• Nenhum resultado encontrado

Tua justiça – e a justiça do universo e a justiça do universo

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 46-49)

Tua justiça – e a justiça do universo e a justiça do universo

Disseram-me, Senhor, que todo pecado te ofendia, e que o pecado grave te ofendia gravemente.

Fiquei horrorizado, quase com pena de ti, porque entendia essas ofensas por analogia ao que os homens chamam ofensa. Comecei a amar-te antes por motivo de compaixão do que propriamente por amor. Que vida devia ser a tua, pensei, tu, gravemente ofendido, dia a dia, milhares de vezes, pelos séculos e milênios!...

Mais tarde, quando ouvi que mais de quatro bilhões de homens povoavam a face do nosso planeta, muitos dos quais adultos e capazes de pecar, fiz, com horror, o cálculo de que recebias diariamente cerca de um bilhão de ofensas, entre elas certamente algumas centenas de milhões de injúrias graves.

Quando então encontrei nos livros sacros as palavras: “O justo peca sete vezes por dia”, não conheceu mais limites a comiseração que senti por tua vida atribulada, e quase que achei mais feliz a minha vida que a tua, porque eu passo dias inteiros sem receber ofensa da parte dos homens, e tu és ofendido sem cessar.

Acresceu ao meu desnorteamento inicial mais outro: li em livros escritos por homens que diziam conhecer-te que cada uma dessas ofensas era uma destruição, total ou parcial, da ordem moral do universo, e que esse desequilíbrio tinha de ser reequilibrado, porque tu és o Deus da ordem e harmonia absoluta.

Com isto se completou em mim a confusão sobre ti e sobre teu universo, máxime sobre esta estranha humanidade que creaste e deixaste viver e pecar até a presente data...

Só mais tarde, muito mais tarde, após decênios de lutas e sofrimentos, compreendi que todas as noções que temos de ti e todas as locuções da nossa linguagem a teu respeito e a respeito da tua atividade no mundo são simbólicas, não raro infantis, e muitas vezes até pueris. Foi este o fio de Ariadne que me fez sair do tenebroso labirinto, que, por um triz, acabara de me levar à descrença e ao desespero universal. Descobri, ou adivinhei, o sentido desse ser-ofendido que os homens te atribuem sem cessar e, geralmente, entendem às avessas.

Que Deus mesquinho devias ser tu se realmente te ofendesses com as injúrias que as tuas creaturas te irrogam!

Quem peca voluntariamente – e não se pode pecar de outra forma – atenta contra uma profunda, eterna e indestrutível realidade cósmica, destrói subjetivamente essa realidade – subjetivamente, isto é, quanto depende do pecador, porque objetivamente não a poderá destruir jamais, porquanto essa realidade cósmica é em si indestrutível, eterna. E essa realidade suprema és, em última análise, tu mesmo, meu Deus eterno e infinito.

Disseram-me que tu vingavas as nossas injúrias e reivindicavas os teus direitos eternos. Mas eu não sabia que essa vindicta e essa reivindicação eram algo inerente ao próprio universo – assim como lhe é inerente a grande lei da evolução.

Tu és justo – e o teu universo é bem ajustado.

Pecar é “desajustar” o que é justo. É necessário “reajustar ” o que é justo. É necessário “reajustar” o “desajustado”.

O homem justo traça uma linha finita paralela à infinita da tua vontade – o pecador traça uma linha divergente, torta ou curva, que se afasta da paralela da tua vontade, ou corta-a em determinado ângulo. Desajustou a sua linha finita, em vez de a manter justa à tua linha infinita.

Tu castigarás esse homem “injusto” ou “desa justado”?

Não, ele mesmo se castigará, porque toda culpa, quando não devidamente cancelada, leva no seio o germe da pena.

A tua justiça exige a justeza do cosmos, assim como a toda ação segue uma reação, assim como à causa segue um efeito.

Sendo que o indivíduo consciente é parte integrante do cosmos, e ponto culminante aqui na terra, é evidente que todo atentado à ordem do universo é também um atentado ao próprio autor dessa desordem.

O único prejudicado pelo pecado é o pecador. Ele é a vítima direta do seu ato, os outros são apenas alvos indiretos.

Quem arremete com o crânio contra uma muralha de granito ofende mais a si mesmo do que ao granito.

O maior mal que o homem pode fazer a si mesmo é tentar fazer mal a outrem, seja a um seu semelhante, seja a um inferior ou superior. Para outros pode ser um mal extrínseco – para o pecador é um mal intrínseco.

Dizem os homens que tu, meu Deus, vingas as injúrias que te fazemos, que nos castigas e punes pelos nossos pecados – mas é certo que essa “vindicta”

inere necessariamente ao teu universo, que age automaticamente, como toda a lei biológica. Queira ou não queira o homem, será infalivelmente restabelecida a justeza do universo por ele desajustado. Não pode haver desequilíbrio para sempre. Como a agulha magnética volta sempre ao norte, assim seguirá a todo desequilíbrio um reequilíbrio. As obras de Deus não falham. Não depende do homem restaurar ou não restaurar a ordem do universo – ela será necessariamente restaurada, e com infalível certeza e precisão. Nas mãos do homem está apenas a escolha entre dois modos de reajustamento cósmico: voluntário ou forçado. O reajustamento voluntário é digno do homem racional e o reajustamento forçado lembra potências férreas de um mundo ignoto. O mundo desajustado pela culpa será reajustado pela conversão, ou, se esta faltar, pela pena. Culpa – conversão; ou então: culpa – pena... Não há outra alternativa. É esta a inexorável matemática do universo. É esta a justiça de Deus, porque é a justeza do universo.

No dia e na hora em que o homem compreender esta grande verdade, despontará para a humanidade a grande alvorada espiritual...

Nesse dia e nessa hora deixará o homem de se revoltar contra as tuas pretensas “injustiças”, meu Deus, contra as tuas “crueldades”, contra o teu “espírito vingativo”...

Compreenderá o homem que, como parte integrante do cosmos, ele só pode ser feliz traçando a linha da sua vida paralela à grande linha reta da tua vontade manifestada nas leis cósmicas, fora e dentro do Eu...

Compreenderá que a tua justiça é a justeza do universo – e a justeza do próprio Eu...

E, compreendendo isto, o homem deixará de ser mau; deixará de fazer mal a qualquer ser, porque compreendeu que quem pretende fazer mal aos outros faz mal a si mesmo, porque se faz mau, e, portanto, infeliz...

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 46-49)