• Nenhum resultado encontrado

484 Ibd.,p.7

485 Ibd.,pp. 415/416 486 Ibd.,p.415 487 Ibd., p.9

capítulos e termina de forma abrupta no relatório apresentado ao arcebispo de Braga, sem qualquer espécie de nota conclusiva, referindo a criação de poldros nas estrebarias dos senhores abexins. A última informação que temos sobre a demanda do nosso autor é a doação que recebeu do benefício em Braga :«(...) Sua Alteza me fêz mercê dele e com sua apresentação me mandou ao Arcebispo que me

confirmasse(...)»489e as questões colocadas por este.

Também não deixa de ser curioso o título completo da edição portuguesa: Ho

Preste Ioam das Indias / Verdadeira Informaçom das terras do Preste / Ioam / segundo vio e escreveo ho padre F. A. Capellã del Rey nosso / senhor. Agora novamente impresso 490por mandado do dito senhor em casa de Luiz/ Rodriguez\ livreiro de sua alteza.491 Teria havido uma primeira edição desconhecida ou ter-se-

iam feito simplesmente provas ? 492 Questões que ficam por ora sem resposta.

Seja como for a edição conhecida em português, que saiu dos prelos no referido ano, «It is in a gothic type of a kind that had by then become unfashionable in many countries and it is not easy to read. Misprints are numerous, punctuation is very inadequate and often manifestly wrong and the style is in places extremely

obscure.», segundo a caracterização de C. F. Beckingham493. A folha de rosto por

cima do título apresenta uma estampa que ilustra um cortejo de cavaleiros, um dos quais com o pavilhão real português, saindo de uma cidade muralhada. Também ela se presta a várias interpretações, identificando alguns autores a figura do cavaleiro principal com o embaixador Duarte Galvão ou com D. Rodrigo de Lima ou ainda com o próprio autor, entrando na corte abexim, ou saíndo, por exemplo, de Cochim;

ou ainda com um monarca português, sendo a cidade, Lisboa494.

No verso do quinto fólio apresenta ainda o seguinte texto:

489 Álvares, p.415

490 O sublinhado é nosso.

491 António Joaquim Anselmo, Bibliografia das Obras impressas em Portugal no século XVI, Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional. 1926, p. 294

492 Segundo C. F. Beckingham uma versão teria sido preparada para impressão em 1532; como afirmámos acima,também Jean Aubin afirma a existência de uma versão por volta da mesma época. Cf., C.F. Beckingham, «Introduction» in, The Prester Jonh of the Indies- A True Relation of the Lands of the Prester Jonh...., the translation of Lord Stanley of Alderley,p. 8 e Jean Aubin, op cit., pp.189/200

493 C. F. Beckingham, op cit.,Texto II, p.4

494 Cf. A A Banha de Andrade, op cit.,p. 311; J. M. Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, op cit., vol.I, p.p. 358; Inocêncio Francisco da Silva e Brito Aranha, Diccionario Bibliographico Portuguez, Vol.1a 23, Ophir, Biblioteca Virtual dos Descobrimentos Portugueses, nº 9, Lisboa, Comissão Nacional para as comemorações dos

A honra de deos e da gloriosa Virgem Nossa Sñra se acabou ho livro do Preste Ioã das Indias em q se conta todos os sitios da terras e dos tratos e commercios d’ellas e do q passara na viagem de dom Rodrigo de lima q foy mandado de Diogo lopez de sequeira q entam era governador da india: e assi das cartas e presentes q o Preste Ioã mandou a el Rey nosso senhor, cõ outras cousas notaveis q há na terra. Ho qual vio e escreveo ho psdre Frâcisco alvarez Capellã del Rey nosso senhor com muita diligencia e verdade. Acabou-se no anno da encarnaçom de nosso senhor Iesu Christo ahos vinte e dous dias de Outubro de mil quinhentos e quarenta annos. 495

A despeito das vicissitudes queo autor e a obra terão conhecido, esta suscitará considerável interesse dos seus contemporâneos como comprovam as sucessivas edições e traduções das suas versões impressas, tornando-se no dizer de Luís Filipe Barreto«(... ) a mais divulgada descritiva de viagem terrestre da cultura dos

descobrimentos portugueses.»496.

