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O teu reino não é deste mundoO teu reino não é deste mundo

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 54-58)

O teu reino não é deste mundo

Querem os homens – humanos, por demais humanos – que o teu reino, Senhor, que no mundo está, seja também deste mundo.

Querem os homens provar com eruditos silogismos que a alma do teu Evangelho é compatível com o corpo do nosso mundo – deste mundo tão imundo...

Querem os homens demonstrar matematicamente que o espírito do Sermão da Montanha não é contrário ao espírito da nossa sociedade – desta nossa sociedade profana e sem espírito...

Querem os homens fazer do Cristianismo uma religião moderna, elegante, grã- fina – religião de salão e de palácio.

Reduzem a artísticas cruzinhas de ouro e madrepérola, para ornamento e vaidade, o tosco e sanguinolento madeiro que o teu Messias arrastou ao Gólgota.

Querem polir e envernizar esteticamente o símbolo da redenção, com medo de se ferirem em suas agudas arestas...

É assim que os cristãos entendem o seu Cristianismo – que não é o Cristianismo do teu Cristo...

Desde que o primeiro imperador pseudocristão tirou da noite trissecular das catacumbas a tua igreja e a levou da cruz aos salões, começou a decadência do teu reino, Senhor – do teu reino, não em si mesmo, mas entre os homens... O clima da tua igreja é o clima do Getsêmane e Gólgota – e fora deste clima não pode ela viver e prosperar...

Mais fatal é à tua igreja um ano de bonança que três séculos de tempestade... Tua igreja nasceu no campo de batalha – e não pode viver sem lutas...

Tua igreja é um oceano em perene agitação – e não um lago em pútrida estagnação.

Tua igreja é uma perene tempestade de Pentecostes – e não um salão de festa forrado de tapetes e guarnecido de poltronas...

O ambiente do teu reino é de alta tensão espiritual – ambiente de forja e de fornalha, temperatura de veemente incandescência interior...

Os cristãos, uma vez que no mundo devem viver, ao mundo se querem adaptar – para não parecerem imodernos e anacrônicos...

Mas, no momento em que o ferro em brasa sai da forja, começa a arrefecer ao contato da frialdade em derredor...

Nada existe mais incompatível com o mundo do que o Evangelho do Cristo... Quem assimilou a suprema loucura do Sermão da Montanha é imprestável para as sabedorias do mundo...

Pode o cristianismo atingir ao zênite da organização social, jurídica e hierárquica – e pode ao mesmo tempo o espírito do Cristo baixar ao nadir da decadência. O que é decisivo no Cristianismo não é a concepção política e humana, mas unicamente a concepção evangélica e divina. Cairão sobre os verdadeiros discípulos do Cristo todas as dores do mundo e todos os impropérios da sociedade – mas sobre sua cabeça e dentro de seu coração arderão as flamas do Pentecostes.

Do cristão genuíno nada espera o mundo – e do mundo nada espera o genuíno discípulo do Cristo.

... O cristão verdadeiro tem de ser necessariamente um revolucionário – sob a bandeira do maior de todos os revolucionários da história, o Nazareno, que “veio lançar fogo à terra”, ele, o Príncipe da Paz...

Não é possível a reconstrução do tempo divino da paz senão sobre as ruínas dos ídolos da política penumbrista e dos pérfidos aproveitadores da Igreja. Enquanto os degraus do altar servirem de trampolim aos Pilatos, Herodes, Caifás e Constantinos do presente século é impossível o triunfo definitivo do Evangelho do teu Messias, Senhor.

Por que é que milhares de espíritos sinceros, depois de lutas ingentes, depois de trágicas odisséias repletas de angústias e saudades de ti, Senhor, por que é que esses nautas não arribam enfim ao porto tranquilo da tua igreja?... Deixou, porventura, o cristianismo de ser o que foi?... Teriam contra ele prevalecido as portas do inferno?...

Não, o teu reino é eternamente o reino da verdade e da vida, do amor e da graça, da caridade e da glória – mas os sacrílegos exploradores da tua igreja repelem de ti milhares de almas sinceras que te procuram...

