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Segundo momento: programa de Justiça Restaurativa no DEGASE

2. JUSTIÇA RETRIBUTIVA E JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO RECURSOS SOCIOEDUCATIVOS

2.9 A Justiça Restaurativa no DEGASE

2.9.2 Segundo momento: programa de Justiça Restaurativa no DEGASE

Em janeiro de 2016, pode-se dizer que o Programa de Justiça Restaurativa do DEGASE é deflagrado, com a realização de práticas de JR envolvendo profissionais e jovens- adolescentes e com a criação do primeiro Núcleo. Inicialmente, este processo é impulsionado pela parceria interinstitucional com o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECA)20, mas segue com iniciativas diferenciadas no cotidiano da

20Organização Não Governamental (ONG) que atua nacionalmente na proteção e defesa dos direitos de crianças

instituição. As Rodas de Conversa com os jovens-adolescentes se inscrevem nesse contexto de iniciativas cotidianas.

A parceria interinstitucional entre o DEGASE e o CEDECA foi firmada a partir de um termo de cooperação mútua em 05 de dezembro de 2015. A cooperação entre as instituições visa promover a Justiça Restaurativa na política socioeducativa do estado do Rio de Janeiro, objetivo que se inscreve no cerne do Projeto. O CEDECA tinha como objetivo o atendimento de 50 casos, realizando algo inédito no Rio de Janeiro, que correspondia ao mesmo tempo na realização da última etapa do I Curso de Formação de Mediadores Especializados em Justiça Restaurativa, realizado pelo CEDECA no Rio de Janeiro21, entre 2015 e 2016.

Nesse sentido a parceria promoveu a construção de um fluxo de atendimento que viabilizasse a realização dos primeiros círculos restaurativos no DEGASE. A Escola de Gestão Socioeducativa Paulo Freire (ESGSE) foi a instância do DEGASE que esteve à frente desse processo, já que a parceria tinha caráter formativo, e a unidade socioeducativa Escola João Luiz Alves (EJLA) foi envolvida neste primeiro momento, enquanto polo piloto para a realização das práticas de Justiça Restaurativa. Foram atendidos treze jovens-adolescentes, que cumpriam medida socioeducativa de internação nesta unidade. Sendo assim, profissionais e gestores da EJLA foram envolvidos desde o início na construção do Programa, participando de todas as reuniões e recebendo formação específica sobre JR.

Para que a atividade se inserisse na dinâmica de trabalho do DEGASE, foram realizadas reuniões para a construção de um fluxo que correspondesse ao cotidiano socioeducativo e ao processo de Justiça Restaurativa. Essas reuniões contaram com a participação de diversos setores do DEGASE, a saber: a Coordenação de Segurança e Inteligência (CSINT), a Divisão de Pedagogia (DIPED), a Coordenação de Saúde Integral e Reinserção Social (CSIRS), a EJLA, a Assessora às Medidas Socioeducativas e ao Egresso (AMSEG) e Coordenadora de Execução de Medidas Socioeducativas (CEMSE). Essas reuniões ocorreram espaçadamente durante todo o ano e pouco a pouco foram sendo nomeadas de “grupão” e do grupão surgiu o “petit comitê” responsável pela construção de uma Portaria que tratasse do Programa de Justiça Restaurativa do DEGASE, ainda não implementada.

No mês de fevereiro de 2016, foram realizados pré-círculos com treze jovens- adolescentes, que cumpriam medida socioeducativa de internação na EJLA. Os pré-círculos

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Curso de formação teórica e prática com duração de 160 horas, direcionado a profissionais de diferentes áreas que integram instituições do Sistema de Garantia de Direitos que atendem a infância e adolescência no Estado do Rio de Janeiro.

eram realizados às sextas-feiras, sob a supervisão da equipe de Dominic Barter, composta por ele, Sissi Mazetti e Adriana Sumi. Nesses encontros, os formandos do curso do CEDECA realizavam suas práticas de estágio sob acompanhamento e supervisão desta equipe, e participavam em um primeiro momento como observadores.

Os pré-círculos correspondiam a um primeiro encontro com o jovem-adolescente, indicado pela equipe técnica, correspondendo a alguns critérios previamente elencados, como: reconhecer a autoria do ato infracional, ter demonstrado algum interesse em encontrar a vítima e ter sido consultado em relação à participação em um processo restaurativo. O pré- círculo é então o momento em que se apresenta ao jovem-adolescente o que é o processo no qual ele está sendo inserido, em que se confirma seu interesse em participar e também é o momento em se propõe um contato com a memória do ato infracional praticado e a situação, circunstância e emoções vivenciadas naquele momento.

