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Como te revelas, Senhor Como te revelas, Senhor

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 74-78)

Como te revelas, Senhor...

Muitas vezes tenho lido e ouvido que tu, meu Deus invisível e sempre silencioso, aparecias e falavas aos teus arautos, que lhes revelavas grandes realidades que por si sós não descobririam jamais.

Aparecias-lhes nos cumes dos montes e na solidão do ermo, em sonhos e horas de êxtase, no bramir da procela e no sussurro da viração, no negror da noite e no fulgor de misteriosas labaredas.

Cuidava eu, nesse tempo, que essa tua presença fosse veiculada para dentro da alma do vidente pelas ondas luminosas ou sonoras de algum objeto externo, através da pupila, da retina, do nervo ótico; através do tímpano, do labirinto e do nervo auditivo; através de papilas sensitivas, dos gânglios e do cérebro, e assim chegasse tua revelação à consciência do arauto das tuas mensagens. Ignorava eu, nesse tempo, que “o teu reino está dentro do homem”, não apenas dentro desta estreitafaixa luminosa que a ciência chama “consciente”, mas também nessa vastíssima zona que se apelida de “inconsciente”.

Hoje sei – sei? entre-sei, pressinto, adivinho – que o que há de inconsciente, ou cosmo-consciente, dentro de mim é infinitamente grande, vasto, profundo, uma gigantesca treva ou penumbra que se alarga até os mais longínquos horizontes da minha realidade individual. Compreendi ou adivinhei que os extremos litorais do meu Eu inconsciente coincidem com o infinito, o ilimitado, o cosmos, desembocam em tua divindade, ó Ser sem limites. Por mais que eu caminhasse dentro dessa grande noite ou penumbra, por mais que a perlustrasse em todos os sentidos, por mais que lhe devassasse todas as latitudes, longitudes, altitudes e profundidades, nunca poderia dizer: aqui está a última fronteira do mundo ignoto! aqui termina a noite do meu vasto subsolo humano!...

Hoje sei que o meu inconsciente é o cosmo-consciente, que só para o meu pequeno ego é inconsciente.

Estreita réstia de luz atravessa, em certo ponto, essa grande escuridão, assim como um holofote projeta pela noite imensa estreita lâmina de claridade. De cada lado dessa faixa luminosa corre uma zona penumbral, tanto mais escura quanto mais distanciada do centro e, para além dessa meia-luz graduada, alargam-se, incomensuráveis e ignotas, trevas espessas...

Isto sou eu. Isto é o meu pequenino ser consciente. Isto é o meu grande ser- inconsciente ou semiconsciente.

E tu, meu Deus, quando te revelas ao homem, quando lhe falas, quando lhe apareces, vens sempre do interior dessa grande noite do inconsciente, e daí invades o crepúsculo matinal do semiconsciente ou a luz diurna do consciente. É esta a vasta “zona de invasão”...

Sim, o meu ignoto cosmo-consciente.

Tu te revelas de dentro de mim e não de fora de mim. Do meu Eu inconsciente para o meu Eu consciente. É nesta direção que eu te “vejo”, “ouço”, “sinto”. Mas como, por via de regra, na vida quotidiana as minhas experiências vêm de fora, através das portas dos sentidos, tenho a impressão de que também tu vens de fora, do mundo circunjacente, e não do meu mundo imanente.

Vens do meu cosmos humano – e eu te percebo como vindo do cosmos em derredor de mim.

Teu reino, disse teu Filho Unigênito, “não vem com aparato exterior, nem se pode dizer: ei-lo aqui! ei-lo acolá! – o reino de Deus está dentro do homem”. Tão intensamente luminosa é esta verdade que acaba em completa escuridão – aos nossos olhos de aves noturnas...

É mil vezes mais fácil transpor oceanos e subir Himalaias do que realizar esta grande viagem da periferia para o centro do próprio Eu, onde amanhece o reino de Deus... “O reino de Deus é alvo de violência, e homens violentos o tomam de assalto”... A maior “violência espiritual” de que é capaz o homem é esta, a conquista do Eu central através dos obstáculos do ego periférico...

