singular, o aparato da LSF apresenta vantagens na análise sociossemântica dos textos, pois permite distinguir as orações com um papel ativo na estruturação do texto, as orações niveladas, das orações que assumem um papel estruturante secundário, as orações desniveladas (cf. Schleppegrell 2004: 67). Esta diferenciação é justificada por Gouveia (2012: 202) da seguinte forma: “[d]o ponto de vista discursivo, então, esta é uma distinção importante (…) porque permite distinguir entre orações que contribuem para a estrutura do discurso de uma forma direta e imediata e as que o fazem apenas de uma forma indireta e não independente”65.

A oração encaixada não deve ser confundida com a oração apositiva ou incluída66. Apesar

das suas semelhanças formais, estes dois tipos de estrutura constroem conhecimentos de campo distintos.

Halliday e Matthiessen (2004: 10) definem as estruturas incluı́das como unidades integradas dentro de outras unidades, que não funcionam como constituintes das unidades que integram, mas antes as interrompem ou dividem em dois. Compare-se, a tı́tulo ilustrativo, nas frases (6) e (7) (fictı́cias), apresentadas adiante, o funcionamento da mesma oração “que vivem em ambientes húmidos”.

(6) Os anfíbios que vivem em ambientes húmidos não apresentam revestimento. (7) Os anfíbios, que vivem em ambientes húmidos, não apresentam revestimento.

64 Os constituintes desnivelados são delimitados por parêntesis retos simples, duplos ou triplos

dependendo da sua natureza gramatical: [grupo/sintagma], [[oração]] e [[[complexo oracional]]] (cf. Halliday e Matthiessen 2004: 10).

65 Conforme se sublinha em Halliday e Martin (1993: 39), as orações desniveladas caracterizam-se, ainda,

pela possibilidade de apresentarem informação hipotética ou subjetiva de uma forma naturalizada, não aberta à discussão. Segundo os autores (ibidem) esta naturalização é uma das principais funções deste tipo de estruturas no discurso da (didática da) ciência. No original lê-se: “[y]ou can argue with a clause, but you can’t argue with a nominal group” (Halliday e Martin 1993: 39).

66 Martin, Matthiessen e Painter (1997) adotam o termo included, Halliday e Matthiessen (2004) o termo

enclosed para designar este tipo de estruturas. A tradução “incluı́da” parece-nos mais fidedigna e menos problemática. Com efeito, apesar de estar convencionado para a lı́ngua portuguesa o uso do termo “apositiva”, é possı́vel ter estruturas apositivas não incluı́das, i.e. que não se encontram no meio de dois constituintes. Como exemplo, veja-se a seguinte frase, anotada por Martin, Matthiessen e Painter (1997: 195): “Other species familiar to Canadians are (…) the Pilot or Pothead whale, <<which is commonly stranded on beaches>>, the Spotted and Spinner Dolphins, <<that create a problem for tuna seiners>>, and the Porpoises, which we commonly see along our shores.” A oração “which we commonly see along our shores” partilha todas as caracterı́sticas com as orações assinaladas entre parêntesis angulares duplos (todas elas são apositivas), com a única diferença de que se encontra em posição final do complexo nominal, da oração e da frase (não interrompendo, portanto, nenhuma estrutura gramatical).

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A frase (6) é constituı́da por uma única oração nivelada. Nesta frase, a oração “que vivem em ambientes húmidos” funciona ao nı́vel do grupo e portanto encontra-se encaixada no grupo nominal “os anfı́bios”. Na frase (7), a mesma oração funciona ao nı́vel da oração onde tem um valor apositivo, estando incluı́da no grupo nominal. Neste caso, e uma vez que a oração incluı́da tem uma natureza nivelada (Martin, Matthiessen e Painter 1997: 179), a frase (7) é constituı́da por duas orações niveladas, situadas no mesmo nı́vel da escala lexicogramatical.

Seguindo as convenções de Halliday e Matthiessen (2004: 10), a oração apositiva pode ser formalmente distinguida da oração encaixada por meio do uso de ângulos retos duplos (“<< >>”). As frases (6) e (7) podem, portanto, ser anotadas respetivamente da seguinte forma:

(6a) Os anfı́bios [[que vivem em ambientes húmidos]] não apresentam revestimento. (7a) Os anfı́bios, <<que vivem em ambientes húmidos,>> não apresentam revestimento.

