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Do Design tradicional à divulgação do Design Ecológico

2. PRIMEIRA PARTE: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2. O D ESIGN I NDUSTRIAL E A SUA H ISTÓRIA

2.2.2. D OS ANOS 50 AO FIM DO SÉCULO XX:

2.2.2.7. Do Design tradicional à divulgação do Design Ecológico

Entre 1990 e 1991, durante a guerra do Golfo, para além de uma nova subida do preço do petróleo (crise económica) – e da controvérsia em redor das questões políticas, sociais e humanitárias inerentes ao conflito – foi também despoletada uma nova e devastadora crise ambiental derivada quer do derramamento quer da própria combustão de petróleo, cujas consequências ecológicas foram mundialmente divulgadas. Esse facto, somado ao amadurecimento das problemáticas já levantadas nas décadas anteriores (produção/consumo/ambiente, crise energética de setenta e desastre de Tchernobil, em 1986) levaria à intensificação das medidas governamentais e privadas de protecção ao meio ambiente. No âmbito do design, o termo “Green

Design”186 assume uma preponderância inédita187 na medida em que prevê, no seu

programa de actuação, uma estreita correlação entre design ecológico e processos industriais preexistentes. O conceito de base pretendia a disseminação em massa de produtos ecológicos – green products – e foi posto em prática por algumas empresas mais sensibilizadas para a problemática ambiental, nomeadamente através do desenvolvimento de embalagens e produtos recicláveis e/ou reutilizáveis188. Sob o

lema “green lifestyle” esses produtos foram sendo comercializados mediante o pressuposto competitivo de que o público comum estaria cada vez mais consciente

ajustamentos entre características do produto e o preço tornou-se conhecida como «A diagonal Grange». Tratava-se de um instrumento de marketing criado por um designer industrial” (Christopher Lorenz, 1991, 136).

186 “green design is a general design term that emerged in the late 1980s. An international surge of interest in ecological issues

resulted from various man-made disasters […] combined with the growing awareness of the accumulating effects on the environment of the industrial world” (Guy Julier, 2004, 99).

187 Quer Fuller quer Papanek já haviam, há cerca de duas décadas, publicado obras que alertavam para as mesmas questões.

No entanto, no âmbito específico do design industrial e do trabalho do segundo autor, e muito graças às diferenças contextuais das sociedades de finais de sessenta e de setenta e das sociedades de finais de oitenta e de noventa, aconteceu que, a receptividade do publico em geral e, sobretudo, da indústria, para as propostas de Papanek não foi a melhor. A razão por detrás disso não tem tanto a haver com o facto de o seu discurso ser maioritariamente direccionado para os designers, mas tem sobretudo a haver com o facto de, nele, o autor contestar ferozmente as filosofias mercantilistas da indústria norte-americana. Por seu lado, os proponentes do Green Design, quase vinte anos depois, graças a um contexto favorável às suas propostas, direccionam-se estrategicamente não só para massas consumidoras, como para a própria indústria. Mas os pressupostos de base por detrás da diferenciação dos seus produtos, são, na realidade, os há muito desenvolvidos por diferentes autores da década de cinquenta, e cuja sistematização e adequação a processos de design foi, na década seguinte, assumida pelo Professor vienense. E nesse sentido, os conceitos de Green Design, green lifestyle ou green products, apesar de baptizados e mercantilisticamente desenvolvidos pelo Michael Peters Group, são, na sua génese, da autoria de Buckminster Fuller, Richard Neutra, Victor Papanek, entre outros.

da sua responsabilidade enquanto consumidor189. E independentemente dessas

práticas terem surtido um impacto contido na produção industrial global, um facto é certo: a partir de então seria dada, a um nível geral, uma crescente importância aos materiais utilizados, à obsolescência como atitude, e à eficiência energética aplicada a produtos e processos de fabrico [Julier, 2004, 99].

Paralelamente à investida prática de alguns designers190 e de um número crescente

de empresas, na implementação de processos e de produtos ecológicos191, também,

desde os anos oitenta, grandes nomes da teoria do Design imprimiriam uma nova força à consideração de factores ambientais no contexto do universo industrial.

