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328 Apud., Jorge Couto,op cit., p. 131

329 Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, vol. II, 2º ed. dir. por Damião Peres (1º ed. Coimbra, 1930), Porto/Lisboa, Livraria Civilização, 1968, pp. 30/31

330 Ibd.

331 Luís de Albuquerque, Navegadores, Viajantes e Aventureiros Portugueses -séculos XV e XVI, Vol. II, Lisboa, Caminho, 1987,p.54

332Cf., A A Banha de Andrade, «Francisco Álvares e o êxito Europeu da Verdadeira Informação sobre a Etiópia» in,

Presença de Portugal no Mundo,Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1972, p.301 e C.F. Beckingham, op cit,

pp.8/9

caracterizado por uma «(...) linguagem simples e saborosa(...)»334. A leitura da sua obra revela um espírito observador, interessado e pragmático, adaptando-se ás necessidades do momento. A minúcia e a precisão do registo, assim como a probidade, sensatez e prudência do escritor são lugares comuns nos escritos sobre Álvares:«(...) era um homem escrupuloso no que nos transmitiu, e não deixava de

anotar todas as minúcias sobre o que vira e ouvira(...)»335.

Depreende-se igualmente, da leitura da obra, uma natureza afável, uma bonomia e paciência para com os percalços da viagem, ao contrário dos seus companheiros de viagem. De facto resgatara cativos abexins dos mouros, como

reitera o língua Jorge336; a pedido de Mateus, intercede para se desviarem do

caminho real até ao mosteiro de Bisão, depois de «grandes alterações sôbre o dito caminhar», durante a pousada dessa noite337; serve de interlocutor entre as duas

facções desavindas da embaixada338, entre outros exemplos. Como resume C. F.

Beckingham, «He appears as a kind, tactful, sensible man, doing his best in very difficult circumstances(...). This, of course, is an estimate derived from his own book, but there is nothing in contemporary sources to suggest that it is not correct.»339

Mas basicamente, Álvares cumpre as funções de um funcionário ao serviço de uma embaixada real. A sua obra inscreve-se naquela visão prática de descrição do encontro com novas paragens, sem pretensões de carácter literário, antes com a intenção de deixar um testemunho através de uma experiência a que poucos europeus

teriam acesso. Por outro lado, talvez não fosse propriamente um intelectual letrado.

Salvo casos excepcionais «Os exploradores e missionários portugueses não podiam dizer-se, por via de regra, homens de cultura superior ou de formação académica regular (...). Eram políticos, mercadores, ou simples práticos e aventureiros, de uma

pequena nação periférica.» como refere J.S. da Silva Dias 340.

Provavelmente teria tido uma espécie de “formação média“, própria do clero da época iniciada a nível elementar pela leitura e escrita e um pouco de latim, talvez

334 Elaine Sanceau, «Etiópia e Portugal» in, Ocidente, nº 257, Set. 1959, vol. 57, p. 104 335 Luís de Albuquerque, op cit.,p. 72

336 Álvares, op cit., p. 271 337 Ibd., p.23

338 Ibd., p. 293

339 C. F. Beckingham, «Introduction» in, The Prester John of the Indies-A true Relation of the Lands of the Prester

John …., tradução de Lord Stanley of Alderley , 1881, C. F. Beckingham e G. W.B. Huntigford (rev. e ed.) , 2, vols.,

Cambridge, University Press, 1961, p. 13 340 J. S. Silva Dias, op. cit., p. 64

um pouco de aritmética341,gramática, retórica, doutrina cristã, tipo de ensino ministrado nas escolas conventuais (como é exemplo a escola dos Cónegos

Regrantes de Santo Agostinho em Santa Cruz de Coimbra342)ou com um mestre.

Segundo Fortunato de Almeida, para receber ordens sacras e benefícios, segundo as Constituições do Porto de 1496, era necessário um exame de leitura, gramática e

canto, além do bom comportamento e honestidade343,.Ao clero era especialmente

recomendado o ensino da doutrina católica a partir do século XVI. Talvez tivesse frequentado a Universidade e cursado Artes, na época espécie de prolongamento do

ensino elementar, e dirigida essencialmente para a formação do clero344.

A sua formação pode ter sido limitada : quando da sua entrevista com o Papa em Bolonha, em 1533, terá proferido o Discurso de Obediência em português,

traduzido para latim pelo secretário da embaixada345. Além do mais, ao longo da sua

narrativa também deixa escapar algumas dúvidas sobre aspectos bíblicos (por exemplo quanto ao número dos profetas e dos livros escritos por estes e pelos Evangelistas.

Apesar do estilo pouco culto ou da falta de qualidade literária que lhe tem

sido apontada346,começando por João de Barros que salienta o seu estilo directo, mas

pouco cultivado347, não lhe faltava sensibilidade para toda uma panóplia de interesses

que iam desde a botânica à arquitectura religiosa. Além do colorido da descrição e do tom coloquial e pitoresco da linguagem, que nos faz acompanhar a progressão da embaixada e seus percalços, o número de dados históricos que faculta para o quotidiano da sociedade portuguesa da época; suas viagens no mar Vermelho e no Índico e para a história da Etiópia do século XVI, é inestimável, pese embora o seu desgosto por não ter conseguido resolver os seus assuntos nos areópagos políticos de Roma, e o desaparecimento dos seus restos mortais fora do seu país (ele que tanto cuidado tivera em resgatar os de Duarte Galvão).

