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468 Jean Aubin, op cit.,p.207 469 Vide, Ibd., pp. 196/197 470 Jean Aubin, op cit.,p. 196

471 Sobre a importância do Prólogo nas obras quinhentistas vide, Fernando Cristovão, «O incipit e o explicit nos diários e relações de viagem, e as razões da escrita da Expansão» in , Maria Alzira Seixo et al.(org), A Vertigem do

Oriente..., pp.17/28

numerosas interferências, especialmente fortes na época, em detrimento do papel central do autor, que medeiam o processo entre a execução do manuscrito e a sua impressão, continuando as obras sujeitas a adições, supressões, modificações mesmo depois de impressas473.A ligação autor /texto nessa época é relativamente frágil, assistindo-se à reelaboração contínua do material escrito, não se submetendo as reproduções impressas (ou as cópias dos manuscritos, como aliás vimos) a uma averiguação de fidelidade ao original, desviada por numerosos obstáculos no do processo de impressão: dificuldades do texto, acrescentamentos, correcções, traduções que são adaptações, censura institucional, e outras supressões. A obra do P. Francisco Álvares parece ter, pois sofrido as contingências da época. Daí a existência de três prólogos.

O prólogo mais antigo parece ser o do manuscrito encontrado na Biblioteca do Vaticano. Nele Álvares, que se apresenta como «padre de missa e capelão do Rei D. Manuel»474 e nativo do desconhecido castelo de Franchosa, propõem-se «(...) descrever tudo que a me aconteceu na viagem(...). Se Deus me der vida, farei um livro em partes, ou seja, a viagem e partida de Portugal até à nossa chegada à terra

do Preste João, e desde nossa entrada nessas terras até à nossa partida, assim porei

eu por escrito uma descrição e um livro.»475 Copiado ou do punho do próprio

Álvares, esta passagem parece justificar a tese da existência de um primeiro capítulo suprimido pelo possível encarregado da impressão da obra ou até pelo próprio autor, «(...) fosse por sugestão da Corte portuguesa(...), fosse por qualquer outro motivo

ignorado.»476

A edição de Ramúsio apresenta outra versão do prólogo, um pouco retocada, mantendo os protestos de veracidade e honestidade na descrição, mas omitindo, por exemplo, a constituição da obra. «Cette deuxième préface(...) n’est plus conçue pour introduire la relation complete des voyages du P. Álvares.(…) elle est destine à presenter la partie qui traite du séjour chez le Prêtre Jean, partie que seule l’auteur

pouvait espérer faire diffuser au Portugal.»477 Também esta parte do texto foi

473 Cf. Rui Manuel Loureiro, op. cit., p. 16 p. 104

474 Esta designação apontaria então para a sua redacção na Etiópia e antes de Abril de 1523, data da

morte de d. Manuel; mas coloca-se a questão se Álvares seria já nesta época capelão real.

475«Preface by Alvares» [retirado do Cod. Ottob.Lat. 1104] in, The Prester Jonh of the Indies- A True Relation of the

Lands of the Prester Jonh...., the translation of Lord Stanley of Alderley, revised and edited with additional material

by C. F. Beckingham and G.W.B. Huntingford, 2 Vols. Cambridge, for the Hakluyt Society at the University Press, 1961, p. 33 [tradução livre da autora]

476 Vide A A Banha de Andrade, op cit., p. 312. Esta é também a opinião de Jean Aubin, op cit, pp. 197/198

suprimida da edição “oficial” impressa em Portugal. E, no entanto, não falta igualmente um prólogo a essa edição de 1540. Apenas é notoriamente diferente dos acima referidos e parece indiciar outra voz.

Este Prólogo de 1540 é dedicado «a el-Rei Nosso Senhor muito alto e muito

poderoso príncipe»478, e evoca o seu favor para a obra, pois, «(...) além do Bispo de

Lamego a isso me incitar, Vossa Alteza me mandou que a imprimisse dizendo que disso levaria contentamento que para mim foi grande mercê, e dou por isso muitas graças a Deus, pois com êste começo me vieram outros em cuja esperança de bom

fim, bemaventurados fins espero.»479Se este texto foi preparado especificamente para

esta edição, Álvares já teria falecido em Itália. Mais curioso se apresenta o seguinte trecho:

« E como eu Senhor sempre dês que sou seu foi meu desejo endereçado a seu serviço para com êle trazer algum fruto, pôsto que me faltem as fôrças não me falta a vontade, com a

qual fui a Paris buscar estampas, caratules de letras, oficiais e outras cousas convenientes à impressão, as quais não são de menos primor e qualidade, que as de Itália, França e Alemanha onde mais a arte floresce, como Vossa Alteza pode ver pela obra que tenho assentada nesta cidade, e não com pequeno contentamento por me parecer que Vossa Alteza nisto leva gôsto, como se mostrou pelas mercês que me tem feitas e espero que me faça.»480

Os autores que temos vindo a citar atribuem a sua autoria ao impressor de Lisboa, Luís Rodrigues, baseando-se não só no estilo diferente da escrita, como na afirmação da deslocação a Paris para adquirir o material tipográfico481. Por outro lado, o prólogo faz referência à obra/oficina que tem na cidade e a afirmação da importância da mercê real para a produção das suas obras remete-nos para o

impressor. Vimos já a estreita ligação da imprensa com o poder institucional482 e de

facto no rosto da obra, o impressor Luís Rodrigues intitula-se «livreiro de sua

478 Álvares, p.5

479 Ibd.

480 Ibd.,p.6. O itálico é nosso.

481 Vide,C. F. Beckingham , «Francisco Alvarez and his book on Ethiopia», in Between Islam and

Christendom...,Texto XII,p.8 e Jean Aubin, op cit, p. 196. A A Banha de Andrade divide-se quanto à autoria entre o

impressor e o bispo de Lamego, op cit.,p.310

482Como também refere Ana Isabel Buescu, «A imprensa é com efeito um instrumento de alcance relativamente limitado no Portugal moderno, num quadro em que dificuldades de vária ordem condicionam fortemente a actividade editorial: desde logo, dificuldades na aquisição dos seus factores de produção (...), há que sublinhar a importação dos carácteres metálicos(...) que se prolonga por mais de dois séculos(...). Em suma “a nobre arte da imprimissão“ implicava recursos económicos apreciáveis, o que ajuda a explicar o seu uso privilegiado pelos poderes (...)», « A Persistência da cultura manuscrita em Portugal nos séculos XVI e XVII» in, Ler História, nº 45, Lisboa, ICTE, 2003,

altesa.»483. Luís Rodrigues trabalha pois sob a égide real e do seu círculo mais próximo, de que fazia parte o dito bispo como atestam a palavras que podem aludir à sua função (compõe as palavras que se transformam em textos) e à sua dependência da Corte: «E se Vossa Alteza algumas palavras neste livro achar que lhe não contentem, lembre-lhe que os homens de cá fora somos senhores das palavras e os

príncipes são senhores das obras e da fortuna.»484

Outra modificação sofrida pelo texto original de Álvares deverá ter sido o acrescento do treslado das cartas do Preste para os monarcas portugueses e o curioso relatório que resulta da resposta às questões postas pelo arcebispo de Braga, D. Diogo de Sousa, sobre os costumes abexins, entitulado:«Perguntas que o senhor D. Diogo de Sousa, (...), fêz a Francisco Álvares, capelão-del-Rei Nosso Senhor de algumas cousas particulares da terra do Preste João, além das que o dito (...) tem escritas em seu livro (...)»485, cujo registo, de resto, não teria sido da autoria do autor, uma vez que vários dos seus parágrafos se iniciam com o verbo dizer flexionado na terceira pessoa, afirmando Álvares que «(...) Sua Senhoria tudo mandava escrever(...)»486.

Todos os factos que temos vindo a referir condicionaram a obra que a partir da edição portuguesa de 1540 chegou até nós e serve de base ao presente trabalho. Com efeito, e como os autores que nos têm acompanhado referem, a sua estrutura é um tanto confusa. A primeira parte consideravelmente maior do que a segunda (142 capítulos) e intitulada «Começa-se o tratado da entrada da terra do Preste João», inicia o seu primeiro capítulo fazendo aparentemente alusão uma parte da obra omissa:« Porque digo que vim com Duarte Galvão, que Deus haja, (...), e cessou sua embaixada no tempo que Lopo Soares era Capitão-mor e Governador das Índias,

como largamente já tenho escrito e aqui deixo de escrever por não ser necessário,

escreverei o que necessário é.»487

Esta primeira parte finaliza com a fórmula «Laus Deo» o que parece indicar o fim do texto, como refere Banha de Andrade488. A segunda parte inicia-se com a fórmula «IN NOMINI DOMINI AMEN» e intitula-se «Conta-se nesta parte o caminho que se fêz da terra do Preste João para Portugal». Contém apenas nove