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R ISCOS ATUAIS E EMERGENTES E PRINCIPAIS MEDIDAS PREVENTIVAS

Nacional de Qualificações e, ainda, definir os perfis profissionais, os referenciais de formação e de

C APÍTULO II – A CONSTRUÇÃO DE LOCAIS DE TRABALHO DIGNOS E SEGUROS

3. T RABALHO RURAL : DA GESTÃO DO RISCO À PREVENÇÃO DOS ACIDENTES

3.1. R ISCOS ATUAIS E EMERGENTES E PRINCIPAIS MEDIDAS PREVENTIVAS

Richthofen (2006) refere que os setores de atividade económica da agricultura, produção animal, silvicultura e exploração florestal constituem um desafio muito especial para as inspeções do trabalho, pelas caraterísticas, especificidades e condicionalismos das tarefas desenvolvidas (desde os sistemas de produção intensivos aos sistemas de subsistência familiar), mas também pelos riscos associados que, para além dos riscos típicos das outras atividades económicas, incluem ainda os riscos específicos. As especificidades e condicionalismos anteriormente assinalados colocam os trabalhadores expostos a inúmeros fatores de risco que, pela sua quantidade e variabilidade, exigem respostas adequadas dos sistemas de prevenção. Apesar da informação ainda não ser validada, e por isso poder não refletir de facto a realidade dos setores, a análise dos Relatórios Únicos (anexo de SST) entregues pelas organizações permite sinalizar os fatores de risco nos diferentes setores de atividade. Na entrevista155realizada à Dra. Inês Gonçalves, do GEP, foi referido que:

Em relação à identificação de fatores de risco parece-me que existe uma coerência muito grande e uma relação muito interessante entre os fatores de risco identificados em determinados setores de atividade o que validade de certa forma a resposta das próprias

93 entidades. O que quer dizer, na minha opinião, que mesmo que as empresas não estejam já

a adotar medidas de prevenção corretamente dirigidas a estes fatores de risco, elas conhecem-nos e sabem que existem, o que para mim é o primeiro passo. Relativamente ao total de acidentes, em apenas 2% deles estão envolvidos veículos mas se olharmos para os mortais, os veículos já estão envolvidos em 30% dos acidentes. Na agricultura os acidentes estão diretamente relacionados com acidentes de viação e de condução de veículos, sejam agrícolas (tratores), ligeiros ou pesados de mercadorias. Pela gravidade dos acidentes, a agricultura é um setor que tem de ser olhado de forma mais cuidada pelas consequências que tem e pelos riscos associados.

A falta de peritos em prevenção de riscos profissionais nestes setores, quer na rede de prevenção privada, quer na própria administração pública, dificulta a colocação em prática de planos de atuação para gestão dos riscos profissionais e, assim, a eficácia dos sistemas preventivos na redução dos acidentes. Segundo Rivero et.al (2007) os principais fatores de risco profissional são:

 queda em altura;  queda ao mesmo nível;

 enrolamento por órgãos móveis de máquinas e equipamentos de trabalho;  entalamento (especialmente no engate das máquinas ao trator);

 atropelamento;

 reviramento de tratores e máquinas (risco mais comum e mais grave);  projeção de partículas e fragmentos;

 perfurações e pancadas;  cortes e golpes;

 elétricos (contato com condutores de baixa, média e mesmo alta tensão);  queimaduras (especialmente solares);

 intoxicações por produtos químicos;  biológicos;

 ergonómicos.

No desenvolvimento das diferentes tarefas os trabalhadores acabam por ficar expostos a muitos fatores de risco ocupacionais para a segurança e saúde, quer sejam isolados, quer nas mais variadas possibilidades de combinação. A título exemplificativo pode apontar-se vários exemplos de tarefas, bem como os mais importantes riscos profissionais associados que tornam estes setores de atividade como nos de maior risco, e que fazem com que sejam registadas elevadas taxas de sinistralidade. Os trabalhos são desenvolvidos com exposição a: risco físico decorrente das condições climatéricas onde é desenvolvido, designadamente ao frio, vento, calor (ex: a colheita da azeitona nos meses de Inverno, a colheita de tomate nos meses de Verão), risco ergonómico

