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859 Ibd.,p. 23 860 Ibd.,p.47

Avançando pelo Reino de Tigrei, percorrem vastos planaltos e pequenos

vales861, embora não deixem de passar por montanhas. Mas na entrada do território

governado pelo Tigremahon862 começam a calcorrear caminhos ainda mais

íngremes863, onde se erigem mosteiros. Trata-se das Ambas, nome dado às serras da

Abissínia, de encostas escarpadas e a pique e pequenos cumes planos ou vastas

esplanadas elevadas, constituindo umaespécie de fortalezas naturais864. Este tipo de

paisagem é bem ilustrada por Francisco Álvares na seguinte passagem: «Junto dêste lugar [Maluche no senhorio de Abacinete] está uma serra mui alta e não larga pelo pé, porque tanto será de largo em cima, como em baixo, porque tôda é talhada como muro, de fraga direita, tôda calva, sem nenhuma erva, nem verdura, de nenhuma cousa.»865.

As altas serranias de Tigrei alternam com montes e veigas que correm entre os sopés das serras ou terras chãs. O mesmo se verifica no reino de Angote, em que às zonas planas parecem suceder-se «mui bravos caminhos e serras» nas quais parte da bagagem tem de ser deixada, assim comos os camelos que a traziam, pois, como afirma o autor«(...) não podiam mais ir pelas bravas serras que tínhamos de passar e nós a grande trabalho passámos (...) uma serra que em muitos lugares íamos a pé, em pés e mãos como gatos. Passando êste mau caminho no cimo da serra, ainda entre

serras, são umas coladas, quási terra chã(...)»866. O autor depara-se, pois, com uma

terra montanhosa, entrecortada pelas várzeas banhadas por ribeiras, que durante a estação seca servem de caminho, rodeadas de altas serras, práticamente inacessíveis.

Todavia, penetrando a expedição no reino de Amarâ, a orografia parece mudar:« (...) e, dando fim ao vale, (...) começámos achar terra de matos e pedregais, não de serras mas de pequenos vales (...).[chegando a uma grande lagoa] Daqui

caminhámos bem quatro léguas, por matos e atoleiros, terra de (...) muitas águas.»867

Neste reino percorrem campinas alagadas, utilizadas como pastagens e paúis

infestados de mosquitos868 até a uma dramática mudança de cenário deparando «(...)

861 Ibd.,p. 75

862 Vide,Cap.III,

863 «(...)começámos aqui entrar entre mui altos picos que parecem que sobem ao céu (...)e todos aqueles, que subir se podem, pôsto que há perigo, todos têm ermidas em cima(...)vimos ermidas que não podíamos terminar por onde poderão ir a elas.», Álvares, op. cit.,p. 83

864 Vide,Kurt Krause, «os Portugueses na Abissinia», Segunda Parte in, Boletim da Sociedade de Geogrphia de

Lisboa, nºs 3-4, 32ª Série, Lisboa, Março-Abril de 1914, p.85

865Álvares, op. cit..,p. 99 866 Ibd.,p. 126

867 Ibd., pp.159/160

868 Ibd.,p. 163. Sobre as campinas comenta o autor: « Indo por estas campinas que a vista não via outra cousa, parecia-nos que já éramos mareados e fora de serras.», Ibd.,p. 167

para a parte do Levante (...)[com] as mais bravas serras e fossas fundas descentes

aos abismos, as mais que homens nunca viram, nem se pode crer sua fundura.»869.

Agora o trajecto segue, depois de abandonar os leitos das ribeiras, por entre as inclinadas vertentes e assustadores desfiladeiros, ladeados de fundos precipícios. Os viajantes franqueam apertadas passagens naturais870, entre a rocha, nas quais são

colocadas portas e onde se pagam direitos de passagem871.

Depois da arrepiante travessia e de cruzarem outra passagem (a única possível) cerrada por portões onde se pagam direitos, entram no reino de Xoâ onde deparam com outro tipo de paisagem: «Fora destas portas fomos dormir a uma campina(...). Já ali não aparecia cousa nenhuma das valuras, fossas e fragas(...) antes

tudo parecia campina, daquém e dalém, sem haver no meio cousa nenhuma.»872.

Para além da paisagem que marca e condiciona o viajar da embaixada portuguesa até ao Preste, Álvares não deixa fazer referências, embora de forma mais sucinta, à orografia de outras regiões que vislumbra ou por onde passará durante a sua prolongada estadia. Assim na fronteira do reino de Angote com o de Tigrei , perto do reino dos mouros dobas, «Tem dois altos cabeços e sempre em êles tem vigias, porque daí avante é terra de mouros. São grandes campinas pôsto que de arvoredo e serão bem duas léguas e logo serranias em que os mouros vivem.»873.

Junto a essa região fica a capitania de Janamora « tudo serranias»874. Na parte oeste

do reino de Angote fica a terra de Abugima, «(...) de mui altas serras e terra mui fria(...)»875; por sua vez na terra de Gorage onde passam a Quaresma com a corte, parece haver uma zona de campina. De igual forma sobre o reino de Fategar (na fronteira do reino mouro de Adel), onde Álvares também esteve com a corte, afirma

