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A adesão da indústria a novos projectos nacionais

2. PRIMEIRA PARTE: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.6. O D ESIGN I NDUSTRIAL EM P ORTUGAL : 1900 – 2000

2.6.2. D OS ANOS 50 ATÉ AO FINAL DO SÉCULO XX:

2.6.2.1. A adesão da indústria a novos projectos nacionais

Os anos 50 foram marcados pelo início de uma onda crescente de contestação do regime. Conscientes da actuação da polícia política do Estado, grupos de portugueses organizam-se em manifestações de protesto em várias zonas do país.

Entre as décadas de 50 e 60, a actuação de alguns arquitectos, pintores e escultores fortifica-se como elo “de resistência e de ruptura face ao imobilismo das linguagens historicista e regionalista.” [Afonso Santos, 2003, 32].

Em simultâneo, na luta contra a contínua insuficiência industrial, os equipamentos e mobiliário nacionais conquistavam a “liberdade” de interpretação dos seus criadores. Raul Chorão Ramalho (n. 1914), autor de vários trabalhos de importante referência (destaque para a remodelação da Cervejaria Trindade e o projecto do Centro

Comercial do Bairro do Restelo) foi protagonista do “grandioso” projecto (1952-55) do

384 No dia 7 de Novembro de 1949, António Ferro é afastado do cargo de director do SPN: “Uma vez encerrado o ciclo de

ligação privilegiada entre o Estado Novo e uma concepção (uma prática) ‘modernista’ da arte, da cultura e da propaganda, tratou-se de mais um exemplo de ‘exílio dourado’ para um colaborador do regime que Salazar passou a considerar desnecessário e/ou incómodo” (João Paulo Avelãs Nunes, 1994, 348).

385 “abriu-se a exposição 14 Anos de Política do Espírito, notavelmente decorada por Tom e Manuel Lapa, e foi inaugurado o

excelente (e moderno) Museu de Arte Popular, em Belém (arranjado por Segurado, decorado por Tom e com pinturas murais de Botelho, Tom, E. Anahory, Manuel Lapa, Estrela e Paulo Ferreira), que veio tornar perenes as soluções decorativas efemeramente criadas para as exposições nacionais e internacionais” (ibidem).

Café Império para o qual desenvolveu uma série de equipamentos386 produzidos nas

oficinas da MIT/Metalúrgica da Longra387 (Figura 26).

Figura 26 – Café Império em Lisboa e respectiva cadeira388 (c. 1955), Chorão Ramalho.

Fernando Távora (1923-2005) foi, na mesma altura, outro dos arquitectos que iniciou o processo evolutivo do pré-design de equipamento no nosso país. O mobiliário que concebeu demonstrou, desde logo, “evidentes preocupações de funcionalidade e ergonomia”389.

José Pulido Valente (n. 1939) assumiu-se como o grande promotor do design no Porto. Em 1955, foi responsável pela concepção de “um cadeirão de braços em fino tubo de ferro e estofo em tecido, articulando geometricamente os pés e apoios laterais de modo a conseguir impacto visual com um mínimo de recursos”390.

José Espinho (1917-73), com formação na Escola António Arroio e iniciando a sua carreira na prática das artes gráficas, dedica a sua competência profissional, a partir de 1950, à concepção e produção de mobiliário na firma Móveis Olaio391 (empresa

própria).

386 “ (…) bancos encastrados em madeira, mesas longitudinais com tampo de mármore e, sobretudo, importantes e pioneiras

cadeiras (...) de forma organicista, com assento e costas de curvatura acentuada e suavemente ergonómica, fabricadas em aglomerado e tubo metálico e passíveis de produção em chapa estampada.” (Rui Afonso Santos, 2003. 34).

387 “ (…) empresa que teria a maior importância no futuro processo do design industrial em Portugal.” (ibidem).

388 Fonte: AAVV (coordenação editorial de José Manuel das Neves), Cadeiras Portuguesas Contemporâneas, Porto, ASA

Editores S.A., 2003, 33, 142.

389 “ (…) concebeu, em 1952, para a sua própria casa, uma despojada e inovadora cadeira de estrutura em madeira e estofo

em tecido, onde articulou de forma singular o assento baixo com o espaldar inclinado” (ibidem).

390 Afonso Santos, 2003. 34.

391 “ (…) inicialmente à luz do ‘estilo rústico’ e, desde 1958, sob conceitos mais actualizados, racionais e contemporâneos

Álvaro Siza Vieira (n.1933), concebeu desde a década de 50392, tanto ao nível da

arquitectura como do equipamento e mobiliário, uma vasta obra acentuada por uma “poética racionalista” com “origens no movimento moderno”. Desta altura, destaca- se a decoração, o mobiliário e os equipamentos concebidos para a famosa Casa de

Chá da Boa Nova393 [Afonso Santos, 2003, 94] (Figura 27).

Figura 27 – Da esquerda para a direita394: Cadeira (1955), Fernando Távora; Cadeira Escandinávia (1958), José Espinho;

Cadeirão de braços (1955), Pulido Valente; Sofá Boa Nova para Casa de Chá em Leça da Palmeira (1956), Siza Vieira.

