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3 A UNITED NATIONS TRANSITIONAL ADMINISTRATIONS IN EAST TIMOR: A UNTAET

3.2 A RESOLUÇÃO 1272, DE 25 DE OUTUBRO DE 1999, E A CRIAÇÃO DA UNTAET

Antes de se passar à análise da execução da UNTAET, é necessário analisar seu mandato. Em uma operação de paz, o mandato é o documento base que irá nortear essa operação. Nele, serão encontrados os aspectos centrais que levaram à adoção de uma determinada operação de paz, os poderes da ONU em relação ao Estado anfitrião15e a organização básica da operação para empreender suas tarefas. O mandato é uma espécie de “Constituição”, de “lei maior”, que regulará a presença da ONU em um determinado território, provendo segurança jurídica tanto à ONU quanto ao Estado anfitrião.

Segundo o caderno da ONU “United Nations, Peacekeeping Operations. Principals and Guidelines (ONU, 2008), o conceito de mandato se compreende da seguinte forma:

Operação de paz das Nações Unidas são desenvolvidas/empregadas baseadas em um mandato do Conselho de Segurança das Nações Unidas. As tarefas que serão requeridas a uma operação de paz das Nações Unidas executar estão estabelecidas no mandato do Conselho de Segurança. Mandatos do Conselho de Segurança diferem de situação para situação, dependendo da natureza do conflito e dos desafios específicos que este apresenta. Uma vez que as operações de paz das Nações Unidas estejam

normalmente estabelecidas para apoiar a implementação de um cessar-fogo ou de um acordo de paz mais abrangente, mandatos do Conselho de Segurança são influenciados pela natureza e pelo conteúdo do acordo alcançado pelas partes em conflito. (tradução nossa)

A UNTAET foi estabelecida pela Resolução 1272, de 25 de outubro de 2002. Esta Resolução estabeleceu o mandato que norteou a primeira fase da intervenção da ONU no Timor Leste, fase esta caracterizada, em sua essência, pelo estabelecimento de um governo transitório, preparatório à independência daquele país.

A Resolução foi estabelecida16 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas a quem cabe decidir sobre a criação de novas operações de paz, conforme se extraí do sítio eletrônico da própria organização, na página do Conselho de Segurança, na Seção que trata sobre operações de manutenção da paz, cujo título é “Formação de uma nova operação”. “O Conselho de Segurança é responsável por decidir sobre a implantação de uma nova operação de manutenção da paz da ONU (ONU, 2017, tradução nossa).

A resolução começa com 17 considerações iniciais seguidas de 19 números, aos quais a ONU se refere como parágrafos. As considerações iniciais contêm verbos no gerúndio e os parágrafos, com os verbos no infinitivo, exprimem ações a serem realizadas.

Das considerações iniciais podem ser extraídos alguns aspectos relevantes. O primeiro deles é o que procura justificar a ação da ONU, apontando que a intervenção foi fruto de um processo eleitoral legítimo, onde a população do Timor Leste, manifestando-se democraticamente, “expressou seu claro desejo de começar um processo de transição sob a autoridade das Nações Unidas rumo à independência” (ONU, S/RES/1272, 1999). Trata-se de uma consideração fundamental na medida que corrobora os termos do Acordo tripartite de 5 de maio de 1999 (igualmente mencionado), onde esta decisão já se inseria.

Mais adiante, as considerações iniciais reportam-se ao relatório do Secretário Geral, de 4 de outubro de 1999 (S/1999/1024), documento este que foi o principal embasador da Resolução.

Seguem as considerações iniciais relatando a situação de violência, a situação dos refugiados e outras mais sem maiores destaques, chegando-se às duas últimas considerações, as quais exprimem competências exclusivas do Conselho de Segurança, segundo a Carta da ONU

16 A Carta da ONU não faz referência explícita às operações de manutenção da paz. Para maiores informações,

Artigo 39

O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, violação da paz ou ato de agressão e fará recomendações ou decidirá quais medidas serão tomadas em conformidade com os Artigos 41 e 42 para manter ou restaurar a paz e a segurança internacionais (ONU, 1945, tradução nossa)

O exercício dessas duas competências assim está disposto na Resolução 1272:

- Tendo determinado que a actual situação em Timor Leste constitui uma ameaça permanente à paz e segurança,

- Atuando sob o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas (ONU, 1999, tradução nossa)

Essas duas frases podem parecer sem maior importância para o observador mais desatento, contudo, refletem o resgate da organização em relação as suas funções indelegáveis à luz do Direito Internacional, fato este muito criticado por ocasião da questão do Kosovo, quando a OTAN interveio naquele território sem que a ONU houvesse se manifestado.

O parágrafo 1 é o que estabelece a Administração Transitória. Nele, o caráter de excepcionalidade da operação, traduzido no exercício pleno de todas as funções de um governo soberano, aparecem de maneira bastante clara, estando de acordo com o Art. 26 do relatório de 4 de outubro. À ONU se concederam “a responsabilidade geral pela administração” e “as faculdades para exercer a total autoridade legislativa e executiva, incluída a administracão de justiça”.

O parágrafo 2 define os elementos do mandato que são, ipsis litteris, os mesmos previstos no Art. 28 do Relatório do Secretário Geral sobre a situação no Timor Leste, de 4 de outubro de 1999 (Doc S/1999/1024), conforme já abordado no estudo do relatório.

Da mesma forma que comentado no estudo, o que se conclui da análise dos elementos constantes do mandato é a absoluta prioridade que foi dada a aspectos de caráter predominantemente políticos, em especial, os de desenvolvimento de capacidade estatal17.