Conhece traduções em castelhano: em 1557, em Antuérpia, por Fr. Tomás de Padilha com o título Historya de las cosas de Etyopia, en la qual se cuenta muy

copiosamente el estado y potencia del Emperador della, reeditada em 1561 em Saragoça pelo livreiro Miguel de Selves (por vezes incorrectamente identificado com o tradutor desta edição) e mais uma vez em Toledo, em 1588. As traduções em francês surgem em 1556 por Jean Temporal em Antuérpia e Lyon a partir da edição de Ramusio; em 1558, duas edições em Antuérpia, respectivamente por Cristovão Plantin e Jean Bellère; nova impressão em Paris, em 1674 e a versão de Jean Temporal reeditada em 1830.A versão em italiano foi integrada na obra já referida de Ramusio, Navigationi e Viaggi, Vol. I, de 1550 (Veneza) com reedições em 1554, 1563 e 1588. Em língua alemã aparecem as traduções de 1566 (Eisleben) e 1567 (Frankfurt). Em inglês surge integrada na colectânea de Samuel Purchas, Pilgrimes, Parte II, Londres, 1625. Todas estas edições tiveram como base a edição portuguesa ou a italiana.

Depois do sucesso inicial e de um longo silêncio a obra parece redespertar no final do século XIX. Em 1881 aparece uma nova tradução em inglês, Narrative of the

Portuguese Embassy to Abyssinia during the years 1520-1527, utilizando a versão portuguesa e a versão espanhola de Padilha, levada a cabo para a Hakluyt Society por

495 Vide, António Joaquim Anselmo, op cit, p. 249 e Inocêncio Francisco da Silva e Brito Aranha, op cit., p.358 496 Luís Filipe Barreto, op cit.,p.56

Lord Stanley of Alderley, versão essa, revista e anotada em 1961, por C. F. Beckingham e G.W.B. Huntigford, recuperando informações das edições

portuguesas, italianas e dos manuscritos do Vaticano497.

Também em Portugal, novas edições só se fizeram em 1889 (edição da Imprensa Nacional, conforme a edição original). Em 1943 conhece nova edição da Agência Geral das Colónias, prefaciada e actualizada na grafia e pontuação por Augusto Reis Machado, com correcção de alguns erros de impressão, assim como a numeração dos capítulos da 1ª parte, por se repetir o capítulo XXXV. Segue a edição de 1889, cotejando a de 1540; em 1966 o Centro de Estudos Ultramarinos procedeu à tradução para amárico por Girma Beshah e Merid Wolde Aregay da edição de 1943 com prefácio em inglês por A. da Silva Rego. A edição de 1943 foi novamente impressa em 1974 numa reprodução fac-similada pela Agência Geral do Ultramar. De referir ainda duas edições no âmbito das comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos em 1989: uma publicada pela Europa –América, com introdução de Neves Águas; outra na colecção dirigida por Luís de Albuquerque, publicada pela Alfa, com actualização do português por Maria da Graça Pericão.

À falta de uma edição crítica que tivesse em conta as problemáticas das diversas versões e a fixação do texto, o que não foi feito até hoje, optamos por seguir a edição mais próxima do original português e ao mesmo tempo mais recente, ou seja a mencionada edição de 1974.

Debrucemo-nos agora sobre a estrutura e conteúdo da versão de 1540 da

Verdadeira Informação... Esta consiste na sua primeira e mais extensa parte num tratado sobre a viagem no interior do reino do Preste e na consequente descrição dessas paragens, incluindo a narração das experiências do autor durante a sua permanência, tendo essencialmente um caracter de itinerário terrestre. Todavia apresenta uma heterogeneidade de conteúdos, característicos desta literatura produzida durante a Expansão Portuguesa, o que lhe confere um carácter híbrido. Com efeito, segundo Luís Filipe Barreto, esta obra «(...) não é representativa das constantes máximas da ordem discursiva da viagem terrestre», na medida em que a

497Vide,A A Banha de Andrade, op cit, pp.318/320; Luís de Albuquerque, Os Descobrimentos Portugueses, p. 201 ; Luís Filipe Barreto, op cit, p. 42; C. F. Beckingham, «Francisco Alvarez and his book on Ethiopia» in, Between

Islam and Christendom...,Texto XII, pp1/11; Jordão de Freitas, «Literatura de Viagens» in História da Literatura