341 Vide, Rogério Fernandes,«Ensino elementar e suas técnicas no Portugal de Quinhentos» , in A Abertura do

Mundo..., pp. 53-65

342 Veja-se o panorama estabelecido para os séc. XIV e XV por A. H. de Oliveira Marques,«Os Valores Culturais e artísticos» , in, Portugal na crise dos séculos XIV e XV, Lisboa, Presença, 1987, pp.400-430

343. Vide, Fortunato de Almeida, op cit.,pp. 551/569 344 Ibd.,p.201

345A A Banha de Andrade,«Francisco Álvares» in, Dicionário da História da Igreja em Portugal, vol. I, Lisboa, Editorial Resistência,[ 1980 ], p.160 e Jorge Couto, op cit.,p.131

346 Cf. Hernâni Cidade, Cultura Portuguesa..., Vol. V; Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1971, p. 26 ; J. Veríssimo Serrão, A Historiografia Portuguesa, Vol. I, Lisboa,Verbo, 1972, p.373 e José Nunes Carreira, « A

Abissínia de Francisco Álvares: queda do mito » in, Literatura de Viagem: Narrativa, História e Mito, p.87

1.2. Pêro Pais: História de um jesuíta no reino da Etiópia

« Muitas e varias terras de Christãos, de Gentios, de Mouros e Turcos tenho corrido e em alguas dellas estado muito tempo; muitos bastos bosques e compridos desertos tenho passado(...)» P.e Pêro Pais,

História de Etiópia

O nosso segundo autor, o jesuíta P.e Pêro Pais, de origem castelhana, sendo o seu nome de origem Pedro Paez Xaramillo, nasceu em 1564, no seio de uma família da aristocracia rural de Castela, na localidade de Olmeda de las Cebollas (que actualmente apresenta o nome mais “poético” de Olmeda de las Fuentes), próxima de Alcalá de Henares, na província de Madrid, diocese de Toledo. De acordo com Elaine Sanceau teria tido dois irmãos, Juan e Gaspar e outras tantas irmãs, Ana

Maria e Isabel, com quem se teria correspondido ao longo da sua vida348.

Como propõe George Bishop na sua biografia romanceada, é possível que tivesse usufruído da educação tradicional de um membro da sua classe: «(...) estudió a los clásicos, aprendió matemáticas, ciencias, bellas artes y danza, y fue instruido en las artes guerreras, el manejo de la espada, la equitación, el empleo del arco y, no

menos importante, la forma de comportarse como un hidalgo.»349 Segundo a obra de

Javier Reverte, Pais poderia ter estudado em Alcalá de Henares, talvez no recém

criado Colégio de Stº Ildefonso350. Talvez por influência de seu primo ou tio, Esteban

Páez, provincial da Companhia no México e mais tarde ocupando o mesmo lugar no Peru, parte em 1580 para Portugal, continuando os seus estudos no Colégio das Artes da Universidade de Coimbra, sob direcção jesuíta. A escolha da universidade portuguesa pode explicar-se pelo prestígio e implantação da Ordem em Portugal pois, como refere C. R. Boxer, o poder, a influência e o prestígio que a Companhia

348 Elaine Sanceau, « Introdução », in Pêro Pais, História de Etiópia, Vol I, Porto, Livraria Civilização, 1945, p.XI 349 George Bishop, Viajes y andanzas de Pedro Páez..., Bilbau, Mensajero, 2002, p. 15

350 Vide a obra de divulgação composta pelo jornalista e escritor, Javier Reverte, Dios, el Diablo y la Aventura-La

historia de Pedro Páez, el español que descubrió el Nilo Azul, , 2ª ed. em formato de bolso, Barcelona, Debolsillo,

detinha em Portugal, suplantavam a sua posição em Espanha351 , gozando de um

acolhimento favorável pela coroa portuguesa352. É possível que tenha aprendido

fluentemente o português durante esta estadia, língua na qual redigirá a sua obra. Aí deve ter seguido o programa de estudos, sistematizado em breve no famoso programa, Ratio Studiorum, impresso numa primeira versão em 1586 e

definitivamente elaborado em 1599353. É possível que tivesse estudado,

no seu primeiro nível, Gramática clássica, Humanidades (várias noções de cultura clássica, que confeririam a “Erudição” ao aluno, ou seja regras de conduta moral, estilo no manejo da língua e eloquência) e Retórica354. Não sabemos se por esta época, Pais cumpria já o seu noviciado na Companhia, mas parece ter ingressado nas suas fileiras muito jovem.

O fascínio que a Sociedade de Jesus exercia explicava-se talvez pela sua energia e dinâmica, pelo seu sistema educativo e pelo seu forte sentido de coesão, que permitia a um jovem fidalgo entusiasta colocar as suas capacidades e desejos de aventura ao serviço da fé, ingressando numa instituição de prestígio. De facto, a Companhia apresentava na época um carácter de inovação no modo como punha em prática o pensamento católico, valorizando a actuação no “século”, defendendo o pragmatismo e a crença nas capacidades do homem e na acção. A sua espiritualidade

tinha uma componente dinâmica e não meramente contemplativa355, além da tónica,

posta no ensino das letras e na formação dos indivíduos, e no interesse pela escrita e leitura na senda do espírito do humanismo.

Algum tempo depois em 1582, Pais teria ingressado na Província de Toledo da Companhia e continuado os seus estudos no colégio das Artes de Belmonte, na Província de Cuenca, o que se confirma através de uma referência recolhida por