2. Decide também que o mandato da UNTAET consistirá dos seguintes componentes: a) Proporcionar segurança e manter a ordem pública em todo o território de Timor- Leste;

b) Estabelecer uma administração eficaz;

c) Contribuir para o desenvolvimento de serviços civis e sociais;

d) Responsável pela coordenação e prestação de assistência humanitária, reabilitação e assistência ao desenvolvimento;

e) Apoiar o desenvolvimento da capacidade de autogoverno;

f) Ajudar a estabelecer as condições necessárias para o desenvolvimento sustentável (ONU, 1999, tradução nossa)

O parágrafo 3 confirma que o mandato tem os mesmos objetivos e estruturas delineadas na Parte IV (Proposta de Administração de Transição das Nações Unidas) do relatório de 4 de outubro, mantendo também os componentes principais da missão:

3. Decide ainda que a UNTAET terá objectivos e uma estrutura em conformidade com as disposições da parte IV do relatório do Secretário-Geral e, em particular, que as suas componentes principais serão:

a) Um componente de gestão e administração de assuntos públicos, que incluirá um elemento policial internacional com um máximo de 1.640 oficiais;

b) Um componente da assistência humanitária e reabilitação de emergência;

c) Uma componente militar, com um máximo de 8.950 soldados e 200 observadores militares (ONU, 1999, tradução nossa)

A partir do parágrafo 4, o mandato começa a utilizar ideias tanto do relatório de 4 de outubro como ideias próprias18.

Os parágrafos 4 e 6 reforçam a ideia de plenos poderes à Administração Transitória, caráter diferenciado da intervenção no Timor Leste:

4. Autoriza a UNTAET a tomar todas as medidas necessárias para cumprir o seu mandato;

...

6. Saúda a intenção do Secretário-Geral de nomear um Representante Especial que, na sua qualidade de Administrador Transitório, será responsável por todos os aspectos do trabalho das Nações Unidas em Timor-Leste e terá poderes para promulgar novas leis e regulamentos; regulamentos e alterar, suspender ou revogar a legislação existente (ONU, 1999, tradução nossa)

O parágrafo 8 traz consigo a ideia da necessidade de se implementar o processo de “timorização”19, estando em conformidade com o Art. 47 do relatório de 4 de outubro, quando reforça os aspectos a seguir:

8. Salienta a necessidade de a UNTAET consultar e cooperar estreitamente com o povo de Timor-Leste para desempenhar eficazmente o seu mandato com vista a desenvolver instituições democráticas locais, incluindo uma instituição independente de direitos humanos para Timor-Leste, e a transferir essas instituições suas funções administrativas e de serviço público (ONU, 1999, tradução nossa)

18 Os parágrafos 11 e 12 da Resolução 1272 (1999) referem-se ao comprometimento das autoridades indonésias

com o retorno dos refugiados timorenses e com aspectos de segurança em geral. Não são ideias expostas no relatório de 4 de outubro (Doc S/1999/1024) porque o relatório elencava as atribuições da ONU no governo de transição à independência.

O parágrafo 9 ressalta a necessidade de cooperação estreita entre a UNTAET e a INTERFET mencionando que a INTERFET deveria ser substituída o quanto antes pelo componente militar da UNTAET, no caso, a Força de Manutenção de Paz (PKF). Este parágrafo atende às recomendações que foram dadas ao componente militar da missão, estipuladas no Art. 73 do relatório de 4 de outubro.

O parágrafo 13 refere-se às atribuições do ‘Componente de Assistência Humanitária e Reabilitação de Emergência”, conforme são estipuladas nos artigos 70, 71 e 72 do relatório de 4 de outubro.

Por fim, o parágrafo 15 elenca as áreas de expertise necessárias ao pessoal da ONU para a boa consecução dos seus trabalhos: Direito Internacional Humanitário, Direitos Humanos, Direito dos refugiados, incluidas aí as questões relacionadas com a infância e gênero, capacidade de negociação e comunicação, consciência cultural e coordenação civil e militar. Essa preocupação já havia sido apontada no Art. 31 do relatório de 4 de outubro.

O mandato é finalizado com a condenação aos que apoiaram os atos de violência no Timor Leste e conclama pelo seu imediato fim (parágrafo 16), estabelece o período inicial de funcionamento da UNTAET até 31 de janeiro de 2001 (parágrafo 17) e requer ao Secretário Geral que mantenha o Conselho de Segurança regularmente informado sobre os progressos na implementação da resolução (parágrafo 18).

A análise de como a Resolução 1272 (1999) foi estruturada revela que ela foi completamente baseada no relatório do Secretário Geral, de 4 de outubro de 1999 (S/1999/1024). Com raras exceções, todos os artigos refletem o corpo do relatório como um todo, desde os seus princípios até a parte IV. “Proposta de Administração de Transição das Nações Unidas”, que é a principal parte do relatório.

A Resolução 1272 tem relevância histórica no âmbito da ONU, relevância esta que reside na ampla gama de poderes e atribuições governamentais à organização. Pela primeira vez em sua história, todos os poderes soberanos típicos de um Estado foram atribuídos à ONU no exercício de uma administração transitória de território, em todas as suas esferas (executiva, legislativa e judicial).

A seguir, será realizada a análise dos relatórios produzidos pela organização na consecução de seus desideratos. Tal análise coaduna-se aos objetivos desta tese na medida que o sucesso ou não da intervenção da ONU no território timorense será aferido nas bases que a própria instituição atribuiu a si. Em suma, não se trata de objetivos que foram traçados por uma

organização e cumpridos por outra. Trata-se de objetivos que, ao momento de sua criação, pressupõe-se que tenham sido considerados factíveis em sua execução, posto que criados endogenamente.

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