Portuguesa Ilustrada, Albino Forjaz de Sampaio (dir.), Vol III, Lisboa, Aillaud e Bertrand, 1929 p. 50; Marília dos

conjuga com um «desvio exteriorizante», ou seja com uma narrativa de viagem marítima de regresso a Portugal e deslocação da embaixada a Coimbra, sumarizada na segunda parte da obra, onde é sublinhada a «(...) ressonância diplomática e cultural das embaixadas do Preste João(...)» junto ao rei português. Por sua vez a «(...) dominante narrativa de viagem terrestre (...) em constante metamorfose acaba por ser também um tratado local descritivo e mesmo uma geografia

historizada(...)»498.Como refere Francisco Bethencourt499, nela podemos também

encontrar uma combinação das características de um diário com as de memórias de viagens, adoptando-se frequentemente o sistema das entradas diárias ou devidamente assinaladas no tempo. Assim, Francisco Álvares não se reduzio ao relato da viagem «(...) enquanto deslocação, (...)[mas]também ao que, por ocasião da viagem pareceu digno de registo: a descrição da terra, fauna , flora, minerais, usos, costumes, crenças e formas de organização dos povos, comércio, organização militar, ciências e artes,

bem como os seus enquadramentos antropológicos, históricos e sociais(...)»500.

Porém se a obra de Álvares se pauta pelo percurso pelas terras da Etiópia501, a

sua sequência narrativa não se subordina inteiramente à progressão temporal e espacial, apresentando uma descontinuidade, característica das obras da época.

A narrativa da progressão minuciosa, assinalada pela referência ao dia, mês, ano, por vezes à hora e ao calendário litúrgico, é interrompida quando vem a propósito algum episódio ou descrição, conduzindo o leitor em incursões por factos que ainda estão por acontecer (uso de prolepses), como é o caso do episódio da

praga de gafanhotos em Baruá502ou da descrição de Aquaxumo, onde os portugueses

estanciariam durante oito meses503 ou ainda a visitas do monarca abexim ao Mosteiro

de Brilibanos504. Outras vezes o leitor retorna a um ponto temporal já passado (uso

da analepse) ilustrada pelo relato da celebração da Quaresma na corte do Preste, instalada junto da terra de Gorage505 ou da vitória do Preste sobre o rei mouro de Adel506e a história dos peregrinos abexins a Jerusalém, vítimas de um ataque dos

498 Luís Filipe Barreto,«As grandes obras portuguesas de carácter geográfico» in, Portugal no Mundo, Vol. III, Lisboa, Alfa, 1989, pp. 56/57

499 Francisco Bethencourt, «O Contacto entre povos e civilizações» in, História da Expansão Portuguesa, Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dir.), Vol.I, p.96; Audrey Bell refere-o mesmo como «encantador diário de viagem», A Litratura Portuguesa, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1931, p.289

500 Fernando Cristovão, op cit., p. 35 501 Ana Paula Avelar, op cit., p. 225 502 Álvares, op cit.,pp.76/79 503 Ibd., p.86 e ss.

504 Ibd., p.171 e ss. 505 Ibd.,p. 305 e ss. 506 Ibd., p. 317 e ss.

mouros507. A progressão temporal, nesta obra é acompanhada por uma progressão no espaço, que o autor se preocupa em descrever, em anotações de teor geográfico, físico e antropológico, inseridos em momentos de pausa da narração da viagem.

Vejamos então como o autor estruturou a sua narração: a primeira parte inicia-se, pois, com a chegada à ilha de Maçuá, os primeiros contactos e a passagem a terra firme, Arquico, de onde partem até ao Mosteiro de Bisão. Aí verifica-se uma espécie de “pausa” de teor descritivo da região em causa, seus habitantes, flora e fauna.

Retornando às peripécias da viagem, a embaixada chega a Baruá, onde se verifica novo “parênteses descritivo“; depois segue para Barra e onde o autor introduz uma nova descrição; daí continuam a acidentada viagem com paragem em vários locais. A propósito dos locais onde passa, o P. Francisco Álvares, vai narrando sucessos ou procedendo a pequenas anotações ou descrições mais detalhadas (como é o caso das igrejas de Lalibela ou da serra onde vivem os parentes do Preste), até alcançarem a corte do Preste. Os capítulos em que se narram os sucessos ali passados e se descreve o seu funcionamento, não estão concentrados no mesmo espaço físico, pois a corte é itinerante.

Seguidamente chega o momento da partida e a tentativa gorada de chegar à costa a tempo de alcançar a armada portuguesa. A partir deste ponto a lógica narrativa de itinerário e seu encadeamento temporal é interrompida. O autor, permanecendo por mais seis anos na nação abexim, narra várias deslocações e estadias na corte; episódios da política interna abexim; situações mais relevantes ou pitorescas. Procede a uma descrição aturada de aspectos tidos como significativos (como a organização do arraial Imperador). E, finalmente, os últimos sucessos envolvendo o regresso, são narrados nos capítulos finais da primeira parte.

