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Capítulo

5.2. Calendário religioso

5.2.3. Shravan e Adhik Maas

Dois meses do calendário são centrais na prática religiosa destes hindus: o mês de Shravan e o mês “extra”, Adhik Maas. O mês de Shravan é considerado o mês mais auspicioso do ano. Tal é visível na quantidade de festividades e cerimónias religiosas que ocorrem quase todos os dias. É um mês dedicado a jejuns e práticas de purificação com vista à obtenção de paz espiritual, de felicidade e de auto-realização. Durante o mês de Shravan os hindus praticam rituais de apaziguamento das almas dos antepassados, designando este mês de «o mês dos mortos». Muitas famílias deslocam-se à Índia para, nas aldeias e cidades de origem, realizarem este tipo de cerimónias. É igualmente um periodo é muito importante para os devotos de Shiva, sendo o seu culto mais valorizado do que nos restantes meses do ano. Em cada segunda-feira, Sharavan somvar, os devotos deslocam-se ao templo para derramar água e leite sobre o shivalinga, bem como cobri-lo de folhas bili. Habitualmente praticam jejum até ao pôr-do-sol187. Para além

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A visita ao templo de Shiva e a performance deste tipo de culto ao linga é regular para os devotos de Shiva, que o praticam assiduamente todas as segundas feiras do mês. Contudo, este dia da semana durante o mês de Shravan é considerado como mais auspicioso, razão pela qual este culto deverá ainda ser reforçado e este dia deverá ser marcado por práticas de austeridade, que se acredita serão recompensadas pelo deus. De acordo com a referência mitológica, durante a agitação dos oceanos no mês de Shravan, Shiva terá bebido o veneno para salvar o mundo, ficando com a garganta azul. Para combater o efeito do veneno, o deus colocou a lua crescente na sua cabeça e todos os deuses passaram a realizar-lhe oferendas de água do Ganges. É por esta razão que, nesta altura do ano, os devotos oferecem água do Ganges a Shiva.

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deste cariz espiritual, este mês está carregado de dias festivos, alguns dos quais serão enumerados de seguida.

No quinto dia da primeira metade lunar do mês de Shravan celebra-se o Naga Panchami, o culto da serpente (naga). Este dia é dedicado às serpentes, que são veneradas com oferendas de frutos e leite188. As mulheres desenham perto da saída da água das suas cozinhas um conjunto de sete ou nove serpentes, como expressão da sua veneração e do pedido de protecção destes répteis, e lêem o vrata katha de Naga Panchami (vide Anexos: 252).

No décimo quinto dia (purnima) celebra-se Raksha Bandan, que marca os laços fraternos entre irmãs e irmãos. Um pequeno cordão (rakhi ou rakhdi) é atado pelas irmãs no pulso dos irmãos, como um amuleto de protecção contra o mal, e estes, em contrapartida, prometem auxiliá-las nos momentos de necessidade. Um rakhi pode ser trocado entre irmãos de sangue ou entre um rapaz e uma rapariga que não tenham uma relação familiar mas que, a partir do momento em que realizam este ritual de fraternidade, vinculam entre si um laço idêntico ao de consanguinidade, sendo que o

rakhi (o nome deriva da palavra raksha, protecção) simboliza o vínculo puro e

duradouro de amizade entre irmãos e irmãs. Neste dia, os irmãos visitam as suas irmãs, que lhes colocam o rakhi no pulso, trocando entre si presentes que simbolizam a amizade fraternal e os laços de protecção mútua que os unem.

A celebração de Sitala Saptam ocorre no dia sete (saptam) da segunda metade lunar e consiste na veneração da deusa Sitala, associada ao sarampo e à varicela. As preces e oferendas realizadas pelas mães a Sitala têm como finalidade a protecção dos seus filhos contra as doenças infantis. Neste dia, as mulheres não cozinham nem consomem alimentos quentes. Geralmente cozinham todos os alimentos na véspera, sendo que no dia seguinte não podem acender o fogão. A proibição de realizar actividades associadas à produção de calor prende-se com a necessidade de apaziguar a deusa Sitala com elementos frescos. O calor, pelo contrário, origina a fúria da deusa que se expressa na punição sobre as crianças através da varicela ou do sarampo. As mulheres lêem o vrata katha de Sitala Saptam, que relata a relação entre uma jovem mãe e a deusa (vide Anexos: 250). No dia seguinte, o oitavo da segunda quinzena de

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Para os hindus, as serpentes são consideradas divindades e também manifestações dos grandes deuses, pela estreita relação mitológica que mantêm com Vishnu (Shesha ou Ananta, é o rei das serpentes, que serve de base a Vishnu e que o protege, formando sobre a sua cabeça um halo) e com Shiva (a serpente Vasuki adorna o seu pescoço e também o seu linga).

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Shravan, comemora-se ainda o nascimento de Krishna, o Krishna Janmashtami, anteriormente apresentado.

Ao longo deste mês, para além da intensificação da actividade religiosa do Templo de Shiva, aumenta também a que ocorre em casa: as mulheres lêm os vrata

katha, com o objectivo de protegerem a casa e a família e, ao mesmo tempo, de

transmitirem às suas descendentes este conhecimento que consideram essencial para a educação das mulheres, futuras esposas e mães, ou seja, futuras responsáveis pela esfera doméstica. Ao mesmo tempo, as raparigas solteiras que realizem jejum nas segundas- feiras deste mês asseguram um bom marido, e as mais velhas pretendem atingir a purificação dos seus actos e promover um bom karma189.

Nos anos em que é introduzido o mês “extra”, o Adhik Maas, correntemente chamado de Purshotam mas, o nome dado a Krishna, é assinalado em Santo António dos Cavaleiros com a leitura, ao longo do mês, do Bhagavat Purana, que descreve as aventuras dos vários avatar de Vishnu. Mais uma vez, a minha presença prolongada no terreno permitiu observar claras alterações na prática religiosa deste mês. Este livro era habitualmente lido pelas mulheres. No último Adhik Maas (em 2007), um sacerdote

vaishnava proveniente de Dwarka (Gujarate) foi convidado pela direcção do Templo a

permanecer entre a comunidade ao longo do mês para realizar a leitura deste texto, à qual juntou as suas reflexões filosóficas e a entoação de cânticos associados às narrativas (vide Anexos: 232, fotografia 62). Estas modificações influenciam também o estatuto do grupo do satsang e, particularmente, de algumas mulheres que assumem a centralidade quer no grupo do satsang quer na comunidade em geral. A formalização das actividades do templo, bem como o crescente envolvimento com outros países da diáspora hindu, especificamente o Reino Unido, poderá introduzir novas alterações no hinduísmo e no estatuto das mulheres que o praticam. Esta problemática será desenvolvida no capítulo seguinte.