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Padrões textuais das relações de composição e classificação

Parte I Enquadramento teórico

Diagrama 2.2. Usos linguísticos na didática das ciências (Adaptado de Veel 1997: 176)

2.4 Padrões textuais das relações de composição e classificação

Tendo sido definido que os campos cientı́ficos e as estruturas de conhecimento por eles geradas se distinguem por codificarem relações especializadas de composição, classificação e sequenciação, importa agora apontar os padrões lexicogramaticais e discursivos que permitem realizar estas relações na escrita. Nesta secção, faz-se, assim, uma breve revisão dos padrões lexicogramaticais ao nı́vel do grupo nominal, da oração e do complexo oracional e de padrões lexicais ao nı́vel do texto. A exposição encontra-se organizada em três subpontos, a saber: (i) relações de composição e classificação no grupo nominal, (ii) relações de composição e classificação na oração, (iii) relações de composição e classificação no texto. Estes subpontos refletem as categorias que são exploradas, mais adiante, nos capı́tulos dedicados à análise textual na Parte III do trabalho.

2.4.1 Relações de composição e classificação ao nível do grupo nominal

Concebida enquanto teoria experiencial, a gramática tem a propriedade fundamental de organizar fenómenos em classes. O principal recurso para esse efeito é o vocabulário, de acordo com Halliday (1998: 197, cf. Wignell, Martin e Eggins 1993: 177). Palavras como “ave” ou “pulmão”, por exemplo, devem ser entendidas como categorias experienciais linguisticamente

94 Confira-se: “In many textbooks written for junior secondary students (Years 7 and 8), for example, there

are a great number of written procedures and activities requiring students to write procedural recounts, some reports, comparatively few explanations (mainly sequential) and almost no expositions or discussions. Some textbooks even contain explicit instructions on how to write procedures and procedural recounts. In texts written for middle school students (Years 9 and 10) there are many more sequential and causal explanations and some expositions and discussions. In senior secondary textbooks the explanations are mainly causal and theoretical, and expositions and discussions deal with disputed or controversial scientific issues”. (Veel, 1997: 175)

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circunscritas95. Uma vez que a categorização decorre necessariamente do interrelacionamento de

fenómenos, a meronı́mia e a hiponı́mia apresentam-se como os tipos de relação experiencial mais comuns, em particular nas Ciências Naturais.

Nesse sentido, o termo “ave” codifica uma subclasse da classe mais geral dos “animais vertebrados” e o termo “pulmão” realiza uma parte (no caso especı́fico, um órgão) do “organismo” desses mesmos animais. Do mesmo modo, termos como “abutre” e “falcão” denotam subclasses de aves e os termos “pleura”, “bronquı́olos” e “alvéolos” representam constituintes pulmonares. Note-se como a relação taxonómica entre os termos não é tornada verbalmente explı́cita ao nı́vel do léxico, estando, em contrapartida, dependente de conhecimento de campo prévio ou da integração destes termos em padrões lexicogramaticais e discursivos mais abrangentes.

Um primeiro contexto para a textualização das relações de meronı́mia e de hiponı́mia é, numa perspetiva de base-topo, o grupo de palavras. De todos os tipos de grupos, o grupo nominal revela-se particularmente profı́cuo, dado o seu potencial para expandir lexicalmente por meio do princı́pio de modificação (Halliday 1998, Halliday e Martin 1993, Wignell, Martin e Eggins 1993). Segundo este princı́pio, uma palavra que representa uma entidade ou um processo96 funciona

como elemento-chave do grupo, tecnicamente falando é a Coisa97, e à sua volta organizam-se

outras palavras com funções variáveis. As relações de hiponı́mia, especificamente, são asseguradas pela função de Classificador, por meio da qual se representam (conjuntos de) qualidades inerentes à entidade (Martin, Matthiessen e Painter 2010: 168) que a permitem localizar sistemicamente por meio da subclassificação (Halliday 1998: 196). São exemplos de estruturas do tipo Coisa ^ Classificador os seguintes grupos: “abutre-indiano”, “abutre-real” ou “abutre-do-egito”. Todos estes exemplos têm em comum o facto de identificarem subclasses da classe geral dos abutres.

Como apontam Martin e Rose (2003/2007: 96), as estruturas do tipo Coisa ^ Classificador dão origem a elementos lexicais unificados, facto que se encontra simbolizado grafologicamente

95 Tirando os exemplos “abutre”, “falcão”, “abutre-indiano”, “abutre-real” e “abutre-do-egito”, todos os

exemplos em lı́ngua portuguesa de nomes e grupos nominais apresentados nesta secção foram retirados do corpus de manuais de CN que serviu de base ao mapeamento genológico (cf. Parte II). Para não sobrecarregar a leitura, optámos por não especificar a fonte de cada exemplo.

96 O nome realiza congruentemente uma Entidade (“escamas”, “forma”); podendo também em casos de

realização incongruente (metáforas gramaticais experienciais) codificar Processos (“ventilação”, “reprodução”). Ambos os tipos de nomes estão sujeitos a subclassificação como atestam os exemplos “escamas dérmicas”e “ventilação pulmonar”.