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resultante do desenvolvimento de tarefas monótonas e repetitivas (ex: em cima das máquinas de colheita de tomate, submetidos ao ritmo da máquinas, na escolha dos frutos verdes e impróprios para serem transformados industrialmente), risco associado à movimentação manual de cargas (ex: a movimentação de sacos de fertilizantes, sementes, pesticidas), risco por adoção de posturas incorretas relacionadas com trabalhos desenvolvidos na atividade (ex: o subir e descer árvores para realização de podas, colheita de frutos), risco biológico por contato com animais e a consequente probabilidade de transmissão de doenças (ex: brucelose, a tuberculose bovina, a leptospirose, o carbúnculo), risco mecânico associado à utilização de tratores e máquinas156 (ex: exposição a vibrações, ruído, esforços físicos), risco químico associado à utilização de substâncias químicas relacionadas com os óleos e as massas lubrificantes, e com a aplicação de pesticidas, fertilizantes, medicamentos e outros produtos de uso veterinário, risco de exposição a atmosfera contaminada – especialmente em trabalho desenvolvidos em espaços confinados (ex: nas adegas, nos silos, em poços, biodigestores) onde poderão ocorrer situações de insuficiência de oxigénio (asfixia, anóxia, hipoxia) por deslocamento forçado, provocado por outros gases (ex. pelo CO2) ou de presença de outros contaminantes como por exemplo o monóxido de carbono (CO) ou o metano (CH4) e risco por exposição a radiações emitidas por equipamentos dotados de visor, entre outros. Em suma, pode referir-se que os riscos a que os trabalhadores estão expostos nas mais variadas e diversificadas tarefas, associados a fatores culturais como o analfabetismo, a iliteracia, os costumes e tradições e as caraterísticas do trabalho onde normalmente os trabalhadores estão isolados e dependem de si próprios, encoraja a adoção de práticas ad hoc maioritariamente inseguras.

As grandes transformações registadas nos setores de atividade económica da agricultura, pecuária e floresta trouxeram novos fatores de risco, nomeadamente, a desvalorização dos produtos primários, o aumento dos custos de produção (Fehlberg, Santos e Tomasi, 2001), a terciarização dos trabalhos, as mudanças tecnológicas e organizativas, as exigências legislativas, as exigências da indústria, a prática de jornadas longas associadas à fadiga e falta de concentração (Lilley et.al, 2002) e, ainda, a entrada de trabalhadores de outros setores de atividade, imigrantes157, temporários e sazonais, sem informação e formação adequadas e sem experiência para a adoção de métodos e comportamentos de trabalho seguros. A terciarização dos trabalhos com transferência de determinados serviços tem, num contexto de flexibilização, permitido novas formas contratuais que substituem o emprego formal, regulamentar e estável (Antunes, 2007) por emprego mais flexível e vulnerável ou irregular, menos digno e seguro, por serem muitas vezes os trabalhadores expostos a situações de maior risco e, por isso, mais sujeitos a acidentes de trabalho e doenças profissionais (Santos, 2013).

156 Sobre esta matéria sugere-se a consulta das obras de Briosa (1989; 1999).

157 A este propósito consultar a obra Imigração e sinistralidade laboral, Lisboa, Observatório da Imigração do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (Oliveira e Pires, 2010).

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Resultados de várias investigações científicas, sobre diferentes realidades sociais e utilizando diferentes metodologias de investigação atestam que o trator158 é a máquina responsável pela maioria dos acidentes no meio rural, nomeadamente nos Estados Unidos da América (Field, 2000; Loringer e Myers, 2008), no Brasil (Silva e Furlani, 1999; Schlosser et.al, 2002; Debiasi, Schlosser e Willes, 2004), na Finlândia (Suutarinem, 2003), em Espanha (Marquéz, 1986; 1990; Rivero et.al, 2007) e Portugal (Briosa, 1999; Funenga, 2006; Gomes, 2008). O estudo desenvolvido por Gomes (2008: 85) revelou que o trator representa cerca de 14% dos acidentes por tipo de máquina móvel. Sendo o trator e respetivos equipamentos máquinas móveis, os principais riscos na sua utilização são os associados à sua mobilidade (Dickety, Weyman e Marlow, 2004) e às suas partes móveis (Backström, 1997, 1998, 2000). Grande parte dos investigadores atribui aos acidentes com tratores dois grupos de causas: comportamentos e condições inseguras, embora esta divisão só por si possa conduzir a conclusões erradas, pela possibilidade de existirem profundas interações entre ambas (Debiasi, Schlosser e Willes, 2004). As práticas e os comportamentos inseguros dos trabalhadores encontram-se intimamente relacionadas com a ocorrência de acidentes, especialmente nas organizações onde a cultura de segurança é mais frágil pelo que os acidentes ocorridos poderiam ser evitados (ou as suas consequências minimizadas) com a aplicação de adequadas medidas preventivas.