Os pré-círculos simbolizaram o início de um processo restaurativo no DEGASE e deveria passar pelas demais etapas – de encontro com as vítimas e consolidação de acordos. Entretanto, em 2016, no DEGASE, apenas a primeira etapa fora vivenciada – os pré-círculos –, e por questões relativas ao convênio, as demais etapas não foram executadas.

Profissionais do DEGASE também puderam participar desta etapa gozando de uma formação que se iniciava pela prática, linha de trabalho defendida por Dominic Barter. Os pré-círculos aconteceram nas dependências do DEGASE, prédio anexo, em estrutura de container ao campus da Coordenação de Cultura Esporte e Lazer (CECEL), mesmo campus onde está situada a ESGSE. Nesse local, eram utilizadas três salas, duas para os pré-círculos que aconteciam paralelamente, atendendo em cada turno (manhã e tarde) dois jovens- adolescentes, e uma sala de apoio com lanche, material e onde permaneciam os agentes socioeducativos quando o ar condicionado funcionava, além da representante do CEDECA, responsável pelo acolhimento dos jovens-adolescentes.

Na primeira sexta-feira em que aconteceram os pré-círculos, o aparato de segurança foi ostensivo, o que foi reavaliado pelo coordenador da CSINT que, posteriormente, reduziu para dois o número de agentes socioeducativos e extinguiu o uso de armas “não letais”. A dinâmica institucional foi diferenciada. Agentes socioeducativos da EJLA dividiam o acompanhamento dos socioeducandos com agentes da CSINT. Sendo os jovens-adolescentes conduzidos até metade do trajeto por agentes socioeducativos da EJLA que eram substituídos por agentes da CSINT, estes últimos acompanhavam todo o período do pré-círculo e o retorno à unidade acontecia no mesmo formato que a vinda.

Pude acompanhar três pré-círculos gozando desta formação prática, e foi possível acessar uma disponibilidade de escuta, ainda não experimentada, uma escuta que eu diria mais cuidadosa, chamada de escuta empática, na JR, e um acolhimento, um cuidado mais apurado nas relações. Os pré-círculos eram vividos por mim como encontros em que os mediadores apoiavam o jovem-adolescente no processo de refazimento do elo e de uma relação consigo próprio. E todo esse aprendizado foi de grande relevância na construção da proposta das Rodas de Conversa com jovens-adolescentes.

Em dezembro de 2016, foi iniciada a construção de uma portaria que respaldasse a regulamentação do Programa de Justiça Restaurativa do DEGASE, tornando essa uma política pública efetiva, processo ainda em curso. Este documento está sendo construído com base na Resolução n° 225 do CNJ, uma construção coletiva do grupo, informalmente nomeado “petit

comitê”, composto por uma representação reduzida de profissionais que participaram das reuniões de construção e execução da parceria interinstitucional e passando a ser oficializado como Grupo de Trabalho (GT) de Justiça Restaurativa. O GT de Justiça Restaurativa do DEGASE oficializado em março de 2017 envolve a operacionalização deste Programa, a partir da construção do documento citado, fluxo de funcionamento e proposição de comissão permanente de Justiça Restaurativa. E paralelamente a esse trabalho de cunho operacional, atua com uma linha chamada reflexiva, em que se investe no processo de aprofundamento de conhecimentos dos profissionais envolvidos em Justiça Restaurativa. Ao longo do ano de 2017, vem recebendo especialistas e profissionais de diversas áreas que apresentam abordagens e conceitos de JR.

O programa de Justiça Restaurativa em construção abarca duas vertentes diferenciadas de ação: uma voltada para o ato infracional e para o processo socioeducativo em âmbito jurídico, que continuará a ser implementado em parceria com o CEDECA, e outro voltado para práticas restaurativas cotidianas que abarca situações e conflitos intra-institucionais e familiares. A segunda vertente está sendo alimentada por ações já existentes no cotidiano das unidades socioeducativas e que estabelece de algum modo uma conexão com a Justiça Restaurativa. Podemos citar o projeto Diálogos, que promove um espaço de encontro e diálogo entre funcionários, no sentido de contribuir para que tenham um cotidiano mais saudável – coordenado pela Coordenação de Saúde Integral e Reinserção Social (CSIRS); as Rodas de Conversa, experiência realizada com jovens-adolescentes que nos debruçamos em análise no presente documento; e Constelação Familiar, uma prática em experimentação no CRIAAD Penha, unidade de semiliberdade, com as famílias de jovens-adolescentes.