A segunda parte é um resumo da viagem para a Índia e daí para o Reino, entrando no campo da narração de viagens marítimas, para novamente voltar ao itinerário terrestre ao aportar em Lisboa, de onde seguem para Coimbra onde estancia a corte portuguesa. Finaliza, como vimos, com o relatório ao Arcebispo de Braga, espécie de rápida repetição, ou resumo das descrições incluídas na primeira parte.

507 Ibd.,p. 352 e ss.

Podemos encontrar uma variedade e disseminação de assuntos pelos vários capítulos, focando aspectos cujo relato era importante fazer, que terão despertado a curiosidade do autor ou afectavam directamente a embaixada.

Este tipo de obra, que segue a modalidade discursiva do Itinerário, servindo propósitos práticos, escapa às pretensões de estilo literário, o que poderá eventualmente explicar o estilo chão com que a escrita de Álvares foi já

caracterizada508. Ela revela simplicidade e vivacidade, marcada pela coloquialidade,

de onde emerge o sujeito e a sua experiência marcadamente pessoal, traduzida no emprego da primeira pessoa do singular embora estreitamente ligada ao colectivo, reflectido no frequente uso do plural (donde o protagonista da obra é o autor e ao mesmo tempo o grupo de portugueses), e a frequente utilização do discurso directo,

recursos que sugerem «a aproximação ao leitor»509, ao mesmo tempo que emprestam

colorido à narração, características que se podem verificar no relato das entrevistas

com o Prestes ou das dissenções entre a comitiva portuguesa510. Um bom exemplo

da utilização do discurso directo é o episódio das falsas notícias da derrota portuguesa na Índia e a chegada de uma nova armada portuguesa à costa etíope para

recolher a embaixada511. De resto, em vários passos da obra, verifica-se uma

interpelação directa do leitor com expressões com «Não se espantem» ou «dirão...». A técnica descritiva de Álvares incide sobre o prosaico e realista, sem mais enfeites dos que a percepção do que o escritor apreendeu. Nela relata as peripécias da embaixada, aproveitando para descrever as suas experiências e o que realmente «viu», a nível de paisagem, fauna, flora, costumes e práticas, dos tão procurados, mas desconhecidos abexins. Daí o título conferido à sua obra, Verdadeira Informação das

terras do Preste João. Esta escrita guiada pelo visualismo, pretende apenas retratar o real, dando o máximo de informações, como se a escrita tivesse por missão a reprodução e evocação das coisas o mais fielmente possível.

Com efeito a maior parte das informações que compõem a obra são fruto da experiência do autor, dessa experiência fundamentada no acto de estar presente e «ver» e confirmar pelo «visto» e «experienciado»: a fonte primordial da sua obra é o seu testemunho presencial, a realidade que capta com o sentido da visão.

508 Baltasar Telles, História da Ethiopia, a Alta, Livro 2, Cap. VI, ap.Diogo Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana, Tomo II, 2ª ed.. Lisboa, s.n., 1931 (1ª ed. Lisboa, Officina de Inácio Rodrigues, 1747) p. 94

509 Ana Paula Avelar, Visões do Oriente..., Lisboa, Colibri, 2003, p. 186 510 Álvares, op cit., pp. 241,249, 270 e pp. 224 e 292 e ss.

Segundo Luís de Albuquerque, o termo “experiência” no início do séc. XVI, significava apenas ver, observar e relatar como se vira e apontar a sua discordância com o saber antigo ou realidade conhecida. A partir da observação directa/ experiência pessoal, os homens de Quinhentos sentem-se capazes de desmentir/corrigir os dados veiculados pelo conhecimento antigo. A experiência sensorial assume-se como o garante da “verdade” e não o conhecimento livresco,

adquirindo-se uma capacidade crítica baseada na razão e actuação do homem512, ou

seja «a experiência e a natureza(...), são os pontos arquimédicos que vão substituindo

ao longo da Renascença os paradigmas tradicionais desestruturados(...)»513sem, no

entanto, romper com a visão do mundo e o conhecimento estabelecidos. Com efeito, os autores dos escritos dos Descobrimentos adquirem conhecimentos utilizando a sua razão na observação de fenómenos, mas não a da racionalidade matemática ou teórica (cujo alcance não será seu apanágio), mas a do senso–comum, de base empírica e pessoal514.

A produção cultural directamente ligada aos Descobrimentos pauta-se, assim, pela objectividade dos dados recolhidos a partir da observação/experienciação directa. À luz destas considerações podemos entender as recorrentes afirmações, presentes na obra:«eu vi», «isto sei eu por ver» ; «vi muitas vezes»; «disto direi o que vi» ou mesmo o pleonasmo,«vi com os meus olhos», como para reiterar a sua credibilidade e o valor da sua experiência pessoal515.