Repare-se que a diferença entre as frases (6) e (7) não é meramente formal. Na verdade, estas frases constroem significados distintos. A frase (6) pressupõe a existência de diferentes subtipos de anfı́bios, um dos quais vive em ambientes húmidos e que se distingue categoricamente de outro(s) tipo(s) de anfı́bios com outro tipo de habitat67. E* a esta (e apenas a

esta) subclasse que a frase (6) se refere, desempenhando a oração encaixada um papel crucial na sua identificação (Martin, Matthiessen e Painter 1997: 179). Por esta mesma razão, é também designada, em LSF, oração relativa definidora (Halliday e Matthiessen 2004: 324). Na frase (7), por outro lado, a classe dos anfı́bios é focada como um todo. A classe é identificada exaustivamente pelo grupo nominal “os anfı́bios” e a oração incluı́da fornece informação adicional a respeito do seu habitat68. Neste caso, portanto, “viver em ambientes húmidos” constitui uma

caracterı́stica partilhada por todos os anfı́bios69. Este tipo especı́fico de oração apositiva é

designada, em LSF, de oração relativa não definidora (idem: 325).

67 Note-se que esta frase em particular constrói uma representação porém, falsa, pois todos os anfı́bios

vivem necessariamente em ambientes húmidos. Noutros exemplos, tanto a oração encaixada, como a oração incluı́da são experiencialmente plausı́veis. Veja-se o exemplo: “O meu irmão, que trabalha no banco, vem amanhã” (só tenho um irmão, o facto de trabalhar no banco constitui uma informação adicional); “o meu irmão que trabalha no banco vem amanhã (tenho vários irmãos, um deles trabalha no banco, informação a que posso recorrer para o distinguir dos restantes).

68 Conforme se explica em Martin, Matthiessen e Painter (1997: 179), as orações incluı́das podem

desempenhar, na verdade, duas funções: (i) elaborar a oração precedente na sua globalidade ou (ii) acrescentar informação adicional sobre um Participante dessa oração, estando a identidade desse Participante já plenamente estabelecida no discurso.

69 Na escrita, as orações incluı́das são frequentemente separadas por meio de vı́rgulas, como sucede na

frase (3). Na oralidade, a oração incluı́da apresenta caracterı́stica prosódica diferentes da oração encaixada, segundo se explicita em Martin, Matthiessen e Painter (1997: 179): “[t]he two structures are readily distinguishable in speech, since the hypotatic non-embedded clause spoken on a separate tone group maintains tone concord with the main clause.”. Repare-se, por fim, que as designações de oração encaixada e oração incluı́da, usadas em LSF, correspondem, respetivamente, às designações “oração relativa restritiva” e “oração relativa apositiva” da gramática tradicional.

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No entendimento da LSF, a combinação de orações niveladas resulta em complexos oracionais. Segundo Halliday e Matthiessen (2004: 373), as orações niveladas apresentam, entre si, um maior ou menor grau de dependência (parataxe ou hipotaxe), por um lado, um tipo de relação lógico-semântica (intensificação, elaboração, ou extensão), por outro. Nas análises lexicogramaticais apresentadas ao longo deste estudo, foca-se unicamente o grau de interdependência oracional.

Quando as orações se encontram numa relação de parataxe, elas têm o mesmo estatuto, podendo cada uma delas funcionar de forma independente (Martin, Matthiessen e Painter 1997: 168). Em contraste, as orações encontram-se numa relação de hipotaxe quando uma oração modifica a outra, sendo uma oração a principal ou a dominante e outra a dependente. Veja-se as frases (8) e (9), adiante, que constituem um complexo paratático e um complexo hipotático, respetivamente:

(8) Este revestimento protetor facilita a sua deslocação e evita a perda de água. (Peneda et al. 2011: 30)

(9) As aves fazem a incubação aquecendo com os seus corpos os ovos, durante um período de tempo variável, de acordo com a espécie. (Peneda et al. 2011: 62)

Na anotação dos complexos oracionais, seguimos as convenções de Halliday e Matthiessen (2004: 10) e Martin, Matthiessen e Painter (1997: 168). Assim, o complexo oracional é delimitado por uma barra oblı́qua tripla (“|||”), estando as orações em relação de parataxe identificadas, por meio de numeração árabe, em função da sua ordem na frase, e as orações em relação de hipotaxe por meio de letras gregas70. Repare-se que a oração principal recebe sempre a letra a e a oração

dependente a letra b, independentemente da sua posição no complexo oracional. Assim se pode conferir em (8a) e (9a).

