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Transcendente – imanente imanente

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 32-36)

Transcendente – imanente imanente

Disseram-me que tu, Ser Transcendente, habitavas para além das nuvens do firmamento – do firmamento sideral e do firmamento pessoal.

Disseram-me que o teu céu é nas alturas – e o teu inferno nas profundezas. Disseram-me que o supremo destino do homem consiste na eterna visão da tua face, após a morte corporal.

Disseram-me que havias fundado aqui na terra um reino no qual entrava o homem por meio de certos ritos e fórmulas sacras.

Saturado destas idéias, andei longos anos e decênios em tua busca e em demanda do teu reino. Perguntei-te, como a samaritana, à luz solar de sorridentes campinas; interpelei-te, como Nicodemos, à luz estelar das noites silenciosas: “Onde se deve adorar a Deus?”...

Busquei-te em Garizim e em Jerusalém, por entre vetustas ruínas e entre esplendores litúrgicos...

Andei à tua procura em todas as excelsitudes cósmicas.

E encontrei-te, finalmente, onde não te buscara – dentro de mim mesmo...

Bem o dissera teu Messias: “O reino de Deus está dentro de vós... Os que adoram o Pai devem adorá-lo em espírito e em verdade...” Mas eu ignorava estas palavras brevíssimas e imensas, e quando cheguei a conhecê-las, interpretei-as à luz das minhas idéias errôneas, e não as compreendi.

Estudar-te, crer em ti, é certamente um passo preliminar para encontrar-te – mas não é ainda o encontro real contigo. Só se encontra realmente o que se vive e sofre – e é esta a única ciência que não se pode ensinar nem aprender em livros e com mestres. A mais profunda, sublime e trágica experiência da vida deve o homem fazê-la a sós. Nem pai, nem mãe, nem filho, nem filha, nem esposo, nem esposa, nem amigo, nem mestre – ninguém me pode acompanhar a essa imensa solidão, a esse cume altíssimo, a essa tenebrosa profundeza do encontro pessoal contigo, meu grande Anônimo...

Quem não te vive e sofre não te conhece, não tem idéia do que Jesus quis dizer com as palavras “reino de Deus”.

A ciência te estuda – a consciência te revela...

Viver-te no mistério da consciência é sofrer-te na vida presente. Quem te vive sofre-te. Sofre por ti a sua própria insuficiência e fere a sua grande espiritualidade nas barreiras do finito...

Para encontrar-te dentro de mim foi necessário descobrir primeiro o meu verdadeiro Eu dentro do meu pseudo-eu. Tive de romper por essa gigantesca selva tropical do meu ruidoso ego periférico que circunda o silencioso Eu central. Quase sucumbi nessa luta titânica, porque o ego periférico, que o mundo chama minha “personalidade”, é uma camada duríssima, um rijo baluarte de erros e de hábitos, que me vedava o acesso ao centro divino de mim mesmo. Mas, uma vez transpostas todas as zonas periféricas do meu pseudo-eu, descobri o meu centro, o meu verdadeiro eu – e lá estavas tu, meu grande Anônimo...

“Eu te procurava lá fora – e eis que tu estavas dentro de mim!” (Santo Agostinho).

Tu, que és infinitamente transcendente, és também infinitamente imanente. E eu só cheguei a conhecer a tua transcendência depois de viver a tua imanência.

Agora sinto-me calmo e seguro diante de tudo e de todos, diante de ti – e até diante de mim mesmo. O sol da tua presença, quando apenas transcendente e não imanente, torna tão espessas as sombras do ego que quase não consigo subsistir diante de mim mesmo, em face de ti. Tenho a impressão de que algo infinitamente positivo provoca em mim algo infinitamente negativo... Em face do teu gigantesco “sim” divino reduz-se o meu “não” humano a tão extrema pequenez que o solo parece abrir-se sob os meus pés e afundar-me no abismo do vácuo e do nada.

E somente nesta vasta planície desegoficada e neutralizada do meu pseudo-eu periférico é que o meu verdadeiro Eu central pode nascer e proclamar a vitória do teu reino divino dentro do homem.

* * *

Depois de feita a inefável descoberta de que o teu reino está dentro de mim, sucederam-se outras descobertas, cada qual mais feliz. Desde esse dia encontrei o teu reino em toda a parte, mesmo lá onde ninguém lhe suspeitaria a existência.

Encontrei o teu reino em homens poluídos e almas profanas, em publicanos e pecadores – se lá não estivesse ao menos um germe divino, como poderiam nascer tão viçosas plantas de espiritualidade?

Encontrei o teu reino até no mundo irracional, em pedras e metais, na flora e na fauna, no zumbir do inseto e no rugir das feras...

Outrora, não podia eu compreender como é que uma planta ou um vil animalejo, seres sem intelecto, pudessem agir tão inteligentemente como agem, escolher com infalível acerto os meios mais adequados para a consecução de certos fins por eles mesmos ignorados. Arquitetei teorias, elaborei hipóteses, repeti o que outros me haviam dito – mas todos os meus tentames de solução esbarravam sempre num “ponto morto”, onde o maior descrente das minhas teorias era eu mesmo. E dessa noite absoluta da inteligência não havia saída para parte alguma. Uma vez que tu habitavas para além das nuvens, como é que podias estar dentro de um cristal? nas células duma planta? no corpo primitivo dum protozoário? Não era isto indigno da tua grandeza e majestade?...

Para salvar do iminente naufrágio o meu querido teísmo, repetia eu o que tinha ouvido dizer: que tuas leis estavam dentro dos seres, dirigindo-os para certos fins. Não podia eu, nesse tempo, crer que tu mesmo estivesses dentro de tudo que o que é real, que eras o Uno Infinito e todo o verso finito do universo; que todas as coisas, desde as mais simples até as mais perfeitas, estão dentro de ti porque tu estás dentro delas, e as penetras inteiramente com a tua onipresente Divindade.

Quando me convenci da tua absoluta onipresença e oni-imanência, comecei a compreender o mundo e a mim mesmo. O meu monoteísmo culminou em monismo.

Cheguei a compreender também que o teu céu não é algum lugar longínquo para onde deva a alma viajar após a sua separação do corpo – mas que o teu céu é um estado espiritual dessa mesma alma liberta, uma atmosfera divina creada dentro da alma na vida presente e revelada na vida futura.

Ninguém pode estar dentro do reino de Deus se esse reino não estiver dentro dele. Tudo o que é grande, bom, verdadeiro, sincero, belo, justo, puro, tudo isto é o teu reino, não só no mundo futuro, senão também na vida presente.

Não é a morte que me introduz no teu reino, e sim a vida. Também, como poderia a não-vida fazer de mim o que a vida não fez?...

Tu, o mais transcendente de quantos seres existem, és de todos os seres o mais imanente – o único ser plena, profunda e integralmente imanente...

A descoberta – não científica, mas vital – da tua profunda e universal imanência, a serena convicção da tua perene in-habitação dentro do sacrário do meu Eu central, enche-me de inefável tranquilidade, duma paz tão grande e duma felicidade tão plena e segura, que nenhuma tempestade periférica,

nenhum inferno de infortúnio ou decepção é capaz de perturbar este meu paraíso, onde sorriem os teus querubins e cantam os teus serafins...

Hosana – ó Deus transcendente!... Aleluia – ó Deus imanente!...

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 32-36)