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Minha vacuidade – e tua plenitude e tua plenitude

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 104-109)

Minha vacuidade e tua plenitude e tua plenitude

Creio, Senhor, que estas duas palavras dizem tudo o que dizer se pode de ti e das tuas relações com o homem.

Creio que estas duas palavras antitéticas sintetizam todas as teses e hipóteses que sobre ti se hão excogitado, no decorrer dos séculos e milênios.

Minha vacuidade – e tua plenitude...

A mais profunda, sublime e sagrada aspiração de todo homem plenamente humano está em querer possuir-te, não somente pelo conhecimento e pelo amor, mas efetivamente, plena, integral, panoramicamente, com todas as potências do seu ser.

Possuir-te – que coisa deliciosa e estupenda deve ser!...

Possuir-te – o que no mundo presente é o mais vasto drama e a mais intensa tragédia da alma humana, deve ser, no mundo futuro, a mais excelsa epopéia e a mais pura mística do espírito creado...

Fundir-se em ti, integrar a gotinha do meu Eu humano no oceano imenso do teu Tu divino...

Identificar-se, por assim dizer, contigo... Divinizar-se...

Que é toda a poesia do amor terreno e toda a luz da ciência humana em face dessa suprema e única realidade da tua posse integral, eterna, infinita?... Possuir-te – mas como?...

Pela inteligência? Pela força mental? Pela ciência especulativa?...

Assim pensava eu, a princípio. Pensava como certos filósofos de Atenas, que tanto mais espiritual e divino seria o homem quanto mais aguçada fosse a cúspide da sua inteligência, quanto mais elevado o pináculo da sua torre científica, quanto mais Intensa a chama do seu inteligir mental.

De todas as belas e queridas ilusões da minha vida, a mais bela e querida foi esta. E até o presente dia não consegui matar de todo as saudades que tenho deste meu primeiro e grande amor Intelectual...

Doloroso foi o desengano, funesta a queda lá das alturas da minha torre babilônica... E até hoje não cicatrizaram as feridas profundas que me abriu na alma a convicção de que a ciência, por si só, não te pode atingir cabalmente...

* * *

Vendo que a soberba torre da minha filosofia não valia romper as nuvens do teu céu nem lançar uma ponte entre as baixadas da nossa terra e a excelsitude do teu trono, tentei uma invasão nos teus domínios em sentido contrário. É que, nesse tempo, eu acreditava ainda na possibilidade desta invasão do teu reino pelo homem...

Se a conquista não era possível rumo ao zênite – quem sabe se era possível via nadir?

Em vez de exaltar-me, aniquilei-me... Tentei possuir-te pela ascese...

Transformei em radical negação todas as minhas afirmações... Procurei despersonalizar a minha personalidade...

Neutralizei o meu Eu...

Despotencializei todas as potências ativas do meu ser... Macerei com flagelos o meu corpo...

Debilitei com jejuns os ardores do sangue... Impus silêncio ao intelecto...

Fechei as portas aos sentidos... Cortei as asas à fantasia... Fugi da sociedade...

Habitei em vastos ermos e solitárias cavernas...

Sempre à espera de um encontro contigo, meu grande Anônimo...

Sentia que a humilde negação de mim mesmo me aproximava de ti muito mais do que a ousada afirmação do ego...

Mas... faltava alguma coisa...

Que é que faltava?... Por que é que não cheguei ao termo da minha jornada ascética?... Por que é que fugia de mim a meta, na razão direta que eu a de- mandava?...

Estaria eu marcando passo ou movendo-me num eterno círculo, sem avançar um passo rumo às fronteiras longínquas do teu reino?...

* * * Sobreveio-me, então, o segundo desengano...

Desiludido do intelectualismo, comecei a desconfiar também da ascese... Se não estavas no zênite da afirmação do meu ego intelectual, nem no nadir da minha negação personal – onde estavas tu, meu grande Mistério?...

Procurei, por algum tempo, apoderar-me de ti quase de contrabando – pela magia, pelo cabalismo irracional; procurei conjurar-te por meio de ritos e fórmulas ocultistas, a ver se estas potências sinistras lançariam uma ponte fantástica entre o aquém onde eu estava e o além onde tu habitas, ou onde eu te supunha.