Em 1986, Ezio Manzini192 (n. 1950) publica o livro La matéria dell’invenzione. Nessa obra,

direccionada para os designers de todo o mundo – e acessível ao público em geral assim como a um público especializado de outras áreas relacionadas com o design –, Manzini analisa de forma inédita as “possibilidades, limites e implicações dos novos materiais”. No capítulo “Os materiais e os sistemas”, os temas energia e ambiente são abordados segundo uma perspectiva lúcida de possibilidades e responsabilidades no que respeita à escolha de materiais, durante o processo de desenvolvimento industrial de novos produtos. Colocando a questão paradigmática que confronta “Quantidade e Qualidade”, o autor lembra: “Foram necessários cerca de dois séculos para construir uma cultura ecológica capaz de distinguir os termos do problema ambiental que se colocou na primeira fase da era industrial. Esperemos que, hoje, os novos termos da questão e as linhas de uma possível solução sejam mais rapidamente identificados. Perante a densidade de desempenhos dos objectos neotécnicos e da sua inquietante «quase organicidade», que corresponde realmente a uma vincada diferenciação relativamente a quaisquer bases «naturais», temos que elaborar uma cultura ecológica

189 Essa noção de “responsabilidade do consumidor” seria posteriormente desenvolvida de forma sistematizada,

nomeadamente por intermédio de propostas educativas concretas, por Victor Papanek.

190 que Estas questões não eram, nem nunca foram, obviamente apenas circunscritas ao design. Nesse domínio é fundamental

referir-se o importantíssimo papel da Engenharia do Ambiente.

191 “In 1989, Scientific American published what would prove to be a seminal article for the field of industrial ecology. The article

by Robert Frosch and Nicholas Gallopoulos was titled “Strategies for Manufacturing” and suggested the need for "an industrial ecosystem" in which "the use of energies and materials is optimized, wastes and pollution are minimized, and there is an economically viable role for every product of a manufacturing process." Frosch and Gallopoulos envisioned a more integrated model of industrial activity that would be environmentally sustainable on a global level. Their article was the catalyst for a Symposium held by the US National Academy of Sciences in the early 1990s that has been heralded as a founding event for the modern field of industrial ecology. During the decade following the symposium, the US-based effort becoming known as industrial ecology joined with and built upon a substantial body of research, practice and expertise already underway throughout the world, but especially in northern Europe.The field’s growth was signaled by two Gordon Research Conferences in the United States as well as a number of special sessions at annual meetings and conferences of various professional and scientific organizations. In the late 1990s the field gained increased international recognition through the creation of the Journal of Industrial Ecology -- now a widely respected, scholarly, peer-reviewed journal -- and the establishment of an academic degree-giving program at the Norwegian University of Science and Technology (NTNU).” http://www.is4ie.org/history.html#ref2

192 Professor de Design Industrial no Politécnico de Milão, onde é Coordenador de Doutoramentos em Design Industrial e

Director do Mestrado em Design Estratégico. Manzini é uma referência no âmbito do desenvolvimento de soluções estratégicas associadas ao Design para a Sustentabilidade.

capaz de tratar não só os problemas, mais evidentes, da quantidade, como também os dilemas, mais subtis, da qualidade. Este passo é imperativo, não por razões que tenham que ver com uma fútil oposição à dinâmica de transformação em curso, mas porque é necessário construir uma componente cultural que oriente esta evolução em direcção a equilíbrios aceitáveis entre o ambiente artificial e as leis da Natureza a que estamos vinculados”193.

Numa perspectiva convergente, mas mais directamente vocacionada para a responsabilização das orgânicas industriais no seu todo, em 1991, aquando da publicação da obra Disegno Industriale: un riesame, Maldonado194 evoca a fabulosa

metáfora “voo às cegas versus voo à vista”. E, nesse contexto, o autor afirma: “Na primeira fase do industrialismo, que está neste momento a chegar ao fim, era normal e possivelmente funcional, o «voo às cegas», isto é, um comportamento arrogante é (ou por vezes apenas culpavelmente ignaro ou distraído) em relação aos eventuais efeitos perversos da própria acção sobre o ambiente físico e social. Tudo era justificado pela necessidade de prestar tributo – a todo o custo – às imperiosas exigências da modernização capitalista. Nessa altura era o realismo que se invocava. Mas os tempos estão a mudar. Na fase neo-industrial, tal comportamento, pelo contrário, seria rejeitado pela sua falta de realismo. […] Na nova fase, será obrigatório o «voo à vista», o mesmo será dizer, um comportamento lúcido, vigilante, sempre alerta em relação a todo o leque de efeitos – ambientais, sociais e culturais – que podem brotar da própria acção. […] Referimo-nos, em especial, às tarefas apontadas para o desenvolvimento de produtos compatíveis com a qualidade do ambiente, produtos com as mesmas (ou ainda melhores) prestações do que os actuais, mas reprojectados de forma a não precisarem de recorrer a tecnologias de alta intensidade de matérias-primas e de energias não renováveis. Agrade ou não ao mundo industrial, esta é a única via que será possível percorrer”195.

Quatro anos mais tarde, em 1995, Papanek196 lança o livro The Green Imperative.

