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Do ego periférico para o eu centralDo ego periférico para o eu central

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 93-97)

Do ego periférico para o eu central

Quando me disseram, Senhor, que o teu reino estava dentro de mim, julguei perceber a coisa mais absurda e a maior blasfêmia que dizer se pudesse. É que era falsíssima a idéia que eu formava de ti, do teu reino – e até de mim mesmo. Pensava que teu reino viesse de fora, das alturas do céu sideral, do mistério de horizontes longínquos, do seio ignoto do universo. Não podia, de forma alguma, imaginar que o teu reino surgisse das silenciosas e vácuas profundezas do próprio Eu, porque eu só conhecia o meu ego periférico, profano e vazio, e ignorava a plenitude do meu Eu central.

Hoje sei que o meu verdadeiro Eu é um traço de união entre o finito e o Infinito, que é a única porta aberta para o cosmos das grandes realidades, e que não entrará jamais no mundo das supremas maravilhas quem não abrir a porta do Eu, invisível mago do meu verdadeiro ser.

Receava eu também, consciente ou inconscientemente, que essa intensa introspecção, esse perene e exclusivo procurar-te dentro-do-Eu acabasse por me levar a uma tal ou qual hipertrofia da própria personalidade, a um estreito egocentrismo incompatível com o teu vasto teocentrismo.

Hoje sei que acontece precisamente o contrário do que eu receava. Hoje, depois de te encontrar dentro de mim, sou menos egocêntrico do que antes. Desegofiquei-me em grande escala, despersonalizei-me em extremo; hoje sou mais cósmico do que personal. Tenho a certeza de que o processo de personalização é um fenômeno intermediário, transitório, um elemento evolutivo, algo de provisório, mas não um estado definitivo. O estado definitivo do Eu é essencialmente cósmico, vastamente universal, porque é uma cosmo- consciência da infinita Realidade, um largo Panorama do Ser total – que, em última análise, és tu, ó Suprema Realidade.

Encontrei-me, Senhor, unicamente porque te encontrei em mim. Se não te encontrasse em mim, nunca me encontraria a mim – porque só no teu grande Tu pode o homem encontrar o seu pequeno Eu...

Homem, se não quiseres ser para ti e para os outros eterna esfinge e ominoso pesadelo, procura, antes de tudo, descobrir o teu verdadeiro e autêntico Eu central, através dessas espessas camadas do pseudo-eu periférico.

Esse teu ego personal e histórico não és tu. Esse teu ego periférico é de ontem ou anteontem – mas o teu verdadeiro Eu central é eterno.

Aquele é unilateral – este é onilateral.

Corpo e mente são a sede e fonte das sensações, das afeições e dos pensamentos, que em ininterrupta carreira se sucedem, como as águas duma torrente, como as catadupas duma cachoeira – mas esse estardalhaço de sensações, afeições e pensamentos não és tu, não é a verdadeira essência do meu ser.

O meu verdadeiro e autêntico Eu cósmico é como um lago plácido que espelha o azul do céu e reflete o semblante do Sol. Recebe de todos os lados torrentes inquietas, mas ele mesmo, esse lago, é eterna e imperturbável quietude. Quietude não negativa e estática, mas quietude positiva e dinâmica.

O meu lago interno é tranquilo e imóvel, não por vacuidade, mas por plenitude; não por deficiência, sim por abundância.

Esse lago dinamicamente tranquilo é minha alma.

O meu Eu personal e histórico é como a extensa periferia duma gigantesca roda em contínuo movimento de rotação. Milhares e milhares de pontos giram em torno do eixo, mas este eixo, no seu centro matemático, é imóvel. É um movente imóvel, um motor não movido. É um centro do qual irradiam todas as potências motrizes rumo à periferia, mas que não recebe da periferia o menor movimento. Dá sem receber, esse motor imóvel, porque é de inesgotável plenitude.

Quanto mais distantes do centro tanto mais móveis são os pontos circunjacentes; quanto mais perto do centro tanto menor é seu movimento – até expirarem em não-movimento, em quietação absoluta, no centro dinâmico do eixo.