Falhou também esta tentativa em sentido horizontal, e mais tristemente falhou que as outras, em direção vertical, para o alto e para o fundo...

* * *

Vi-me, então num vasto campo coberto de ruínas... Abriu-se dentro de mim um grande vácuo...

Encontrei-me no caireI do abismo...

Em derredor e dentro de mim, um deserto imenso, de angustiante monotonia, de vastidão mortífera...

Convenci-me de que era impossível possuir-te...

Mas... como poderia eu viver sem te possuir – se tu és a vida de todos os vivos?

Como ficaria eu em mim, se não ficasse em ti? Se tu és o único sol em torno do qual gravitam todos os planetas e satélites do universo?... Se tu és o único centro de atração de todas as pedras do cosmos?... Se és o único luzeiro do mundo para onde se voltam sempre todas as potências heliotrópicas das plantas sedentas de luz e calor?... Se és o único Norte que chama a si, com suave veemência, a agulha magnética de todos os seres pensantes?...

Era necessário que eu te possuísse, sob pena de me despossuir a mim mesmo e voltar ao nada...

Depois de muito pensar e sofrer, depois de muito lutar e errar, compreendi que o homem não pode possuir-te indo ao teu encontro rumo às alturas, mas que só tu podes possuir o homem demandando-o rumo às profundezas...

A única possibilidade de possuir-te é deixar-me possuir por ti. Só depois desta tomada de posse, divino-humana, é que é possível a tomada de posse humano-divina...

O homem só pode possuir-te depois de ser por ti possuído... Não pode subir a ti se tu não baixares a ele...

E foi por isto que “o Verbo se fez carne e habita em nós”... Humanizou-se para que nós nos pudéssemos divinizar... Veio, Senhor, a tua plenitude para encher a nossa vacuidade...

... Mas para que o homem enxergasse estas estrelas longínquas do teu céu, era necessário que se apagasse primeiro o sol do seu orgulho...

E como se apagaria o vasto incêndio do nosso orgulho se não com um oceano de lágrimas e de sangue, com um mar de sofrimentos?...

Compreendi a loucura da minha sapiência – e compreendi a sabedoria da tua “loucura”, Senhor...

A “loucura” da tua descida à terra, da tua homificação...

Abri mão de todas as minhas teses e hipóteses e sintetizei toda a minha sabedoria nestas palavras: minha vacuidade – e tua plenitude...

Abri um livro inspirado e li: “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes”.

Compreendi que tanto mais poderosa é a tuaatração quanto mais vácuo o meu ser, uma vez que o teu Tu é sempre infinita plenitude.

Compreendi que o meu ego tem de ser como um pólo totalmente negativo para que possa atuar o pólo do teu Tu sempre infinitamente positivo...

Vacuidade e humildade... Vacuidade e verdade... Vacuidade e fé...

Vacuidade e o silencioso clamor de minha alma... É um erguer de antenas na amplidão do espaço... É um olhar faminto para os castelos da tua opulência... É uma soluçante saudade do finito para o Infinito...

É uma nostalgia anônima, ardente, atroz, para algo de grande, de longínquo, de eterno...

E para que venha a mim esse teu reino, nada posso fazer da minha parte senão estabelecer dentro de mim esse grande vácuo, porque tu não enches o que está cheio, só enches o que está vazio...

A minha faminta vacuidade clamou por tuas plenitudes.

Nada de positivo posso fazer para atrair o teu presente, a tua misteriosa dádiva gratuita. Só posso fazer-me mendigo, mendigo absoluto, em face da tua infinita riqueza e liberalidade. Só posso erguer os olhos, estender as mãos vazias e esperar, esperar, esperar... Se quiseres deixar vazias estas mãos mendicantes, vazias ficarão para todo o sempre. Se as quiseres encher com teus dons, cheias ficarão de ti, por ti, para ti...

Entretanto, sei que não deixarás sem resposta a minha ansiosa expectativa... Onde quer que encontres uma humana vacuidade enchê-la-á com tua divina plenitude...

“Sacias de bens os famintos e despedes vazios os ricos”. “Exaltas os humildes e humilhas os exaltados”...

“Enches os vales e abates os montes”...

Quando o discípulo está pronto – o mestre aparece...

Por isto, quero ser vacuidade diante de ti, ó divina Plenitude! Uma vacuidade faminta...

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 104-109)