O principal risco na utilização dos tratores é o risco de reviramento (ou capotamento), podendo assumir duas formas: lateral e traseiro. O reviramento deve-se à perda de estabilidade159 resultante de fatores múltiplos, designadamente o declive do terreno, a velocidade excessiva, a presença de obstáculos ou valas, a utilização insegura dos travões, o mau posicionamento das máquinas operadoras e a manobras inseguras (Briosa, 1999) e mais de metade dos reviramentos do trator deve-se ao deslizar em valas e à colisão com obstáculos (Chisholm, 1972, apud Arana et.al 2010; Potoènik et.al (2009). O centro de gravidade elevado, combinado com a utilização em zonas de risco, nomeadamente declives, são fatores importantes para o risco de reviramento (Springfeldt, Thorson e Lee, 1998; Rivero et.al, 2007). Os mais importantes fatores de risco identificados na utilização de tratores são: a operação em condições extremas, a perda de controlo do trator em zonas declivosas; o consumo de álcool; o transporte de outros trabalhadores; a falta de estrutura de proteção (Debiasi, Schlosser e Willes, 2004); a ausência de formação adequada e a não utilização de sistema de retenção (Schlosser et.al, 2002); a anulação de sistemas de segurança e descurar as principais regras de segurança em função da pressão temporal (Papadopoulos et.al, 2010). Os acidentes que envolvem reviramento do trator são frequentemente fatais (Marquéz,1986; Silva e Furlani 1999; Field, 2000) representando cerca de um terço das mortes (Mangano et.al, 2007). Na

158 O “trator é um veículo com motor suscetível de fornecer um elevado esforço de tração, relativamente ao seu peso, mesmo em pisos com fracas condições de aderência, e construídos principalmente para puxar, empurrar, transportar e acionar equipamentos destinados aos trabalhos agrícolas” (Briosa, 1989: 19). 159 O reviramento produz-se quando a vertical que passa pelo centro de gravidade encontra o terreno fora da

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Finlândia verificou-se que cerca de dois terços dos acidentes com tratores ocorreu na subida e descida e na operação de engate e desengate das máquinas, tarefas que, por serem realizadas muitas vezes e durante um período de tempo curto, devem constituir alvos importantes para a promoção da segurança (Suutarnem, 2003).

Para além dos fatores de risco já sinalizados não podemos deixar de voltar a referir os fatores de risco associados às opções políticas da legislação comunitária (ausência de diretiva específica para a agricultura) e nacional que, ao contrário da tendência manifestada noutros Estados-Membros, só obrigou à instalação de estruturas de proteção homologadas - arco, quadro ou cabina de segurança – nos tratores matriculados a partir de 1 de janeiro de 1993. 160 Na Suécia, por exemplo, assistiu-se a uma redução de 25 para 0,3 mortos por cada 100 milhões de horas de trabalho, entre 1957 e 1990 (Springfeldt, Thorson e Lee, 1998) com a imposição de utilização de estruturas de proteção em todos os tratores. Outros países europeus, designadamente a Suíça, Alemanha e Espanha seguiram a mesma tendência de alargamento da instalação de estruturas de proteção a todos os tratores com resultados positivos na redução da sinistralidade. Nos Estados Unidos da América os acidentes com tratores encontram-se estudados desde 1967 tendo-se concluído que 40% dos operadores envolvidos em acidentes com tratores desprovidos de proteção tenham morrido e que a utilização combinada entre estrutura de proteção e sistema de retenção que permita manter o operador no volume de segurança reduziu para 2% o número de vítimas mortais.161

Atualmente verifica-se uma tendência decrescente para a aquisição de tratores e máquinas agrícolas e florestais novos e uma importante atividade na transferência destas máquinas e equipamentos no mercado de segunda mão, sobretudo nos de idade superior a 20 anos, tanto em Portugal como em Espanha (MAAMA, 2012). O envelhecimento do parque de tratores em Portugal Continental é por demais evidente comprovando-se através dos resultados dos Census 2009 e dos dados da utilização do gasóleo colorido da DGADR, nomeadamente pelos seguintes factos:

