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PARTE I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3. TEORIA DA ATIVIDADE

3.2. Teoria da Atividade de Leontie

Para grande parte dos autores que utilizam a Teoria da Atividade como ferramenta de trabalho em suas pesquisas, ela teria surgido de três pesquisadores já citados: Vigotsky, Luria e Leontiev. Bannon et al. (1995, p. 190) indica que a Teoria da Atividade (TA) pode ser considerada como uma continuação da tradição histórico-cultural, mas se difere em alguns aspectos da abordagem de Vigotsky. Para eles (1995, p. 190), a TA não é exatamente uma “teoria” no sentido restrito de interpretação do termo: “ela consiste num arranjo de princípios básicos que constituem um sistema conceitual geral que pode ser usado como uma fundação para teorias mais específicas”. Os autores ainda destacam que os consequentes desdobramentos permitiram estudos e a difusão em diferentes regiões do planeta (Finlândia, Alemanha, Dinamarca, Estados Unidos, etc.), não estando concentrado mais somente na Rússia. Almeida et al (2013, p. 716), complementam essa ideia e sugerem que ao se internacionalizar a TA novas questões com sérios desafios referentes à diversidade e diálogo entre tradições foram geradas.

Por outro lado, parece necessário relacionar a teoria à filiação filosófica do marxismo, como argumenta Duarte (2002, p. 284). O autor indica duas implicações da relação entre estrutura objetiva da atividade humana e a estrutura subjetiva da consciência: 1) as complexas relações entre indivíduo e sociedade permitiram o avanço no campo da teoria marxista; 2) “o enriquecimento dos instrumentos metodológicos de análise dos processos de alienação produzidos pelas atividades que dão o sentido (ou o sem-sentido) da vida dos seres humanos na sociedade capitalista”. Ainda segundo o autor, os teóricos atuais que baseiam seus estudos na TA desconsideram essa vertente ideológica, permitindo uma perda do potencial crítico e se reduzindo a uma mera pesquisa etnográfica.

Barreto Campello (2009, p. 191) concorda com a primeira indicação deste capítulo, quanto às origens da TA, ao sugerir que ela se desenvolve das pesquisas de Lev Vigotsky, Alexander Luria e Alexei Leontiev, tendo este último introduzido a noção da atividade social como um princípio explanatório dos processos mentais. Nessa concepção, segundo o autor, o ser humano age conforme um motivo, que é quem confere significado às ações realizadas. Santos & Santade (2012, p. 56-57) complementam esse pensamento ao afirmar que a palavra era o mediador central dentre as ferramentas culturais para Vigotsky, enquanto Leontiev enfatizava “relações sociais e regras de conduta governadas por instituições culturais, políticas

e econômicas”. Dessa forma, temos três elementos propostos por Vigotsky, mas ainda não aprimorados graficamente por Leontiev com base no modelo de atividade coletiva proposto, que se correlacionam em um esquema resultante das relações sociais e históricas entre os indivíduos: sujeito, ferramenta e objeto, conforme a imagem da figura 2.

Figura 2: Tríade sujeito-ferramenta-objeto Ferramenta

Sujeito Objeto

Fonte: ALQUETE, 2014, p. 40

No entanto, cabe destacar que dos estudos de Leontiev é possível relatar uma outra tríade de elementos indissociáveis que caracteriza os níveis da atividade. Ela é composta pela atividade (1) em si, que por sua vez é determinada por ações (2) que abranjem um conjunto de operações (3). A seguir veremos a descrição de cada um desses níveis.

3.2.1. Níveis da atividade

As considerações de Leontiev (1992, p.68) trazem o nível da atividade relacionado ao motivo, também chamado objeto (objetivo) para a qual ela é realizada. O referido autor assim a descreve: “por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo” (1992, p.68).

O exemplo dado pelo autor está na educação: a preparação de um estudante para um exame consiste na leitura de um livro. Tal processo não pode ser encarado ainda como a atividade por não se saber profundamente o que ele significa para o sujeito. Quando um colega do estudante lhe diz ser desnecessária a leitura de tal livro para o exame, sobram-lhe três alternativas: abandonar o material, continuar a leitura ou desistir com pesar, relutante. Para os dois últimos casos fica evidente a vontade de aprender e conhecer o conteúdo do qual versava o livro. Quanto ao primeiro, seu motivo aparente era apenas a aprovação no exame. A leitura, nesse caso, não era a atividade, senão sua preparação para a prova.

Aproximando-se ao contexto capitalista, Duarte (2002, p. 286-287) cita o exemplo do operário em uma indústria de tecelagem: o significado do seu trabalho é a produção de algo que a sociedade necessita, o tecido. No entanto, devido à remuneração pelo trabalho

desempenhado, sua motivação passa a ser o salário recebido pela troca de sua força de trabalho. Campello (2009, p. 192) complementa ao indicar que o motivo pode ser tanto material quanto simbólico, estando sempre associado à satisfação de alguma necessidade.