(8a) Este revestimento protetor facilita a sua deslocação || e evita a perda de água. |||

1 2

70 Uma representação alternativa, adotada neste trabalho, consiste em transcrever cada oração nivelada

numa linha distinta, indicando as relações de parataxe e de hipotaxe na margem esquerda. Elegante e facilmente legı́vel, esta representação é particularmente útil na anotação de complexos oracionais com vários nı́veis de parataxe e/ou de hipotaxe, como ilustra o seguinte exemplo de Martin, Matthiessen e Painter (1997: 170):

1 2 a

b 1 2

Morel went to bed in misery, and Mrs. Morel felt

as if she were numbed by some drug,

as if her feelings were paralysed.

Tecnicamente, a realização de uma constituinte do complexo oracional por meio de um (sub)complexo oracional é designado nesting (Halliday e Matthiessen 2004: 376). Neste trabalho, utilizaremos apenas a designação de senso mais comum “complexo oracional com vários nı́veis”.

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(9a) As aves fazem a incubação || aquecendo com os seus corpos os ovos, durante um perı́odo de tempo variável, de acordo com a espécie. |||

a b

Concluı́da a exposição sobre os padrões de significado realizados na oração e no complexo oracional, considerados como os aspetos teóricos lexicogramaticais mais relevantes para o presente estudo, passamos para discussão dos padrões de significados discursivos, de natureza supra-oracional (ou, mais precisamente, supra-complexo-oracional).

1.3.2 Semântica do discurso

O estrato da semântica do discurso abrange tanto os padrões de significado que se realizam na oração e nas estruturas gramaticais constitucionalmente relacionadas com a oração, discutidos no ponto 1.3.1, como os padrões de significado supra-oracionais. Na teorização do estrato da semântica do discurso (e.g. Martin 1992, 2014a, Rose e Martin 2003/2007), é dada particular ênfase ao segundo conjunto de padrões.

E* premissa de base na teorização da semântica do discurso que os padrões de significado supra-oracionais são responsáveis pela coesão dos textos. Conforme tecniciza Martin (2014a: 9), os laços de coesão supra-oracionais constituem estruturas semânticas discursivas e os sistemas subjacentes a estes laços são entendidos como sistemas semânticos discursivos.

A' semelhança do estrato da lexicogramática, o estrato da semântica do discurso organiza-se numa escala de nı́veis (Rose 2006: 187)71. Tendo em consideração que o estrato da semântica do

discurso se articula diretamente com os nı́veis contextuais do modelo funcional da TG&R, os três primeiros nı́veis da escala são, num sentido descendente, o nı́vel do género, da etapa e da fase. Para além destes três nı́veis, a escala inclui ainda um quarto nı́vel, situado imediatamente abaixo do nı́vel da fase, designado mensagem. Martin e Rose (2008: 264) definem esta unidade discursiva em função da sua realização estrutural. Assim, a mensagem pode corresponder a: (i) uma oração independente, (ii) uma oração principal acompanhada das suas orações dependentes não finitas ou (iii) uma oração projetante juntamente com as suas orações projetadas72. A

mensagem metarredunda, desta forma, com os nı́veis de complexo oracional ou de oração no

71 Como aponta Rose (2006: 187), esta escala de nı́veis não se encontra explicitada em Martin (1992) e

Martin e Rose (2003/2007), os dois principais trabalhos de referência em LSF no que respeita à teorização da semântica do discurso. Ainda assim, e segundo argumenta Rose, a referida escala é implicitamente assumida em diferentes momentos destes trabalhos, em particular, na descrição dos diferentes nı́veis hierárquicos de periodicidade textual (e.g. Martin e Rose 2003/2007:193-203).

72 Confira-se o original: “[a] message is defined as a unit of discourse realised by an independent clause,

or by a dominant clause together with its non-finite dependent clauses, or by a projecting clause together with its projected clauses” (Martin e Rose 2008: 264, nota de rodapé 2.11).

45 estrato da lexicogramática73.

A escala de nı́veis da semântica do discurso encontra-se representada no Diagrama 1.10, adiante, seguindo as convenções previamente adotadas na representação da escala de nı́veis da lexicogramática (cf. Diagrama 1.6, reproduzido antes).

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