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Creio na grande harmoniaCreio na grande harmonia

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 116-120)

Creio na grande harmonia

Tempo houve, Senhor, em que a desarmonia do teu mundo visível esteve prestes a derrotar a minha fé na harmonia do teu mundo invisível. É tão fácil naufragar neste mundo de paradoxos quotidianos... E é tão difícil atingir a praia redentora da paz interior...

Hoje, embora não tenha decifrado a esfinge do teu mundo visível, estou tranquilo porque sei e sinto que, para além de todo esse caos que percebemos, existe um cosmos que, por ora, escapa à nossa percepção.

Para além dos desnorteantes paradoxos do mundo e da vida, canta uma verdade eterna e sorri uma sinfonia inefável...

Morrem a cada ano cerca de 50 milhões de homens. E segue-se então o grande silêncio, a vasta solitude...

Nenhuma dessas almas parece guardar lembrança do planeta Terra que, por decênios, foi teatro de vida, cenário de muitos sofrimentos e de algumas alegrias... Aqui ficaram pais ou filhos, esposo ou esposa, amigos e parentes, pessoas que com aquela alma tinham íntima comunhão de interesses, afinidade de idéias, de ideais, de afetos, de fé, de esperança, de amor...

Soldados, no auge do entusiasmo por seu chefe militar, são repentinamente ceifados pela morte...

Cientistas que passaram a vida toda no laboratório, identificados com os mistérios da Natureza, partem daqui para mundos ignotos...

Poetas, artistas, músicos, gênios de grandes vôos – todos eles deixam o vasto ou estreito cenário dos seus amores e partem para nunca mais voltar...

Por que é que nenhum deles se interessa mais por aquilo que formava o centro da sua vida e atividade?...

Será que todas essas almas, no momento de deixarem o seu invólucro corpóreo, mudaram radicalmente de caráter? apostataram das suas idéias e dos seus ideais?... Mas, se essas idéias e esses ideais não radicavam no corpo, e sim no espírito, como pode a simples separação da matéria produzir tão profunda mudança no espírito?

Por que é, mãe desvelada, que deixas agora de velar por teus filhos queridos? por esses entes que te choram e te chamam, que sofrem e soluçam a sua grande orfandade?...

Esposa ou noiva afetuosa, tu que vivias por um ente querido que no mundo era a razão de ser da tua vida, por que agora essa incompreensível indiferença e estranha apatia?...

Por que tudo isto, meu Deus, por quê?...

Não parecem ter razão aqueles que consideram a alma como uma luz que se extingue ao sopro glacial da morte e volta ao nada donde veio?...

Não parece a nossa fé numa vida após morte uma miragem falaz, um ludíbrio suave e cruel, uma imensa gargalhada de escárnio lançada do grande vácuo do além para o grande vácuo do aquém?...

Não parece esse pavoroso silêncio dos sem-corpo justificar tudo quanto de triste e atroz se tem dito e escrito sobre o grande deserto e a noite eterna que dizem reinar para além dos túmulos e ciprestes?

Bem sei, Senhor, que temos por aliadas a ciência e a fé – essa fé que crê firmemente na imortalidade, e essa ciência que elabora argumentos geniais para demonstrar a existência duma vida após a morte. Sei e creio em tudo isto...

Mas num problema de tamanha gravidade, no único problema realmente meu, ardentemente meu, infinitamente meu – eu desejaria mais que ciência e fé... Neste problema de “ser ou não ser”, quisera eu possuir algo que fosse como uma superciência e uma superfé...

Quisera ter uma intuição direta, uma vidência imediata, uma afirmação categórica da realidade da vida eterna...

Por vezes, em momentos de grande claridade interior, parece alvorecer em mim essa intuição da grande realidade espiritual... Já não é, então, a inteligência que fala com os lábios da ciência, nem é a vontade que brada com a voz da fé – é algo de mais vasto e panorâmico do que esses dois aspectos do meu ser humano...

Que é que fala, então, dentro de mim?... É o meu Eu total?...

É o cosmos em mim?... É Deus através do Eu?...

Não sei... é difícil distinguir algo por entre as penumbras desse crepúsculo que não chega a ser dia...

Sei apenas que essa grande intuição que, por vezes, alvorece e me dá certeza imediata da vida eterna, é uma voz que fala em nome e por ordem de uma grande e universal harmonia...

E eu me identifico, então, com essa harmonia...

Se existe harmonia no universo inteiro, como poderia haver desarmonia precisamente no ponto culminante do cosmos?...

É mais fácil crer na harmonia do que na desarmonia...

Se existe o centro para o qual gravita a pedra solta no espaço... Se existe o Sol que a planta advinha em plena escuridão...

Se existem zonas banhadas de luz e calor que de veementes saudades enchem as aves migratórias – por que não existiria o invisível centro que sem cessar atrai o meu espírito?...

Por que não?...

Seria o homem, rei e coroa da creação, a única dissonância no meio dessa universal sinfonia da Natureza?...

Um caos de desordem em pleno cosmos de Ordem?... Seria o homem mais infeliz que a pedra, a planta o animal?...

Seria ele um eterno Tântalo ludibriado por uma felicidade quimérica?... E teria esse tirano o nome de Deus?...

Quem poderia crer coisa tão incrível?...

Que inteligência pode abraçar tamanho absurdo?...

... Eu creio, Senhor, na mortalidade, porque creio na ordem da tua Natureza. Creio num mundo futuro porque não posso descrer da ordem do teu Universo. Para além de todos os enigmas e paradoxos da vida presente, existe uma solução e uma verdade eterna.

Após esta noite terrena que nos desorienta e apavora, despontará uma alvorada que iluminará os nossos caminhos...

Eu quero fé – mas uma fé prodigiosa, capaz de encher integralmente os grandes vácuos que estão dentro do meu ser...

Eu quero alegria – muita alegria para esconder sob a plenitude dela a amargura que encontro sempre no fundo das minhas taças...

Eu quero uma luminosa intuição – uma intuição que me dê certeza cabal e definitiva da infinita realidade que em ti está e na qual espero entrar agora e aqui mesmo...

Eu quero vida eterna – porque sem ela me é insuportável esta vida efêmera que vivo e que morro cada dia...

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 116-120)