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Desta forma sobem as águas do Nilo ao seu máximo em Setembro, graças às copiosas chuvas de Julho a Outubro no interior da Abissínia; as águas baixam depois

até Dezembro atingindo o seu mínimo em Janeiro916.

Na sua descrição sistemática do império etíope, Pais, enumera ainda alguns dos maiores rios que encontra na Etiópia preocupando-se em estabelecer o local das nascentes, desenhar o seu percurso e as características do seu caudal, conforme as estações, e as capacidades produtivas que confere às terras que banham, além da provável situação da sua foz.

Tal é o caso do Tacacê, na zona centro/norte da Etiópia, afluente do Nilo, que muitas vezes atravessou nas suas deslocações, afirmando sobre o seu caudal:« (...) he m.to grande; por aqui [no reino de Tigrê ] o passei eu a vao no verão co m.to grande trabalho, porq traz m.ta agoa e não espraya muito;(...)». Junto à província de Dambiâ, tem o rio Tacacê, menor caudal, «(...) porq espraya; e assi pello mais fundo do vão não chega a agoa mais q a cinta; he muito clara, mas no principio do Inverno

q se começa a enturvar (...)».917, descrevendo as suas fontes918, nos limites do reino

de Angôt e seu percurso até ao Nilo, o que lhe é confirmado pelos grandes da corte e pelo imperador919.

915Pais, op. cit., Vol. I,pp. 217/218 916 Vide, Kurt Krause, op. cit.,p. 101 917 Ibd.,p. 227

918 « Tem suas fontes (...) , ao pé de hu alto monte (...), e são tres olhos grandes q saem do fundo co m.ta furia como fervendo, hu afastado do outro como vinte passos, e pouco mais de hu tiro de pedra se juntão todos tres e fazem grande ribeira (...)», Pais, op. cit.Vol. I, ,p.226

919 «(...) fazendo eu difficuldade, por me parecer q seu curso era muy differente dodo Nilo, disse o Emperador q não havia duvida, q era cousa m.to sabida; e depois os moradores de hua terra, q se chama Berber me affirmarão q perto do seu lugar se juntava co o Nilo.», Ibd.,p. 227

Refere-se ainda ao rio Marâb de dimensões mais reduzidas, que corre na zona norte do Império. Quando alcança as regiões desérticas, corria sobre areia solta e segundo o capitão dos portugueses que havia já viajado por aquelas partes áridas, «(...) pera beber cavavão na areia outo palmos de fundo e ás vezes doze e achavão m.ta agoa, q corria e peixe q tiravão com anzol, e elle comeu dous grandes.»920. Segundo alguns habitantes este rio alcançaria ainda o Tacacê, afluente do Nilo,

certamente apenas em anos de maior caudal; nos restantes esgotar-se-ia na rega921.

No sul da Etiópia, Pais salienta dois grandes rios, sempre em comparação de grandeza com o Nilo: «Entre outros m.tos rios, (...), muy Caudelosos, e de grande nome, depois do Nilo (...), são Zebê , de que dizem alguns em Ethiopia q ainda he maior q o Nilo, co o não ser, e Haoâx, q tambem affirmão compete m.to em

grandeza co elle.»922. Este último corria sul do Império. Quanto ao rio Zebê, situa-se

este a sudoestel, no limite do império abexim, «Tem (...) seu nacimento em hua terra q chamão Boxâ do reyno de Nareâ,(...); e começando seu curso pera o Occidente, daly a pouco torna pera o Norte, e vai dando volta a hu reyno pequeno q chamão Zenyero, q quer dizer Bugio; (...)», já fora dos limites da Etiópia. O P.e António Fernandes testemunha na sua viagem ao reino de Nareâ a importância do seu caudal, como nos relata Pais:«(...) tendo descido uma serra comprida, acharão hu grande rio, q chamão Zebê, e era tão extraordinario o roido das agoas, por correr com m.ta força

por entre rochas e penedos, q falando muy alto não se ouvião hus aos outros.»923

Pais mostra-se de igual forma preocupado em referir os lagos existentes no Império, afirmando: «São tantas as lagoas q há em as terras q senhorea o Emperador de Ethiopia, q fora cousa m.to comprida e pode ser q molesta ao leitor falarmos de

todas ellas; pello q não nomearei mais q alguas das maiores (...)»924. Novamente se

denota a preocupação da sua localização, características e estabelecimento de um perímetro aproximado. Em relação ao principal lago etíope diz-nos Pais

«A principal lagoa de quantas há em Ethiopia está entre o reyno de Gojâm ao sul, e o de Dambiâ ao norte, a q chamão Dambiâ Bahâr, q quer dizer mar de Dambiâ. Corre de Norueste

920 Ibd.,p. 226

921 Vide, Ibd.,e Kurt Krause, op. cit.,p.104 922 Pais, op. cit.,Vol. I, p.228

923 Pais, op. cit., Vol. III, p.214 924 Ibd., Vol. I, p.231

pera Sueste, se hemos de falar como os mareantes; e terá de comprido, se for pella praya 25 legoas ou mais; e de largo 16, pouco mais ou menos(...)»925

As suas nascentes, assim como os rios que ali desaguam não são mencionados e as dimensões apontadas são tidas como muito exageradas, o que explicaria a sua

considerável extensão na carta de Almeida926. Pais refere igualmente as suas

numerosas ilhas, avançando com o número total de vinte e um927 (embora este

número não esteja ainda confirmado, parecendo haver flutuações na contagem), muitas delas com importantes mosteiros. Nesta época é este mar de Dambiâ, actualmente conhecido como lago Tana, o ponto nevrálgico do país e local de fixação dos monarcas etíopes.