As ações fazem parte do segundo nível do sistema. Segundo Leontiev (1992, p.69) “um ato ou ação é um processo cujo motivo não coincide com seu objetivo (isto é, com aquilo para o qual ele se dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte”. Voltando ao exemplo do estudante, o autor indica que a leitura é vista como ação quando o aluno acredita que ela é importante para sua aprovação no exame. A ação, dessa forma, tem uma meta que está relacionado ao motivo da atividade da qual faz parte. Nesse caso o alvo é o domínio do conteúdo para atingir o objetivo da atividade de passar no exame.

Barreto Campello (2009, p. 192) expõe esse “alvo” como sendo uma meta a ser atingida, com maior imediatismo que o motivo. Assim, ao se somar com outras metas, derivadas de outras ações, a atividade seria efetivada. Ainda segundo o autor, uma mesma ação pode realizar atividades diferentes, tal qual uma mesma atividade pode ser realizada com ações também diferentes.

Leontiev (1992, p.69) via uma relação particular entre ação e atividade. Para ele:

O motivo da atividade, sendo substituída, pode passar para o objeto (o alvo) da ação, com o resultado de que a ação é transformada em uma atividade. Este é um ponto excepcionalmente importante. Esta é a maneira pela qual surgem todas as atividades e novas relações com a realidade. Este processo é precisamente a base psicológica concreta sobre a qual ocorrem mudanças na atividade principal e, consequentemente, as transições de um estágio do desenvolvimento para o outro (LEONTIEV, 1992, p.69).

Dessa forma, com um resultado mais significativo da ação que propriamente da atividade (com o motivo anteriormente proposto), a ação passa a ser a nova atividade.

O terceiro e último nível trata das operações que estão inseridas nas ações. Segundo Nardi (1996, p. 75) as ações têm aspectos operacionais, isto é, estão relacionadas à forma como uma determinada ação é realmente realizada. Com a prática, as operações se tornam rotineiras e inconscientes. Ponto semelhante ao defendido por Barreto Campello (2009, p. 192) ao levantar, a partir dos estudos de Leontiev, “que operações um dia foram ações conscientes que percorreram um processo de internalização, tornando-se um instrumento para outras ações orientadas a uma meta”. Motta (1994, p. 19) complementa ao assinalar que ao se repetir uma ação inúmeras vezes ela se torna madura o suficiente para ser realizada sem um planejamento prévio, atingindo o nível de operação.

Pela definição de Leontiev (1992, p.74), a operação está relacionada ao modo de execução de um ato (ação), e é determinada pela tarefa, ou seja, a meta das ações, sendo possível, dessa forma, realizar diversas operações para uma mesma ação.

Os três níveis de atividade, bem como seus fatores de orientação e natureza podem ser melhor visualizados na tabela 3 a seguir:

Tabela 3. Aspectos conceituais da tríade Atividade, Ação e Operação

Nível Fator de orientação Natureza

Atividade Motivo Coletiva e consciente

Ação Meta Individual e consciente

Operação Circunstâncias Individual e inconsciente

Fonte: BARRETO CAMPELLO, 2009, p. 192.

De modo resumido, Bodker (1996, p. 149) trata da seguinte maneira os três níveis:

Embora coletivo, cada atividade é conduzida através das ações de indivíduos, dirigidos a um objeto ou a outro sujeito. A atividade dá sentido às nossas ações, embora as ações tenham o seu próprio foco e as mesmas ações possam aparecer em diferentes atividades. Cada ação é executada através de uma série de operações. Cada operação está ligada às condições físicas ou sociais concretas para a realização da ação e é provocada pelas condições específicas presentes em determinado momento. Operações nos permitem agir sem pensar conscientemente sobre cada etapa. Elas são ações transformadas, que foram conscientemente realizados no início. Com o aprendizado transformamos ações em operações; mas ao encontrarmos condições de mudança, podemos ter que mudar novamente nosso foco, e, assim, mais uma vez as antigas operações se tornam ações conscientes (BODKER, 1996, p. 149).

Kaptelinin (1996, p. 108) destaca alguns aspectos importantes referentes às frustrações encontradas nos três níveis de atividade. Segundo ele, quando as operações são frustradas, ou seja, as condições familiares são alteradas, as pessoas muitas vezes nem percebem tais mudanças adaptando-se automaticamente à nova situação. Quando a meta (relativo à ação) é frustrada deve-se senti-la, percebê-la, para que uma nova seja definida, desde que o motivo (relativo à atividade) não tenha sido alterado. Já quando à frustração ocorre no nível do motivo, as pessoas sentem-se chateadas, e o comportamento delas torna-se imprevisível.

Barreto Campello (2009, p. 193) realiza apontamentos sobre os desdobramentos das pesquisas de Leontiev ao sinalizar o engajamento do sujeito na atividade. O indivíduo deixa

de ser um mero receptor pelos seus sentidos (posteriormente seguidos de uma resposta), passando a se apoderar das ferramentas psicológicas disponíveis, internalizando-as.

Muitos outros estudos foram realizados em diferentes áreas, sob diferentes perspectivas, a partir dos pressupostos levantados por Leontiev. A seguir, é tratado aquele de Engeström que acabou gerando uma importante ferramenta (Sistema de Atividades) composta de outros elementos constitutivos presentes na atividade e que são de vital importância quando se pretende uma análise mais aprofundada.