Uma sede imensa de redenção empolga a humanidade do presente século. Nunca creu o homem tão firmemente no seu pecado, na sua impureza, na sua imensa necessidade de redenção como hoje. Exaustos e malferidos viajores jazem à beira da estrada de Jericó, interrogando com olhares famintos os horizontes em derredor... Não faltam sacerdotes e levitas, impecáveis funcionários eclesiásticos – faltam bons samaritanos, faltam apóstolos, faltam discípulos do Cristo e arautos da Divindade...

As igrejas degeneraram, muitas delas, em sectarismo político – e o homem dos nossos dias tem horror a todos os fetiches, a todas as jaulas do corpo e da alma...

O homem do nosso século é essencialmente inclusivista e afasta-se de todo e qualquer gênero de exclusivismo...

A “alma naturalmente cristã” volta-se, com irresistível avidez, para o Sol, para o Cristo, para ti, Senhor – e foge de todos os lampiões e de todas as lanternas multicores com que os homens pretendem substituir o sol do teu Evangelho... Onde está, no cristianismo de hoje, aquela força titânica dos primeiros séculos? aquele jubiloso entusiasmo dos verdadeiros discípulos do Nazareno? aquela irresistível magia, aquela poesia virgem, aquela alvorada inédita, aquela arrasadora tempestade de Pentecostes, aquele onipotente ciclone que arrebatava as almas a alturas de infinita amplitude?...

Vejo igrejas, vejo almas piedosas que as frequentam, que crêem nos dogmas do seu credo e vivem a sua vida medíocre, burguesmente honesta e sofrível – mas onde estão os heróis do Cristianismo?...

Vejo lagos plácidos de águas estagnadas, águas mansas, mornas, inofensivas – mas onde estão as cataratas do amor e do heroísmo?...

Durante três séculos ratificaram os Césares do império romano a sentença de morte que Pôncio Pilatos, seu mandatário na Judéia, fulminou contra Jesus o “Cristo”; três horas esteve o Nazareno crucificado no Calvário, em pessoa; três séculos esteve ele crucificado por toda parte, na forma da sua igreja e, enquanto estava suspenso na cruz, como predissera, “atraía tudo a si”; tão irresistível era a atração do Crucificado que todas as legiões de César se provaram inermes e impotentes em face dele.

Sucedeu, então, à benéfica inimizade dos Pilatos a maléfica amizade dos Constantinos, que desceram da cruz a igreja do Nazareno, arrancaram-lhe das mãos os cravos e deram-lhe o cetro do poder mundano; substituíram a coroa de espinhos por uma coroa de ouro e pedras preciosas; em vez da púrpura sagrada do seu sangue redentor cobriram-no com a púrpura profana de Roma, e mandaram o Cristo sentar-se no trono da política e dos interesses mundanos, em vez de doutrinar os povos da cátedra divina da cruz.

E o teu reino, Senhor, que deste mundo não é, mundanizou-se nas mãos de homens que são deste mundo. Ficou-lhe, sim, pura e inalterada a alma – porque nenhuma potência do inferno pode adulterar a alma do teu reino – mas a tal ponto se mundanizou o corpo da tua igreja que dificilmente se pode descobrir-lhe a alma divina através desse corpo profano...

“Quando o Filho do homem voltar, será que encontrará fé sobre a terra?” – assim disse, um dia, o teu Messias. E esta dolorosa pergunta está esperando por uma resposta.

E esta resposta, qual será? Um jubiloso “sim”?...um horroroso “não”?...

Se os cristãos continuarem na sua infeliz tentativa de intoxicar o teu reino com a peçonha da política profana e dos compromissos interesseiros, teu Messias, quando voltar, não encontrará fé entre os homens...

Nós, todavia, esperamos por uma nova tempestade de Pentecostes – ainda que essa tempestade varra da face da terra a tua igreja e a lance novamente à silenciosa noite das catacumbas...

O que importa é que essa igreja seja tua... Que o teu reino não seja deste mundo... Que encontres fé entre os homens...

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 54-58)