869 Ibd.

870 Também no reino de Tigrei, depara a expedição com este tipo de passagens: « No cimo deste vale está uma mui alta subida (...). No viso dela está um muro velho em que está feição de portas, como que guardavam em outro tempo aquêle passo, e guardando-se segundo é a braveza das serras que os da terra dizem que em mais de vinte léguas a uma nem a outra parte não há outro passo e, bem parece ser assim, pela muita gente que aqui corre.»Ibd.,pp.111/112 871 «Saindo da porta entram como em fundo vale, mais que uma lança de armas, piçarra de uma e da outra parte erguida para cima como gume de espada que faz esta valura e êste vale. A altura das bandas terá de comprido dois jogos de malhão em tanta estreitura que homem não pode ir a cavalo e as mulas vão roçando os estribos de ambas as partes e tão funda que desce homem em pés e mãos e parece isto feito artificialmente. Saindo desta estreitura caminham por um espigão que será de quatro palmos, e, para um cabo e pera outro (...), tudo piçarra que não é para crer,(...) e, se não vira passar nossas mulas e gentes, afirmara cabras não passarem por ali seguras e assim lançámos por ali nossas mulas como quem as lança a perder e nós em pés e mãos após elas pela rocha abaixo sem haver outro caminho. Dura esta grande aspereza um tiro de besta e chamam-se estas Aquia Fagi, que quere dizer morte de asnos.(...) Passámos estas portas muitas vezes e nunca as passámos que não achássemos bêstas e bois mortos que vem debaixo para cima que não podem subir e outros que de cima escorregam abaixo.», Ibd.,pp.168/169

872 Ibd.,p. 170 873 Ibd.,p. 117 874 Ibd.,p. 122 875 Ibd.,p.127

o autor: «(...)o que dele vimos assim de da entrada como de saída tudo é mais campina que serrania, seja, pequenos e baixos outeiros(...). Desta campina há grande vista e parece um grande outeiro (...), mas tudo arvoredo e terra aproveitada; (...)» 876.

Nos limites do reino, as regiões montanhosas inóspitas e insalubres e sem acessos servem de desterro aos inimigos do imperador: uma agreste montanha no limite do reino de Adel, a sudeste, ou a alta e gelada serra no reino de Damute, a sudoeste877.

Notícias do reino mouro de Adeâ chegam também a o P.e Francisco:«(...) diziam ser um reino mui frutífero e de grandes arvoredos em tanta maneira que não

podiam caminhar sem cortarem árvores e fazerem caminhos.»878 No resumo

apresentado ao arcebispo de Braga no final do seu volume, Álvares sumariza de forma objectiva as características essênciais da paisagem etíope: «Há aí terras muito chãs em algumas partes e em outras montanhosas e contudo são terras frutíferas. Não há nenhumas serras nevadas e contudo grandes geadas, especialmente nas terras chãs.»879

As indicações que Pêro Pais nos dá sobre a orografia da Etiópia, são mais esparsas, embora ao longo da sua história aluda à paisagem a propósito das muitas deslocações que ali efectuou. No entanto, nas poucas descrições que nos legou, verifica-se uma idêntica notação dos acidentes orográficos e dificuldades dos caminhos.

Assim quando descreve o sopé da serra de Guixêm no território de Amharâ, refere os seus «muitos altos e baixos»; para oriente ficariam os elevados montes de

Habelâ em primeiro plano e em segundo a serra de Acêl 880; menciona igualmente

«asperas serras» no reino de Tigrei: na região do convento de Aleluia »(...) tudo a

roda são serras altas e montuosas; (...)», intercaladas por vales881; a norte de Dambiâ

a provincia de Cemên «(...) he de serranias as mais altas e asperas q há quasi em quantas terras senhorea o Preste João e por estremo frias(...)»882; já em relação ao reino de Dambiâ, o autor menciona os seus campos «muy grandes e formosos»

876 Ibd.,p. 315

877 « (...) que ali mandavam os homens que logo haviam de morrer.», Ibd.,pp. 337/339 878 Ibd.,p. 340

879 Ibd.,p. 424

880 Pais, op. cit., Vol. I, p. 70 881 Ibd.,Vol.II, p. 209 e Vol. III, p. 22 882 Ibd, Vol. Vol I, p. 227

dominados pela lagoa883. Sobre o reino limítrofe de Nareâ, informa-nos através da descrição de viagem do P.e António Fernandes, do carácter acidentado de certas zonas do seu terreno, com «(...) decidas muy asperas(...)» chegando a expedição a ficar em « (...) lugar m.to fundo, cercados de serras muy altas, e montuosas, sem

saberem por onde pudessem sahir.»884

Percalços no caminho devidos às dificuldades da orografia etíope havia sofrido bastantes o P.e Francisco Álvares, como neste exemplo em que nos relata o difícil caminho por si percorrido para visitar a igreja dentro de uma gruta nas serras do reino de Angote:

« E para sôbre a lapa subirá a serra bem duas léguas e eu as andei e me queria finar nelas da mui grande subida, valeu-me Deus com gram frio que fazia. E eu atado a uma corda e um escravo forte a puxar por ela me ajudava a subir e outro detrás que tangia as mulas, porque as não levava diante por mêdo de não caírem em cima de mim. Partimos ante manhá e era meio dia e não acabava de subir a serra.»885

Com efeito uma constante na evocação da paisagem é o seu relacionamento com as dificuldades e obstáculos que surgem no caminho, e que devem ser transpostas pelo viajante886, o que não deixa de conferir um interesse especial à narrativa pelo elemento de estranheza e perigo que introduz. De facto, um dos tópicos recorrentes relativos à paisagem africana é o da enormidade dos obstáculos naturais e do sofrimento dos viajantes na tentativa de os superar.

Tópico este também presente em Pais e na sua experiência nos duros caminhos da Abissínia, e que contribuirá para exacerbar o sentido de abnegação cristã inerente à sua missão, quer quando da sua entrada na Etiópia887, quer seja a caminho do mosteiro de Aleluia, em Tigrei, do qual nos diz «(...) he [o mosteiro] muito fora de caminho; e mato tão basto q hindo eu lá co levar gente daquella terra q