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163 Vide, Ibidem, pp. 40-42

164 Cf. Nuno da Silva Gonçalves, «Inácio de Loiola, D. João III e a missão da Etiópia» in,Missionação Portuguesa e

Encontro de Culturas, Actas do Congresso Internacional de História, Vol. II- África Oriental, Oriente e Brasil, Braga,

Universidade Católica, [1993], pp. 91/93 e Hervé Pennec, op. cit.,pp. 51/53

165 Cf., Francisco Rodrigues, op cit., p. 573; vide supra, p.27

166 Hervé Pennec,op cit., pp.85-86

167 Caio Boschi, «Estruturas eclesiásticas e Inquisição- Os Bispados» , in, Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dir.) , História da Expansão Portuguesa, vol II,, quadros I e II, pp. 433-434

Estabelece-se uma estratégia de conversão a levar a cabo que parte do próprio Inácio de Loyola (instruções redigidas a João Nunes Barreto de 1554 e 1555168); estas reflectem um considerável conhecimento da realidade etíope provavelmente através dos relatos portugueses ou da presença de peregrinos ou emissários abexins em Roma (onde o Papa lhes concedera mesmo uma sede para a sua comunidade, a igreja de Santo Stefano dei Mori ou dei Indiani 169). As directivas de Loyola visavam a conversão do imperador a quem se atribuí, segundo a tradição, a autoridade espiritual, à qual se seguiria a da restante população, com especial incidência no clero, substituindo-se paulatinamente o modelo copta pelo católico romano de uma forma gradual e suave170, partindo do pressuposto da vontade de

submissão do monarca da Abissínia à Igreja de Roma171

Mas primeiro é necessário verificar a situação de facto e, no ano de 1555 são enviados à corte abexim, a partir de Goa, dois membros da Companhia, o P. Gonçalo Rodrigues e o irmão Fulgêncio Freire, e um militar português que havia pertencido ao contigente de 1540, Diogo Dias. Os resultados são frustrantes: o imperador abexim, Glaudêus/ Atanaf Çaguêd não demonstra o mínimo interesse em abandonar o seu credo tradicional, como refere Gonçalo Rodrigues numa carta que

remete no regresso a Goa para os seus companheiros portugueses172. Enquanto

permaneceu na Etiópia, redigiu o Tratado em que se mostrava pela decisão dos

concílios, e authoridade dos Santos Padres a Primazia da Igreja Romana contra os erros scismaticos dos Abexins, destinado ao pouco interessado imperador, impressa

em Goa em 1560173. A tónica das notícias sobre a Etiópia centra-se agora na questão

da heresia religiosa.

O Patriarca designado chega a Goa em 1556, com um grupo de missionários, que incluí os coadjutores Belchior Carneiro, ordenado bispo de Niceia e o castelhano, André de Oviedo, antigo reitor do Colégio de Nápoles e ordenado bispo de Hierópolis. Mas face à situação pouco favorável, o grupo é refeito: o patriarca não partirá de Goa (onde, aliás, virá a falecer em 1562 sem ter jamais pisado solo etíope) e, em 1557 partem de Goa cinco missionários (cinco padres portugueses, Manuel

168Vide Hervé Pennec, op. cit.,, pp. 63-71 e Nuno da Silva Gonçalves, op cit., pp.95/100

169 Vide, Nuno da Silva Gonçalves, Universidade Católica Portuguesa, op. cit., pp. 95/96

170 Vide, Hervé Pennec, op. cit., pp.63/71e 228

171 Ibd., pp. 73/74 e 307

172 Pais cita a carta a partir da compilação na edição do p.e Fernão Guerreiro, op cit., Vol II, pp.266-271 e Hervé Pennec, op cit. , pp.87/88

Fernandes; Gonçalo Cardoso; António Fernandes; Francisco Lopes e o castelhano,

P.e Gonçalo Gualdamez) chefiados por D. André de Oviedo174.