Assim é, assim deve ser o meu verdadeiro Eu, a essência cósmica do meu ser: centro imóvel que tudo move, foco dinâmico do qual irradiam todas as energias da minha vida, lago plácido que absorve todas as torrentes e reflete na sua perene quietude o azul do céu e o sol da Divindade.

Por via de regra, anda o homem nas camadas periféricas do seu ego, mais ou menos distante do Eu central. Poucos são os que conseguem penetrar até esse misterioso centro, porque árdua luta e intensa introspecção espiritual exige a ruptura dessas espessas camadas do nosso ser. Sensações físicas, afeições psíquicas e pensamentos intelectuais, habituados à tépida superfície diurna do nosso ego periférico, recusam-se a submergir na silenciosa profundidade noturna do Eu central; parece-lhes uma noite polar, uma zona gelada e mortífera, e por isto fogem sempre em sentido contrário, rumo à superfície.

Como obrigar os rebeldes a empreenderem a grande expedição rumo às regiões profundas do Eu central?

Obrigá-los? Não, não os devemos obrigar à força para empreenderem essa expedição ao interior, porque toda faculdade, quando compelida a fazer algo, revolta-se e procura fazer precisamente o contrário. “Não resistais ao malévolo!”

A única coisa que podemos fazer com as nossas potências físicas, psíquicas e intelectuais é polarizá-las, dar-lhes uma atitude centrípeta e deixá-las depois atuarem, suave e espontaneamente, por si mesmas, neste sentido. Essa constante e persistente polaridade via centro acabará por lhes neutralizar a primitiva centrofobia e lhes quebrará paulatinamente toda a vontade e todo o poder de oposição e rebeldia. Mais ainda, essa constante e suave perspectiva polarizadora chegará ao ponto de converter as nossas potências periféricas em veículos e dóceis aliados centrófilos, que nos levarão, quando menos, até as muralhas externas do grande santuário central do nosso Eu cósmico e espiritual. Chegados à entrada desse silencioso santuário, esses servidores psico-físico-mentais montarão guarda e se quedarão, qual silenciosa e vigilante sentinela, a proteger o palácio do grande rei.

É este o triunfo máximo do espírito: fazer dos tumultuosos elementos periféricos dóceis aliados e espontâneos servidores do silencioso Eu central. Quando o homem chega a subordinar todas as potências periféricas do seu ser à grande potência central, verifica que possui completo domínio, não somente sobre o microcosmo do seu Eu, mas também sobre o macracosmo circunjacente.

O homem, chegado a esta centralização espiritual, é, ipso facto, um taumaturgo. É que o ponto imóvel desse centro é também o eixo dinâmico que move os elementos do cosmos, porquanto os elementos cósmicos, extra- individuais, estão em ligação direta e permanente com os elementos cósmicos intra-individuais. Estes dois elementos são até idênticos em sua raiz e essência íntima; aparecem diversos apenas na forma externa.

Toda taumaturgia consiste num completo domínio sobre as potências periféricas, numa vitória integral do Eu central.

Árdua é a luta, porém certa a vitória.

O homem que harmonizou com o seu Eu espiritual todas as potências do seu ego psico-físíco-mental entra num mundo de imperturbável paz e tranquilidade, goza duma paz positiva, duma tranquilidade dinâmica, porque nascidas da consciência da sua força interior e da sua absoluta intangibilidade.

E desta paz e tranquilidade nasce então uma felicidade tão grande, uma beatitude tão inefável que não se compara com satisfação alguma que o homem possa experimentar fora desta zona.

Se esse homem ouvisse falar em ateísmo, ficaria sem compreender coisa alguma, porque ele vive Deus dentro de si.

Se alguém o convidasse a provar, com argumentos filosóficos ou teológicos, a existência duma vida eterna, estranharia esse homem semelhante convite, como se o intimassem a provar a existência do Sol em pleno meio-dia.

O homem que atinge a zona do seu Eu central tem a intuição espontânea e direta das grandes realidades espirituais, assim como quem vive em plena claridade solar não apenas crê no Sol, mas vive-o em perene realidade. Quem vive a vida em toda a sua plenitude nem se lembra de provar a existência da vida, porque a vive direta e intimamente.

“O reino de Deus está dentro de vós... Quem não renascer pelo espírito não pode entrar no reino de Deus”...

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 93-97)