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À luz das tuas estrelas, Senhor À luz das tuas estrelas, Senhor

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 127-131)

À luz das tuas estrelas, Senhor...

É certo que muito leitor que teve a audácia de seguir até aqui os clamores da minha inquietude metafísica te agradecerá, Senhor, do íntimo do coração, por não ser como eu, circundado de problemas crepusculares, torturas de perguntas sem respostas, dilacerado de angustiosas desarmonias... Ele, que vive à luz meridiana de seus dogmas nitidamente definidos; ele, que de nada duvida nem discorda; ele, que sente na alma o tépido bafejo das auras da paz e tranquilidade interior – não compreende que um homem que sinceramente te procura, ó Eterno, possa experimentar-te, viver-te e sofrer-te como uma luminosa escuridão, como um delicioso tormento, como um Deus ao mesmo tempo imanente e transcendente...

Não compreende, esse felizardo, que um homem que te possui possa procurar- te infatigavelmente dia e noite... Que possa chorar por ti... Agonizar por ti... Alongar o olhar das suas saudades por todos os horizontes do mundo interno e

externo, a ver se encontra um vestígio teu nas areias mortas do deserto... Não compreende, esse felizardo sem problemas nem problemática, que, para nós, os Tântalos da vida presente, o único modo de possuir-te é procurar-te sempre de novo...

Pois tu és um Deus estranho, sempre presente e sempre ausente...

Tu és o inconcusso rochedo no meio de todos os terremotos da minha vida... Tu és a grande alvorada no meio de todas as noites do meu coração... Tu és o verde oásis no meio de todos os Saaras da minha jornada... Tu és o risonho arco-íris sobre todos os dilúvios das minhas lágrimas... Tu és um hino de paz no meio de todos os meus campos de batalha... Tu és a grande resposta a todas as dúvidas e angústias do meu espírito... Tudo isto és tu, Senhor, real e irrefragavelmente – mas nem por isto deixas de ser o meu grande Anônimo, um Ser eternamente longínquo, obscuro, enigmático, paradoxal e doloroso...

Entretanto, eu prefiro esta noite estrelada do meu sagrado tormento ao profano meio-dia duma vida sem problemas e pungentes mistérios...

Creio-te mais presente nos horrores da tempestade do que na plácida estagnação da calmaria...

Desconfio da complacente obtusidade dum intelectualismo que tudo julga compreender e explicar – e desconfio também da farisaica suficiência duma fé que não te sinta envolto em impenetrável caligem...

Não tenho confiança em teses demasiadamente claras e precisas, em face do teu eterno Mistério, Senhor...

Digo com aquele homem do Evangelho: “Creio, Senhor – ajuda a minha incredulidade!”...

Sou da raça dos crentes descrentes...

Também eu, como aquele homem, tenho em casa um filho doente, prestes a morrer, e por ele te suplico entre lágrimas: “Vem, Senhor, antes que meu filho morra!”... Há muito tempo que a pobre criança de minha alma está assim, enferma, sem poder viver nem morrer...

Não pode viver plenamente – porque tu és o grande tormento da sua vida... Não pode morrer cabalmente – porque tu és a grande delícia da sua existência...

Por isto, minha alma vive morrendo e morre vivendo...

Quero viver uma vida viva – e não uma vida morta ou agonizante...

Viver uma vida morta ou agonizante não é viver... Mas eu quero viver plena, integral, intensamente, ainda que esta vida plena seja um eterno sofrer por ti, Senhor... Sofrer por ti é a vida mais intensa e genuína do que viver sem ti... Quem não te vive não te sofre – infeliz desse homem!... Melhor lhe fora não ter nascido! ...

“Creio, Senhor – ajuda a minha incredulidade!”... A tua noite é vasta, profunda, pressaga...

Mas no alto brilham estrelas...

As tuas estrelas, ó Deus – através da tua noite e através da noite do Eu. A tua luz estrelar espelha-se nas águas turvas da minha vida...

E elas, de turvas, se tornam claras e límpidas...

Assim creio e descreio eu, Senhor – à luz noturna dos teus astros, sempre presentes e sempre ausentes...

Amém...

Amém...

Vou concluir, Senhor, estes amargos e dulcíssimos colóquios que mantive contigo, meu eloquente e silencioso Mistério...

Foi necessário que eu dissesse o que disse, a fim de desabafar o meu coração. Não havia, neste planeta, creatura assaz forte para suportar esse temporal, para ouvir indene tão terríveis verdades. Nem havia um ser bastante largo e sereno para receber esse dilúvio de queixas e impropérios que lancei contra ti. Tu és, possivelmente, o único ser que não me queira mal pelo que disse. As tuas creaturas, mesmo as que vivem com o teu nome à flor dos lábios e com os teus símbolos nas vestes, me considerarão, talvez, irreverente, blasfemo, herege, ateu, luciferino, porque algumas das coisas que eu disse de ti são grandes demais para caberem nos estreitos moldes da nossa humana filosofia. Entretanto, basta-me saber que tu me conheces e pões na balança o sincero amor que te consagro, no meio de todas essas noites da inteligência.

Não fosses tu o grande amor da minha vida, e não serias a dor imensa do meu coração. O indiferente ou semi-amante nada sofre com as vastas escuridões que te circundam... Vive feliz na tépida superfície da sua vida ou pseudovida – esse infeliz...

Todo pensar profundo nos faz inquietos... Todo amor intenso gera sofrimento atroz... A todo zênite corresponde um nadir...

Todo cume clama por um abismo... Toda luz finita projeta sombras... Todo pólo exige um contrapólo...

E é por isto que a vida humana oscila sempre entre dois extremos que lutam por harmonizar a sua vasta polaridade...

Entretanto, meu Deus, prefiro sofrer neste céu infernal a gozar num limbo sem contrastes...

Mais me encanta o mistério da noite estrelada do que a claridade dum dia sem enigmas...

Tu és uma noite imensa... Tu és um universo sideral... Minha luminosa Escuridão... Cheia de tormento – e beatitude... Amar-te é sofrer-te...

Sofrer-te é gozar-te...

É por isto, Senhor, que todos os impropérios que te lancei à face, nas páginas deste livro, são outros tantos protestos de amor...

De amor noturno... De amor doloroso...

Até que amanheça a grande alvorada... O teu dia eterno, meu Deus...

O meu dia eterno – em ti... Amém... Amém... Amém...

DADOS BIOGRÁFICOS

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 127-131)