Como se receava a sua coexistência com o novo imperador, Minâs / Adamâs

Çaguêd, não será fácil175, e o bispo abandonará a corte etíope dois anos depois da

sua chegada176. Levantado o degredo é-lhe permitida a instalação de uma residência

(sede de missionação e actividade dos membros da Companhia) no reino de Tigré, onde permanecerão com poucos contactos com a corte assim como com a arquidiocese de Goa, onde não chegarão notícias suas até 1560.

A Etiópia havia “engolido” a pequena missão, à qual se juntaram alguns dos sobreviventes e descendentes dos soldados de D. Cristóvão da Gama, que compõem

a pequena comunidade católica portuguesa 177. O Papa solicita a partida de Oviedo

para a missão do Japão em 1566, mas o Bispo recusa-se a partir abandonando os católicos que dispersos no território procura reunir no reino de Tigré. Oviedo

instala-se na missão em Fremona178, «(...) lugar tão desamparado das cousas

humanas (...), situada ao longo de hu mato onde não avia mais q bestas feras.»179 O

patriarca , retido na Índia, envia então o irmão Fulgêncio Freire e um jovem abexim educado no colégio de S.Paulo, João, na tentativa de alcançar a missão etíope (c.

174 «(…) ouve m.tas consultas assi do Patriarcha com os P.es, como do Viso Rey com os de seu Cons.º, e cõ os mesmos P.es (...) porq avião por cousa de mtº pouca authoridade do Papa, e da Stª Sé Apostólica vir da sua p.e hua tam grande dignidade a Emp.or scismatico, e não aver de ser reçebido delle como convinha, e tambem pello grande agravo, q (...) fazia a ElRey de Portugal, q sua petição fora medianeiro cõ o Papa (...) pelo q assentarão , q o Patriarcha D. João Nunes sobrestivesse cõ sua vinda, e q se deixasse estar em Goa, e q entretanto viesse diante a Ethiopia o P.e Bpo. Andre de Oviedo com çinco Comp.ºs pera q conforme ao q achasse, e fosse recebido do Emp.or avisasse a India pera com isso se resolver a vinda ou ficada do Patriarcha.», Pais, Vol II, pp.271-272

175Com base em testemunhos da época Pais refere o seguinte episódio: «(…) o Emp.or scilicet Adamâs Çaguêd ) (..) o mando chamar [ ao Patriarca ] e o reprehendeo cõ m.tª indignação (...). Avisaivos q daqui por diante não entendais mais q cõ os vossos, nem ensineis vossa doutrina a minha gente. Ao q o S.tº respondeo com grande liberdade de espírito dizendo: O q eu faço he meu oficio; este por nenhu respeito o hei de deixar de fazer e einar a todos os q me quiserem ouvir (...) ainda q me custe a vida. O mau Emp.ºr (...) se acendeo em tanta ira, e furor q com grande agastamento lhe chamou m.tos nomes e m.tªs injúrias; (...) , e com tanto furor arremeteo a elle, q travando lhe da roupa lha rasgou(...)», Pais, op cit., pp.297-298

176«(...)[o imperador] o mandou degredar juntam.te com o P.e Fr.co Lopes (...) pera hus montes muy altos e tão asperos e esteriles, q quasi ningue morava nelle , e lhes mandou sob pena de morte, q se não deçessem daly (...)»ibid., p. 298

177 Segundo Girma Beshah e Merid Wolde Aregay ,Oviedo ter-se-ia envolvido na política interna etíope, apoiando opositores ao rei e tentando obter ajuda militar portuguesa, em vão. Por fim conseguiu-se a paz interna, firmando os próprios descendentes dos portugueses o seu apoio ao imperador, recuperando seus antigos privilégios, ficando Oviedo isolado com o seu pequeno grupo em Fremona. Vide, The Question of the union of the Churches in Luso-

Ethiopian relations (1500/1632), Lisboa, Junta de Investigação do Ultramar e Centro de Estudos Ultramarinos, 1964,

pp. 66/68

178 O seu nome teria origem no primeiro bispo da Etiópia, Frumêncio, do século IV d.c., segundo a tradição. Constituía uma forma de legitimação da presença jesuíta e católica na região segundo Hervé Pennec, op. cit., pp. 154,159

1563). Mas estes são capturados na cidade árabe de Mocca e enviados para o Cairo,

de onde conseguem enviar notícias a Arquico, na costa etíope180.