160 Também designadas por estruturas ROPS (Roll Over Protective Strutures) e FOPS (Falling Object

Protective Structures) que têm de ser certificadas pelos fabricantes, seguindo procedimentos

harmonizados, conforme definido na Portaria n.º 517-A/96, de 27 de setembro, na redação dada pela Portaria n.º 489/97, de 15 de julho. Em 27 de janeiro de 2016 foi apresentada petição no Parlamento Europeu por uma associação espanhola do setor que pretendia eliminar os arcos de proteção rebatíveis por os considerarem ineficazes na proteção dos operadores. A petição foi recusada porque a partir de 2016 compete aos fabricantes o desenvolvimento de soluções técnicas que permitam que o rebatimento do arco seja assistido mecanicamente.

161 A combinação da estrutura de proteção com o sistema de retenção torna-se fundamental para que operador permaneça no volume de segurança assegurado pela estrutura de proteção e evite a sua projeção para fora da zona de segurança que poderá provocar a sua morte por esmagamento (http://www.cdc.gov/niosh/updates/93-119.htm).

97  a percentagem de tratores que ultrapassaram o limiar da respetiva vida útil162, para efeitos

de utilização de gasóleo colorido, aumentou de 68% para 72%, entre 2009 e 2011 (Freitas e Gramacho, 2010, 2011; Freitas, Gramacho e Athouguia, 2012);

 cerca de 45% dos tratores inscritos em 2011 tinham idade superior a 20 anos (Freitas e Gramacho, 2010, 2011; Freitas, Gramacho e Athouguia, 2012);

 em 2009 cerca de 37% dos tratores tinham 20 ou mais anos de idade (INE, 2011:88). A análise e confronto da idade dos tratores do parque nacional de tratores com a legislação nacional sobre segurança e saúde no trabalho, nomeadamente as prescrições mínimas de segurança na utilização de equipamentos de trabalho163 conclui-se que existe uma forte probabilidade de quase metade dos tratores não possuir qualquer estrutura de proteção – arco, quadro ou cabina de segurança. Alerta-se para o facto de existirem no mercado cabinas de simples resguardo contra as intempéries que, mesmo que melhorem o conforto dos operadores, não podem nunca, se montadas isoladamente sem a adequada estrutura de proteção, ser consideradas como estruturas de proteção contra o reviramento. Assim, pode afirmar-se que existe uma elevada exposição dos operadores ao risco de reviramento, e consequente esmagamento, pelo fato dos tratores não disporem de qualquer estrutura de proteção referida, por terem mais de 20 anos de idade, logo matriculados antes de 1 de janeiro de 1993, não sendo obrigatória por lei a sua instalação. A combinação de uma estrutura de proteção e de um sistema de retenção, tipo cinto de segurança, poderia evitar a maioria dos acidentes mortais e minimizar as consequências dramáticas de muitos dos acidentes graves envolvendo tratores. O envelhecimento do parque de tratores, associado à inexistência de estruturas de proteção e de sistemas de retenção, à utilização do arco de proteção em posição não ativa, bem como à não realização obrigatória de inspeções periódicas constituem fatores de risco extremamente importantes. Estes fatores de risco devem ser tidos em conta no presente estudo para averiguar e perceber a gravidade, a severidade e a extensão dos acidentes de trabalho com tratores porque, e como já referido, a utilização dos tratores mais antigos, tecnologicamente menos evoluídos e seguros, em situações menos seguras, potenciam a prática de atos inseguros e a ocorrência de acontecimentos imprevistos, que podem culminar em acidente (Witney, 1988).

As características, especificidades e condicionalismos com que as tarefas são executadas envolvem múltiplos e complexos riscos, que isoladamente ou combinados nas mais variadas possibilidades, potenciam a ocorrência de acidentes. A redução do número e a minimização das consequências resultantes dos acidentes exigem uma resposta adequada e eficaz dos sistemas de gestão da segurança e saúde no trabalho na gestão dos riscos profissionais e na prevenção de acidentes e doenças profissionais nos setores agrícola, pecuário e florestal.

162 A vida útil está definida no Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, relativo ao regime regulamentar de depreciação e amortização de equipamento (4 anos). Na suécia a vida útil de um trator passou de 20 para 15 anos (Lundqvist e Springfeldt, 1989 apud Springfeldt 1998).

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