97 Para uma descrição mais exaustiva da semântica do grupo nominal veja-se Halliday e Matthiessen

(2004: 311-35) ou Martin, Matthiessen e Painter (2010: 161-71). Tanto quanto é do nosso conhecimento, não existem trabalhos produzidos no contexto nacional sobre esta dimensão da gramática sistémico-funcional. As traduções dos termos originais em inglês são da nossa responsabilidade.

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pelo uso do hı́fen nos exemplos apresentados98. Estes vocábulos complexos são frequentemente

semelhantes a estruturas empregues em campos de senso comum onde desempenham uma função descritiva ou, tecnicamente falando, onde correspondem a estruturas do tipo Coisa ^ Epı́teto ou “Coisa ^ Qualificador (Wignell, Martin e Eggins 1993: 161). Confira-se a esse respeito a expressão “folha completa” que constitui um termo técnico em Biologia, delimitando a subclasse das folhas que possuem, no seu estado natural, bainha, pecı́olo, limbo e nervuras e que se distingue categoricamente da subclasse das “folhas incompletas”. Em conjunto, as duas subclasses formam um sistema de classificação das folhas quanto à sua constituição. Em usos (mais) quotidianos da lı́ngua portuguesa, a mesma expressão, “folha completa”, pode denotar propriedades transitórias de folhas individuais, resultantes de causas externas, sendo o significado do binómio “completo/incompleto” pouco exato (e.g. “uma folha de que se rasgou um bocado”).

Podendo ter realizações estruturais variadas, a função de Classificador tende a realizar-se por meio de adjetivos derivados de nomes (“placa óssea”, “forma globosa”) e de sintagmas preposicionais do tipo de ^ nome (“plano de simetria”, “substância de reserva”) (cf. Martin, Matthiessen e Painter 2010: 168).

Considerando que um mesmo nome pode ter associado a si várias estruturas com a função de Classificador, o grupo nominal revela-se uma área preferencial para a acumulação de relações hiponı́micas (Halliday 1998: 196). Na verdade, o uso iterativo de Classificadores permite situar uma mesma entidade face a vários nı́veis taxonómicos. Observe-se o exemplo do grupo nominal “raiz aprumada tuberculosa” no qual tanto “aprumada” como “tuberculosa” desempenham a função de Classificador. Em casos como este, as funções devem ser interpretadas da direita para esquerda, aplicando-se à Coisa e quaisquer Classificadores precedentes. Assim, as raı́zes aprumadas tuberculosas representam uma subclasse das raı́zes aprumadas e estas, por sua vez, representam uma subclasse das raı́zes.

A (sub)classificação hiponı́mica pode também fundamentar-se em critérios meronı́micos, como demonstra o termo “alvéolo pulmonar” que identifica um tipo de alvéolos com base na parte do corpo em que se encontram (por oposição, por exemplo, a alvéolos dentários). Estando as relações meronı́micas relegadas para o segundo plano em estruturas deste tipo, o grupo nominal dispõe também de uma função onde estas relações ocupam uma posição de destaque. Trata-se da função de Foco, à qual compete dar uma perspetiva sobre a Coisa (parte, faceta, unidade de

98 Note-se, porém, que a marcação grafológica, omnipresente na terminologia comum das espécies, não

deve ser tomada como representativa das estruturas Coisa ^ Classificador que, na maioria das vezes se realiza apenas lexicogramaticalmente. Vejam-se dois exemplos de Ramos e Lima (2011a): “regime alimentar” e “planta com flor”.

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medida, entre outros) (Rose e Martin 2012:250)99. Veja-se a expressão “a camada inferior da pele”,

que identifica uma parte da pele100.

Segundo Martin e Rose (2003/2007: 96), as estruturas do tipo “Foco ^ Coisa” realizam uma unidade lexical unificada dado que se reportam a um (e apenas um) fenómeno experiencial101.

Confira-se nesse aspeto a expressão lexical “camada inferior da pele” que pode ser tecnicizada pelo vocábulo simples “derme”, ambos delimitando e codificando a mesma realidade biológica.

O Foco, à semelhança do Classificador, é de natureza iterativa, podendo a entidade com a função de Coisa sofrer subcomposições sucessivas (cf. Halliday 1998: 196-8). Os complexos resultantes do uso iterativo devem ser interpretados da esquerda para a direita, aplicando-se a quaisquer estruturas de Foco subsequentes. Numa expressão como “a extremidade da raiz das plantas”, por exemplo, a extremidade constitui uma parte da raiz das plantas, sendo essa raiz, ela própria, uma parte da planta.

A combinação de múltiplos Focos e/ou Classificadores num mesmo grupo nominal, fenómeno comum em textos cientı́ficos, pode resultar em expressões lexicais de elevada complexidade (Martin e Rose 2008: 188). Apesar da sua complexidade, Rose (1997) demonstra como os padrões de subclassificação ocorrem sistematicamente à direita do nome com a função de Coisa e os padrões de subcomposição à sua esquerda102. Veja-se, a tı́tulo ilustrativo, a análise

funcional dos grupos “as paredes do intestino delgado” e “o maior órgão do corpo humano”, no Diagrama 2.3, adiante.

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