É a época da discussão entre o método pacífico de conversão e a utilização da força militar181, prevalecendo a primeira via. A ideia de repatriação da missão

jesuíta isolada numa zona de difícil acesso também é abandonada182. Assim esta

sobrevive em precárias condições, tal como refere Pais, citando o testemunho de uma

carta de outro missionário, Manuel Fernandes de 1566183. Além do mais o cerco

turco aperta-se: por essa época as forças turcas ocupam os portos etíopes do mar Vermelho e aumentam a pressão a norte, face à ausência portuguesa nessa zona. O

pequeno grupo católico está à mercê das incursões turcas no reino de Tigrê184.

A população local acaba por respeitar o seu estilo de vida despojado, subsistindo a missão das suas esmolas. O estilo cenobítico é sublinhado por Pais :

«A casinha, onde morava, era redonda e m.tº estreita, e sem repartimento nenhu; a parede de pedra e barro tão baixa, q levantando eu a mão, quasi chegava ao alto della. (...) O vestido veo a ser tão pobre, q não tinha senão hu pano baixo com q se cobrir. O pão, q comia era de hua semente vermelha desabrida (...) mantimento mais de passarinhos, q de homens (...). As iguarias, q o S.tº com isto comia erão ervas cozidas m.tªs vezes só com agoa e sal (...)»185. Os seus companheiros «Quasi sempre andavão por serras, e caminhos m.tº asperos, de huas partes a outras ensinando, e sacramentando aos Portugueses e catholicos, q estavão em partes muy distanttes (...)»186, sofrendo ataques dos gentios, dos Turcos e de ladrões indiscriminados, que tudo lhes tiravam e por vezes

180 Ali parecem ter recebido uma carta do missionário P.e Manuel Fernandes, reenviada para Roma. Terão

sido resgatados dois anos depois por dois enviados do Papa Pio IV, a cargo do embaixador português em Roma.

Vide, Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, Vol II, Damião Peres (dir. nova ed. ), Porto / Lisboa,

Livraria Civilização, 1968, nota 8 p. 292

181 Pais treslada o seguinte passo da carta de D. André de Oviedo ao Papa:« Quanto a ter milhor esperança de redução de gente de Ethiopia a Igreja Catholica, sem duvida a tenho, se da India se mandarem a esta terra 500 ou 600 soldados Portugueses, como sempre esperamos, conforme ao q lá se tratou ante q eu pera cá viesse.» Pais,op cit., p.303

182 Vide Hervé Pennec, op cit., pp.100-102; segundo a mesma carta de Oviedo citada acima : «(...) mas, (...) se outra cousa se ordenar, ou El Rey de Portugal não for servido mandar o socorro de soldados (...), V. Santidade lhe escreva q mande pello menos hua armada grande, q baste pera recolher todos os catholicos, q aqui se acharem (...)».,Pais,op

cit., Vol. II, p. 306

183 «Achamos [o referido padre, Gonçalo Cardoso e o irmão Manuel Fernandes que missionavam no interior] o P.e Patriarcha posto em hu tão baxo e abjecto estado q vello he magua ; e agora ficamos negociando algua junta de bois, pera ver se lavrando podemos remediar nossa pobreza.».Ap.ibd., p.320

184Vide ibd., p. 321 185Ibd., pp.321-322 186Ibd. , p. 339

os agrediam187. Os membros da missão na Etiópia irão morrendo sem alcançar grandes êxitos; Gualdames falece em em 1562, morto pelos turcos quando procurava levar notícias da missão à Índia; Cardoso foi morto por ladrões em viagem em 1575; por sua vez D. André de Oviedo falecerá de doença em 1577; substitui-o Manuel

Fernandes que morrerá de febres em Fremona em 1585188.