Tal não acontece na época do P.e Francisco Álvares, que não alude à região ou ao lago, embora refira, como já dissemos os «grandes lagos» na região do Gojam. Este autor alude especificamente apenas ao lago Hâic, nas fronteiras do reino de Angot e de Amara e, considera-a o maior da Abissínia928 não conhecendo a lagoa anteriormente referida .

Também Pais refere este lago Hâic929, assim como o de Zôai no reino de Ôye,

a sudeste da Etiópia, avaliando o seu tamanho e mencionando uma das suas ilhas com um mosteiro930. È provável que o Zôai se identifique com o grande lago que Álvares coloca na região seca do reino de Adel, para sul e a Levante, mencionando

uma ilha em que teria sido construído um mosteiro931.

Outro factor que exacerba as dificuldades das viagens em África é o clima. Também este aspecto é anotado pelos autores, não de uma forma sistemática mas a

925 Ibd., p. 232

926 Vide, Kurt Krause, op. ci.t, pp. 106/108

927 «Tem esta lagoa m.tas ilhas co grande arvoredo, huas desertas e outras povoadas; e em vinte e hua dellas há mosteiros co m.tos frades.», Pais, op cit.,Vol. I, p.232

928 «E aqui contra o Levante, já no reino de Amara, há uma grande lagoa(...)será esta lagoa ou lago bem três léguas de comprido e passará de uma légua de largo.(...)Dêstes lagos vimos muitos nesta terra e êste é o maior que lá vi.», Álvares, op. cit.,pp. 159/160

929 « Em o reyno de Angôt porto do reyno de Amharâ está outra lagoa, q chamão Hâic e poderão dar volta à roda em meio dia ou menos. Tem hua ilha em q está hu mosteiro e alguns frades e a Igreja de s. Estevão.», Pais, op.

cit.,Vol. I, p. 231

930 « Corre esta lagoa de Norte a Sul, tanto q pera lhe dar a volta dizem q he necessario quasi hu dia inteiro caminhando a bom passo; e he quasi tão larga como comprida. Tem no meio hua ilha pequena e nella hu mosteiro , em q estão alguns frades, q não lhes falta peixe porq o há aly em abundancia.», Ibd.,p. 231

931« E dizem haver neste reino[de Adel] um grande lago como mar que não tem vista de cabo a cabo e dizem haver nele uma ilha em que em outro tempo um Preste João mandou frazer um mosteiro e pôs em êle muitos frades, pôsto que fôsse em terra de mouros. (...) e ora dizem êles (...) que lá foram , que os frades daquele mosteiro morreram quási todos de febres.», Álvares, op. cit.,pp. 340/341

propósito de episódios circunstanciais. Tanto mais que a Abissínia conhece várias zonas climatéricas desde o extremo calor na costa do mar Vermelho e proximidade das regiões desérticas, passando pelas temperaturas moderadas das terras altas (que seria o caso de Dambiâ), até ao extremo frio das regiões de altos cumes

montanhosos932. Acresce que o ritmo das estações do litoral até aproximadamente à

região montanhosa de Tigrei, se opõem ao das estações do interior montanhoso933. Segundo afirma Kurt Krause, «(...) a escarpada vertente horizontal da região

montanhosa é o limite metereológico(...)»934.

Esta dualidade de estações climáticas, por vezes patentes no mesmo reino é percepcionada tanto por Álvares como por Pais. Este últimoexpõem o funcionamento do clima com bastante clareza: «(...) quando he Inverno pera a banda do mar roxo, q lá começa em fins d’ Outubro e dura até fevereiro e março; quá pella terra dentro he Verão; e quando quá he Inverno q começa no fim de Maio e dura atee Outubro, laa he verão, e he cousa maravilhosa, q huas serras são sempre os limites do Inverno e

do Verão ; (...)»935. E o missionário relaciona mesmo as mudanças climáticas com o

horário solar936.

Quanto ao clima refere Francisco Álvares que «(...) nesta terra há invernos divididos em temporadas(...)», identificando esta estação com o período das chuvas (Fevereiro, Março e Abril) na serra de Bisão e na de Cama no reino de Tigrei, e em

Doba937. Chegando à costa do mar Vermelho em Abril, a embaixada portuguesa, de

que faz parte o P.e Francisco, atravessam uma zona de clima quente, no início da estação seca. Desta forma podem trilhar ribeiras secas, sofrendo embora com o calor (o autor referirá mais tarde que em Arquico eram as«(...)calmas grandes e incomportáveis(...)»938) e a falta de água939.