Natural Design for the Real World, que resulta de um upgrade das suas obras anteriores

(quer da de 1971, quer da de 1983, Design for Human Scale). Para Papanek, e em

193 Ezio Manzini, 1993, 49.

194 Depois da experiência de Ulm, Tomás Maldonado, entre 1968 e 1970 foi professor na Escola de Arquitectura da Universidade

de Princeton. Em 1967, foi professor de Planeamento Ambiental na Universidade de Bolonha até 1984. Desde então é Professor no Politécnico de Milão com a a regência, também, da cadeira de Planeamento Ambiental.

195 Tomás Maldonado, 1999, 106-107.

196 Papanek foi Professor de Design no California Institute of Arts e director de vários departamentos de Design em Escolas de

todo o mundo, incluindo o Kansas City Art Institute, do qual foi presidente entre 1976 e 1981. Entre os anos setenta e oitenta, Papanek trabalhou igualmente em inúmeros países do Terceiro Mundo, com o objectivo de desenvolvimento de soluções de design concretas, tendo em conta problemas e contextos locais específicos.

coerência com todo o seu trabalho, a noção de “futuro desejável” não assenta tanto numa visão industrializada de produtos para as massas, mas, sobretudo, numa perspectiva de educação de comportamentos e de responsabilidades individuais; quase sempre, mais precisamente em oposição à massificação de produtos e de serviços considerados supérfluos. Em The Green Imperative, cuja publicação aparece numa altura em que as questões ambientais são já assumidas como um problema internacionalmente não ignorável, Papanek não dirige o seu discurso para o geral dos industriais, mas sim, e de forma incisiva, para os projectistas/designers, para os educadores (escolas, professores, pais, etc.) e para os consumidores (grupo que também engloba os anteriormente mencionados). Assim, sob o pressuposto de que a industria é, na quase totalidade dos casos, uma força regida por interesses maioritariamente economicistas, e nessa medida adversa à implementação de medidas ambientais que possam significar, a curto-prazo, um investimento em políticas mais dispendiosas do que lucrativas, Papanek propõe não apenas a educação do designer e a sensibilização das massas produtoras mas, principalmente, e com intuitos estratégicos de sucesso futuro, a aposta na educação das massas consumidoras: “ (...) o ser humano molda a sociedade e o seu futuro mediante o que é ensinado aos jovens, como é ensinado e porquê. O ensino do design deveria ser introduzido em escolas pré-primárias, primárias e secundárias, em vez de ser reduzido a estudos vocacionais e opcionais a nível pós-secundário. […] Todos nós estamos envolvidos no design. Como utilizadores, somos tanto consumidores como vítimas do ambiente, dos edifícios, dos utensílios e artefactos que constituem o nosso mundo. Se o design é um esforço consciente e intuitivo para impor uma ordem significativa, então o como e o porquê disto deveriam ser ensinados”197.

Com o decorrer dos anos noventa e nos primeiros anos de dois mil, disciplinas como

Ecodesign e Design para a Sustentabilidade198 foram sendo progressivamente

introduzidas nos programas curriculares de cursos superiores de Design Industrial em todo o mundo. Também doutoramentos e mestrados nessas áreas têm sido internacionalmente desenvolvidos por novos investigadores.

Assim – não só no âmbito específico do design como no contexto de outras áreas de conhecimento –, por intermédio de publicações, seminários, conferências, concursos, workshops e projectos internacionais de educação, a temática “Ambiente” tem sido disseminada para além da tradicional esfera especializada. Hoje, mesmo em países menos desenvolvidos, conceitos como “reciclagem” e “ecologia” são reconhecidos

197 Victor Papanek, 1995, 235-236.

pelas crianças da maioria das escolas de ensino primário. Também ao nível da indústria têm sido internacionalmente implementadas medidas governamentais de incentivo à preservação ambiental199. Nesse sentido, assiste-se actualmente, por parte

de países cuja sensibilidade para essas questões já é cultural (sobretudo Alemanha, Holanda e países Escandinavos), à selecção rigorosa de fornecedores internacionais mediante a consideração obrigatória de requisitos de certificação ambiental200. Este

facto tem levado a que empresas de todo o mundo se vejam obrigadas a recorrer a esse género de politicas preventivas; mesmo que muitas vezes mais motivadas por razões competitivas do que por razões éticas e sociais. Não obstante esta mudança de tendência global (independentemente das motivações de origem), outros factores prevalecem cuja força insiste em se sobrepor a uma prospectivação conscienciosa do futuro. E na sua base estão, como sempre estiveram, os interesses de monopólios políticos e económicos, cuja soberania é detida por uma minoria de indivíduos201.

Prova disso é – sobretudo em países como os Estados Unidos, cujo rendimento interno depende grandemente da exploração petrolífera – o entrave governamental ao desenvolvimento e comercialização massificada de veículos movidos a energias alternativas, que substituam os combustíveis derivados do petróleo202.

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