Contudo a missão de evangelização continua a ser matéria grata aos monarcas da Coroa portuguesa. Tal é o caso do bisneto dos reis católicos, Filipe II de Espanha. Enquanto rei da monarquia dual peninsular continua a apoiar o esforço

evangelizador no império português, que se mantém distinto do reino espanhol189.

Assim a partir de 1587, Filipe II, retoma a ideia de aliança cristã contra os turcos, apoiada no factor religioso, e até numa possibilidade de comércio, estrangulada pelos

muçulmanos190. Sob instâncias do rei junto do vice-rei da Índia, o provincial jesuíta

de Goa deve retomar as missões.

Seguem-se novas tentativas falhadas para alcançar a terra abexim como a do P.e André Gualdames e de Marco Fernandes, que tentam passar pela “cortina turca” disfarçados. Traídos em Maçuá , são executados em 1564.

Neste difícil contexto encontramos o nosso segundo autor, o P. jesuíta, Pêro Pais. De origem castelhana, Pais, foi enviado muito jovem para a Província portuguesa de Goa, onde a missão evangelizadora se sobrepôs à formação e em 1589, pouco depois da sua ordenação, parte rumo à Etiópia com o P.e António de Monserrate. Mas esta viagem salda-se igualmente em fracasso. São capturados nas costas do Mar Vermelho e serão mantidos prisioneiros durante sete anos em vários locais da Península Arábica, até serem resgatados como veremos no capítulo seguinte.

Porém durante o cativeiro dos dois jesuítas, a Companhia e o rei não desistiram do seu intento e as tentativas de alcançar a terra do Preste, cada vez mais bloqueada pelos turcos e dilacerada por lutas internas, continua. O P.e António Fernandes, um dos dois últimos resistentes da missão de D. André de Oviedo, falece em 1593, restando apenas um último padre na missão: Francisco Lopes, já de idade avançada. É escolhido desta vez o P.e Abrãao de Georgis, um membro nativo,

187 Ibd., p.339

188 Ibd. , pp.340-343

189 Vide Fernando Bouza, D. Filipe I, Lisboa, Círculo de Leitores, [ 2005 ], pp. 150155

oriundo de Alepo, preparado na Europa e conhecedor das línguas locais191, e detendo os traços fisionómicos da região, o que lhe dava maiores probabilidades de passar entre os mouros. Parte em 1595 disfarçado de mercador, mas é denunciado e não

escondendo a sua religião e recusando abjurar a sua fé192, acaba por ser decapitado

em Maçuá alguns meses depois. Também os últimos padres da missão desaparecem: António Fernandes morrera também de doença em 1593 e, em 1597

é a vez de Francisco Lopes193. A comunidade católica da Abissínia está

desamparada.

O próximo missionário, proposto pela acção concertada do Principal da Companhia de Jesus, do Arcebispo de Goa, D. Aleixo de Meneses e do Vice-rei, D. Francisco da Gama, é o P.e Melchior da Silva, um brâmane convertido, que pela sua

tez e conhecimentos da línguas locais não levantaria suspeitas194. E desta vez

consegue alcançar a comunidade católica no reino do Tigré, que ameaça diluir-se e continuar o trabalho da missão195.

Por essa época, encontramos novamente o P.e Pêro Pais a caminho das costas etíopes que alcançará disfarçado de mercador arménio. A Etiópia e a sua missão tornar-se-ão a sua “casa“ e ali permanecerá, em trabalho evangélico (será nomeado superior da missão) , até ao fim dos seus dias em 1622. O epílogo da sua obra será o crescimento da missão católica na Etiópia: o número de membros aumenta a partir de 1624 (20 ou 22 membros entre 1628 e 1632 segundo H. Pennec 196); as suas residências também se multiplicam (entre 11 e 13 em 1625/1630197) assim como o número de igrejas católicas de pedra construídas (9 igrejas de 1624 a 1628198).