Também, como poderia o teu reino, meu Deus, vir de fora, do mundo material, quando tu és o Ser mais imanente e central que imaginar se possa? Tu, o espírito puríssimo? O espírito anda por caminhos espirituais. O teu espírito não tem “ubiquação” local, é supralocal, extralocal, onipresente. Sendo espírito, revela-se por via espiritual através da vasta noite do Eu inconsciente, amanhecendo na silenciosa e tépida alvorada do Eu consciente...

Assim és tu – e assim é que te revelas aos homens. * * *

Perguntam os homens onde está o teu céu e o teu inferno. Dizem que o céu está em cima, e o inferno está embaixo.

Não têm razão quando entendem esse “em cima” e esse “embaixo” em sentido material – têm razão quando o entendem em sentido espiritual.

O teu céu está sempre rumo às alturas, rumo à luz, rumo à pureza, rumo ao espírito – e o teu inferno (que propriamente não é teu!) está sempre rumo às profundezas, rumo às trevas, rumo a todas as coisas antiespirituais e antidivinas.

O teu céu e o teu inferno não são lugares, no sentido comum do termo, são estados da alma, atitudes do espírito, perspectivas retas ou falsas do Eu. Estou no teu céu ou no teu inferno quando estas coisas, divinas ou antidivinas, estão dentro de mim, em estado latente, agora – em estado manifesto, no mundo futuro.

O reino de Deus e o reino de Satã estão dentro do homem. E aonde quer que o homem vá, leva consigo o seu céu ou o seu inferno. Não é a morte que me leva ao céu ou ao inferno – é a vida. Não pode a não-vida fazer de mim o que de mim não fez a vida. A morte apenas revela às claras o que a vida fotografou às escuras, na lâmina sensível da alma. Se em vida proclamei dentro de mim o reino de Deus, não pode a morte estabelecer dentro ou em torno de mim o reino de Satã. Mas se a vida acendeu dentro de mim um inferno – como poderia a morte levar para o reino do céu esse reino do inferno dentro de mim?...

A tua revelação ao reino do meu consciente só pode vir através da zona do meu reino cosmo-consciente, embora este seja ego-inconsciente. É esta a “zona de invasão” divina – como pode ser também a “zona de invasão” diabólica...

Elementos divinos atraem a Deus – elementos luciferinos atraem a Lúcifer. Eu serei amanhã o que sou hoje – ninguém se pode tornar o que não é... Não pode desabrochar em flor o que não existe em botão...

Não pode despertar para o estado atual o que não dormita em estado potencial...

Para que algo exista é necessário que algo preexista...

Revelar é tirar o véu, tirar o véu de algo que estava velado – mas esse “algo” já existia, ao menos em germe, sob o véu. Deus se revela ao homem que já tem Deus em si – embora seja talvez um “deus desconhecido”, um deus ignoto, velado por uma grande saudade espiritual, uma nostalgia longínqua, um tormento metafísico, uma profunda insatisfação no meio das satisfações, uma vontade imensa de romper as estreitas barreiras do ego e transfundir-se em algum Tu bastante vasto e forte para receber essa grande inundação...

Todos os Saulos e Agostinhos, todas as Madalenas e Samaritanas que dentro de si tenham esse “Deus em botão”, podem presenciar uma jubilosa “floração de Deus” dentro de si... Mas nenhum fariseu interiormente estéril e satisfeito consigo mesmo pode viver uma revelação divina dentro de si – por mais abundante que seja a folhagem das suas pretensas “boas obras”...

Revela-te, Senhor, em mim, para que, através de mim, eu te revele aos homens nos quais estás brotando às ocultas – e eles florescerão às claras ao sol da tua grandeza e do teu amor...

No documento Huberto Rohden - Deus.pdf (páginas 74-78)