De entre tantos nomes já enumerados como pioneiros da implementação de uma disciplina de design em Portugal é obrigatório destacar-se, durante a década de 50, os nomes de Cruz de Carvalho e de Frederico George na medida em que, com actuações diferentes, ambos permitiram uma sedimentação de processos metodológicos de design.

Cruz de Carvalho (n. 1930) entra, em 1954, para a sociedade da Altamira. Em 1955, assume o projecto de remodelação e ampliação da fábrica. Desenha a partir de então linhas seriadas de mobiliário doméstico contemporâneo e concebe igualmente o logótipo da empresa (bisonte). No mesmo ano, e com base na proposta pioneira de Conceição Silva de se fazer a fusão das diferentes actividades plásticas, Cruz de Carvalho inaugura a Galeria Pórtico (desenhada por si), na qual, para além de inúmeros trabalhos artísticos da sua autoria, expõe um conjunto de mobiliário produzido na empresa. Nessa época, Cruz de Carvalho preconiza um processo extremamente inovador no nosso país. No seu conceito de design, concilia os aspectos tecnológicos e materiais com os aspectos funcionais, utilitários e ergonómicos das peças, adaptando-os às características estudadas que

392 Apesar do seu amplo reconhecimento em Portugal se ter dado apenas a partir de 1988 – na sequência da valorização

internacional do seu trabalho.

conformavam três diferentes grupos de potenciais consumidores395/396. Iniciava-se

assim, na indústria nacional, o desenvolvimento de uma metodologia projectual sustentada em estudos específicos que unificavam diversas áreas científicas, com o objectivo de satisfazer necessidades também específicas de utilizadores. Desde então, a Altamira afirmou-se, ao longo dos 50 anos seguintes, como uma das mais referenciadas marcas de mobiliário e decoração portugueses.

Frederico George (1915-94), por seu lado, marca o início da revolução do ensino de design no país.397 No âmbito dos vários trabalhos realizados para a Embaixada

Americana em Portugal, é-lhe concedida, em 1952, uma bolsa de estudos nos EUA. Esse facto possibilitou-lhe o contacto directo com Walter Gropius e Miles van der Rohe e, consequentemente, uma visão ampliada do design e das fundamentações teóricas e práticas bauhausianas. Essa experiência leva-o, em 1957, ao leccionar na ESBAL, a perspectivar uma ideologia de vanguarda na formação de uma primeira geração de designers em Portugal. Nessa altura, estabelece-se no seu atelier um contacto muito próximo entre colegas, colaboradores e alunos, fomentado através do debate de conceitos e de experiências, cujo tema torneava as possibilidades de actuação e aplicação de um novo design nacional. Desse grupo de pessoas, no âmbito da área do equipamento, destacam-se Sena da Silva (1926-2001), Daciano Costa (1930- 2005)398 e Rogério Ribeiro (1930-2008). Casos paradigmáticos da obra do Mestre

Frederico George são: em 1959, a Exposição Comemorativa do V Centenário do Infante (com colaboração de Daciano Costa) e, na década seguinte, em 1960, o novo Hangar de Exposições do Museu da Marinha [Afonso Santos, 2003, 48].

394 Fonte: AAVV (coordenação editorial de José Manuel das Neves), Cadeiras Portuguesas Contemporâneas, Porto, ASA

Editores S.A., 2003, 170, 145, 320, 308.

395 “(…) ilustrativo da Classe 3 foi o magnífico cadeirão MA-2, escultural peça biomórfica com estrutura de nogueira, assento e

encosto em palhinha, limitada à edição de um pequeno número de exemplares [...] Ilustrativa da Classe 2, destaca-se a poltrona ou cadeirão rebatível e reclinável PL-2, de perfis rectilíneos em castanho, generosamente estofado” A Classe 1 era “assinalada pela simplicidade de formas, utilização de matérias-primas baratas e pela possibilidade de se combinarem peças para a formação de conjuntos multifuncionais, bem como de se partir de um mínimo de elementos a ir completando à medida das necessidades e das posses.” (Rui Afonso Santos, 2003. 46).

396 Em 1962 Cruz de Carvalho sai formalmente da Altamira criando, em 1967, a marca Interforma que nos anos seguintes se

afirmaria fortemente transformando-se na grande concorrente da própria Altamira. [Rui Afonso Santos, 2003, 58].

397 “Uma das acções fundamentais com que deparamos entre os ‘desígnios’ do Design em Portugal é precisamente a de

Mestre Frederico George, pintor, arquitecto, designer, dos primeiros a ter uma clara consciência sobre esta nova problemática.” (Maria Helena Souto, 1992, 24).

398 “A todos, Frederico George forneceu verdadeiras experiências de design básico, estimulando-os para o design industrial,

criando-lhes a apetência para a profissão de designer, através de ensaios que iam desde a cerâmica à litografia, passando pela realização de exposições e montras.” (Maria Helena Souto, 1992, 25).

2.6.2.2. Primeira tentativa institucional de divulgação do Design Industrial como mais

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