Além do mais cumpre o velho sonho de conversão de dois imperadores: Za Denguil / Atanâf Çaguêd, cedo deposto e morto em batalha e Suzeneos / Seltan

191 «(...) nomeou o P.e Provincial da India ao P.e Abraham de Georgis Maronita de nação, q de Roma foi mandado para a India (...), Pais , op cit.,p. 409

192 «Teve aqlle Capitão preso ao P.e alguns dias , persuadindo lhe q se fizesse mouro (...). Respondeo q não gastasse tempo nisso, q se não avia de fazer mouro, q a ley de Mahamed não valia tanto como o seu çapato. Indignousse grandem.te o Capitão cõ esta resposta; e mandou q o levassem fora da povoação a hu pequeno campo q está na Ilha e q lhe cortassem a cabeça.», Ibd. , p. 411

193 Ibd., pp. 343-345

194 «(...) achouse hu m.tº virtuoso e letrado de casta Bramene, por nome Belchior da Silva, q de menino se creara no seminário, q os P.es da Comp.ª tem em Goa(...)» , Pais, op cit., Vol III, p. 12

195 «(...) e porq os Portugueses e catholicos estão muy espalhados em civersos e distantes reynos, padeceo m.tºs trabalhos em os caminhos q são muy asperos, e sempre andava de huas p.tes a outras pera os confessar e doutrinar, sem ter descanso em seis annos q andou em Ethiopia, (...)» , ibd., p. 13

196 Hervé Pennec procedeu a um levantamento e estudo, inclusive em termos quantitativos das trajectórias, perfis e implantação do pessoal missionário jesuíta na Etiópia, vide, op cit., p. 115 e ss.

197 Ibd., p.159 198 Ibd.,p.174

Çaguêd, que acabará por impor o catolicismo como religião oficial. A actividade do P. Pais marca, pois, a época de ouro da missão católica na Etiópia.

Entretanto a Europa continua a ser informada dos sucessos etíopes, desta vez pelos membros da Companhia de Jesus. Já sublinhámos anteriormente a importância do exercício da escrita para os jesuítas, assim como a obrigatoriedade do envio de correspondência, e a prática do seu posterior agrupamento e edição. O P.e Fernão Guerreiro procedeu à sua compilação e agrupamento por regiões, sendo impressa a relação respeitante à Etiópia em 1611.

No entanto outro tipo de obras aparecem num quadro de rivalidade sobre territórios a evangelizar e propaganda entre as ordens religiosas,, especialmente entre Jesuítas e Dominicanos. Uma dessas obras, inserindo-se na questão da “divisão“ entre as suas zonas de influência do território que hoje é Moçambique, será a heterogénea obra de Fr. João dos Santos, Etiópia Oriental, publicada no Convento de S. Domingos de Évora em 1609. No entanto esta refere-se ao conceito geográfico clássico em que Etiópia designa todo o continente subsaariano. As informações sobre a Etiópia, A Alta, ainda identificada como terra do Preste, não são o fulcro do seu trabalho (sendo território exclusivamente jesuíta), embora a ela faça também referências. Para tal o autor socorre-se de informações em segunda mão de viajantes naturais da terra, de um mercador italiano que lá vivera, um certo Jerónimo

Querubim, confirmadas pelas obras de Álvares e Bermudes199.

Bem mais polémica revelar-se-ia a obra impressa em Valência, em 1610 por outro dominicano, o teólogo Fr. Luís de Urreta, a Historia Eclesiastica, Politica,

natural y moral de los grandes y remotos Reynos de la Etiopia, Monarchia del Emperador llamado Preste Juan de las Indias. Esta obra retoma as visões utópicas de uma terra fabulosa, plena de lendas e factos incríveis, além de sublinhar a sua obediência a Roma na prática da religião católica. «Os padres jesuítas, que detinham o exclusivo da missionação católica numa Etiópia que descreviam como herética (...), reagiram fortemente a esta obra que questionava a legitimidade da sua presença ali.»200. Instala-se a necessidade de refutação de uma obra plena de inexactidões, elaborada por um homem que nada sabia e nem sequer se informara correctamente