O autor narra «segundo eu vi» mas igualmente «segundo dizem» ou «ouvi dizer», sublinhando sempre que a informação é de segunda mão: por exemplo sobre os limites do reino de Gojame, afirma : «(...) não creio nem eu o afirmo, digo como

ouvi no geral e não a pessoa com que alegue.»516 ou «Estas são as confrontações que

512«Os Descobrimentos não se acham na linha da especulação e da pesquisa teórica. E a ciência experimental não nasceu de um conflito (...) entre o saber teorético tradicional e as observações ou experiências sistemáticas (...). A sua origem situa-se na conquista decisiva do sentido crítico pelo espírito humano. (...) que levou a por em causa, pela via especulativa, o saber teorético tradicional (...). O experimentalismo só começou quando a crítica tinha minado o edifício secular da ciência (...)», J.S. da Silva Dias, Problemática cultural do século XVI, Lisboa, Presença, 1982, p. 110

513 Luís Filipe Barreto, Descobrimentos e Renascimento, 2ª ed., Lisboa Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1983,p. 198

514 Como expõe R. Hooykaas, «(...) não se testa a “experiência” por meio da razão teórica, sendo antes a razão teórica que é submetida à experiência. Estes pioneiros não estavam embaraçados por preconceitos eruditos, não decidiam através de argumentos pro et contra se determinado facto (...) era realmente verdadeiro; a observação bastava-lhes, e os factos eram aceites apesar da sua “absurdidade“.», «Contexto e Razões do Surgimento da Ciência Moderna » in, Francisco Contente Domingues e Luís Filipe Barreto (org.), A Abertura do Mundo....,Vol. I, Lisboa, Presença, 1986, p. 171

515«A origem do saber radica nos sentidos e, sobretudo, na vista, esse sentido dos sentidos. Saber é ter

a exacta determinação sensível e empírica do visto. (...) O realismo empírico do qualitativo visível é o norte do saber verdadeiro e suficiente.», Luís Filipe Barreto, op cit, p.137

eu pude saber dos reinos e senhorios do Preste João e deles soube de ouvida e os poucos mais de vista.»517. Outras vezes explicita os limites do seu conhecimento: «(...) e a grandeza desta terra de Doba, será de comprido grandes cinco jornadas, de largo não sei quanto será porque entra muito por terra de mouros que eu não pude

saber.»518 ou ainda quando não presenciou o desfile de um senhor na corte: «Êste apresentar não vi por estar mal sentido.»519.

Por outro lado, P.e Francisco tem a preocupação não só de «ver», mas igualmente de comprovar informações. Assim o vemos a garimpar ouro em Aksum na época das trovoadas, em que o ouro posto a descoberto pelas chuvas poderia ser recolhido pelos habitantes nas terras de lavoura, apenas esgravatando com um pau. «Vendo eu isto e ouvindo dizer como achavam tanto ouro (...) determinei fazer uma tábua(...). E feita me meti a lavar a terra e lancei duas tábuas e não achei ouro

nenhum, nem sei se o não sabia lavar, ou se não o conhecia, ou se o não havía aí; a fama era que havia muito.»520.

A noção da «novidade» do que vê e dá a conhecer mescla-se com a preocupação da incredulidade do leitor. Por isso a propósito das Igrejas de Lalibela refere: «Enfado-me de mais escrever destas obras, porque me parece que me não

crerão de mais escrever e porque, ao que escrito tenho, me poderão tachar de não

verdade, portanto juro em Deus em cujo o poder estou que todo o escrito é

verdade(...)»»521.

Da mesma forma terá a preocupação de assistir a numerosas cerimónias e usos da terra, podendo afirmar com propriedade que descreve aquilo a que assistiu. Para além da sua experiência pessoal, Álvares recorre a informações que recolhe junto aos naturais, para confirmar factos como por exemplo, as rendas em cavalos pagas a um mosteiro: «E para disto sermos certos eu o fui preguntar ao Alicaxi do

mosteiro,(...), porque este recebe e faz justiça, êle me disse que era verdade(...)»522;

ou as conversas tidas com o Abuná (superior da igreja Etíope) Marcos sobre a questão religiosa ou com o frade Gabriandreas, que «(...)não tem mais que meia

517 Ibd, p.363 518 Ibd., p.113 519 Ibd.,p.334 520 Ibd., pp.93-94 521 Ibd.,p.139 522 Ibd.,pp.44-45

língua ao longo cortada, porque el–Rei Nahu lha mandou cortar porque falava muito.» 523.

Outra importante fonte de informações para Francisco Álvares foram os