199 .Vide, Manuel Lobato, «Introdução» in, Fr. João dos Santos , Etiópia Oriental e Vária História de Cousas

Notáveis do Oriente, Lisboa, Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999, pp.10-28

200 «Textos e mapas europeus sobre a Etiópia dos séculos XVI –XVII», De fora, Da terra- Presença Jesuíta na

Etiópia do século XVII,, Secção Profissional de estudos do Património (Núcleo de estudos Etíopes da Sociedade de

Geografia de Lisboa (org.), Exposição na Universidade do Minho, Braga, Novembro de 2005 [on line] disponível em

da realidade etíope (a fonte de informação teria sido um certo João Baltasar, viajante abexim na Europa) e «(...) fortemente dependente do imaginário medieval da Carta do Preste João [que] pretendia sugerir que a missão dominicana (...) tinha

precedido a da sociedade de Jesus em mais de meio século.»201. Este último aspecto é

reforçado na obra publicada subsequentemente, pelo mesmo autor, Historia de la

sagrada Orden de los Predicadores, en los remotos Reynos de la Etiopia, de 1611. Por conseguinte, os padres da Companhia lançam mãos à obra. Assim surge em apêndice á edição das cartas referentes ao Oriente de 1607 e 1608 do P.e Fernão Guerreiro, a Adição à relação das coisas de Etiópia, com mais larga informação

delas, mui certa e mui diferente das que seguiu o Padre Frei Luís de Urreta, no livro que imprimiu da História daquele Império do Preste João, sob a égide do geral da

ordem, Claudio Aquaviva 202.

A obra do valenciano terá irritado fortemente as fileiras jesuítas, porque a polémica se prolonga. Em 1615 o P.e Nicolau Godinho publica uma outra refutação,

De Abassinorum Rebus. Por sua vez, na introdução das Décadas de Couto, Manuel Severim de Faria, na «Vida de Diogo de Couto», refere que teria sido pedida

igualmente ao autor uma resposta a Urreta , redigida no final da vida de Couto203.

Mas a mais completa e sistemática rectificação da fantasia composta por Urreta, está contida na abrangente obra do já nosso conhecido Pêro Pais, História de

Etiópia. Mas a obra ultrapassa largamente este aspecto, transmitindo grande quantidade de informação sobre a Etiópia. A história de Pais ficaria inédita até ao século XX remetida aos arquivos da ordem e não conhece traduções noutras línguas, como veremos no próximo capítulo.

Após a morte de Pais, chefia a missão o seu companheiro António Fernandes. Em 1626 é enviado um novo patriarca, o menos hábil e estimável P.e Afonso Mendes e verifica-se a institucionalização (forçada) do catolicismo. No entanto as convulsões internas provocadas pela conversão do imperador Suzeneos/Seltan

201Manuel João Ramos, op cit.,p. 249

202 Vide, Hervé Pennec, op cit,pp. 245-246

203 «Este zelo da honra da patria lhe fez escrever hum livro, contra o que compoz o P. Fr. Luiz de Urreta Dominico, da historia, e policia do Reyno da Ethiopia (...), no qual o Padre com a pouca notícia que tinha do Oriente, e sem ler as historias da India, nem deste Reyno, ( como quem escreve entre os bosques , e delicias de Valencia, sem ver mais que hum só homem, que o informou, e a quem creo ) disse muitas cousas contra toda a verdade da historia, sendo todo o seu livro huma obra fabulosa, e temeraria. E posto que os Padres Fernão Guerreiro, e Nicoláo Godinho da Companhia tinham respondido ao P. Urreta com particulares Apologias; os mesmos Padres da Companhia de Goa pediram a Diogo de Couto respondesse também pela honra deste reyno, o que elle fez, estando já quasi com o corpo