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2. PRIMEIRA PARTE: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2. O D ESIGN I NDUSTRIAL E A SUA H ISTÓRIA

2.2.1. D E FINAIS DO SÉCULO XIX A 1950:

2.2.1.4. Design norte-americano e Styling

Para o entendimento dos factores globais intrínsecos ao desenvolvimento do Design Industrial, saltar do encerramento da Bauhaus para a posterior actividade dos seus ex- professores e alunos, não é de todo possível. Efectivamente, nos Estados Unidos, como consequência da depressão económica de 1929, iniciava-se, na década de trinta, um

114 Na obra O Design Industrial e a sua Estética, escrita no início da década de sessenta, Dorfles afirma: “ (…) há que

reconhecer à Bauhaus o mérito de ter sido a primeira grande escola a enfrentar os problemas do projecto – quer artesanal quer industrial – com a mesma seriedade e profundidade ideológica com que até então tinham sido encarados tão-só os problemas dos «altos estudos» universitários, científicos e humanistas. Esta concepção perpetuar-se-ia até chegar, nos nossos dias, a operar nos círculos docentes mais informados: o estudo do design é hoje considerado tão importante como qualquer outro estudo de disciplinas científicas ou artísticas” (Gillo Dorfles, 1991, 115).

115 Marianne Brandt, após uma experiência na indústria (Gotha), ainda anterior à II Guerra, acabaria por dedicar-se à

actividade de designer como free-lancer e, posteriormente, à pintura e escultura. Contudo, algumas das propostas que desenvolveu, ainda na Bauhaus, seriam produzidas e comercializadas por futuras grandes marcas, como é o caso da Alessi.

outro fenómeno de dimensões incontornáveis cuja proliferação deixaria marcas até os dias de hoje: o Styling.

O Styling teve na sua origem a combinação de dois factores capitais: a crise

económica – cujas graves consequências se reflectiram na imediata quebra dos

índices de consumo/produção – e a necessidade, por parte dos industriais, de recorrerem a uma nova estratégia de retoma de vendas.

Na verdade, a consideração destes factores como uma das bases do desenvolvimento da actividade industrial, e consequentemente do Design Industrial, não é, de si, novidade; já no tempo de Muthesius tinham sido eles os impulsionadores da investida prosperária do governo prussiano. Contudo, no caso do Styling, a estratégia delineada viria a abrir um precedente de repercussões globais, inéditas, quer no plano económico-social, quer aos níveis funcional-organizacional da indústria, conceptual dos objectos e comportamental dos consumidores.

O que o Styling procurava era, por exigência dos industriais, que os novos designers116

atribuíssem ao objecto um carácter atraente que seduzisse, de imediato, o consumidor. Sendo verdade que quer a função dos objectos, quer o suprimento das necessidades dos consumidores eram factores considerados no processo de concepção, o propósito primeiro dos industriais era, no entanto, a subida das vendas e o reequilíbrio das finanças das empresas. E nesse sentido investiram, pela primeira vez de uma forma intencional e racionalizada, no factor surpresa criado por uma imagem

de produto inteiramente nova117 e autopromotora, mesmo que “em detrimento,

muitas vezes, da sua qualidade e conveniência; que procura o seu envelhecimento artificial, em vez de prolongar a sua fruição e utilização”118.

A questão “envelhecimento artificial”, que pressupõe uma dinâmica de substituição do produto industrial pelo encurtamento do seu ciclo-de-vida, marcava a ruptura com a fórmula de produção fordista até então praticada119. Assim, gradualmente, não só a

116 “Recordando este período, Dreyfuss escreve: ‘Eram os anos da depressão, o início dos anos trinta, quando a paralisia

económica se apoderou do país. Os produtos industriais cumpriam a missão para que tinham sido pensados, mas saíam das linhas de produção com uma monotonia enfastiada. Quando os negócios se afundaram a pique, as várias empresas iniciaram a concorrência de preços. Entretanto, alguns industriais mais avisados tinham conseguido entender que, para resolver o seu problema, era necessário aperfeiçoar a utilidade dos produtos, torná-los mais convenientes para os consumidores e, ao mesmo tempo, melhorar o seu aspecto” (Tomás Maldonado, 1999, 47-48).

117 “Styling involves the application of surface effects to a product after the internal mechanism has been designed. The intention

can be either to disguise or to enhance the relationship between form and function. Invariably it is used as a device for stimulating consumer demand” (Guy Julier, 2004, 192).

118 Tomás Maldonado, 1999, 46-47.

119 “ (…) por que motivo a crise de 1929 abre caminho ao reforço, e não ao enfraquecimento, da abordagem antifordiana?

organização e capacidade de produção das empresas sofreu uma adequação organizativa, como também, em muitos casos, a complexidade dos processos de fabrico foi aumentada, mediante a necessidade de resposta às novas propostas estilísticas. Na génese da afirmação prática dessa investida destacam-se os nomes de quatro norte-americanos cuja actividade como designers industriais aconteceu, precisamente, nos primeiros anos da crise. Walter Dorwin Teague (1883-1960), Norman Bel Geddes (1893-1958), Fernand Raymond Loewy (1893-1986) e Henry Dreyfuss (1904- 1972) foram, efectivamente, os grandes pioneiros responsáveis pelo sucesso do Styling (designação que surge posteriormente à sua actuação).

Figura 7 – Baby Brownie120 (1934), Walter Dorwin Teague

A experiência de Teague como consultor de design industrial iniciou-se no ano de 1927. O seu primeiro cliente seria também aquele com o qual estabeleceria a mais longa relação de parceria, a Kodak. No início da sua colaboração com a empresa, a função de Teague consistia apenas na reformulação da concepção da embalagem das máquinas fotográficas. Mas as suas propostas e a gradual confiança estabelecida com a empresa iriam influenciar, para além da imagem da marca, o desenvolvimento de soluções técnicas e funcionais inovadoras.

O seu primeiro trabalho, a Vanity Kodak, foi lançado numa gama de cores, alternativas entre si, e com uma bolsa de seda alinhada a combinar. Tornou-se imediatamente num produto de moda. O mesmo aconteceu com a Baby Brownie, em 1933, que para além de constituir uma aplicação antecipada do plástico nesse

superiormente orientada para uma política de poucos modelos de longa duração, depois da crise opta por uma política de muitos modelos de curta duração. E mais: enquanto, antes da crise, a forma dos produtos é concebida no respeito às exigências da simplicidade construtiva e funcional, depois da crise acontece exactamente o contrário” (Tomás Maldonado, 1999, 46).

tipo de produtos, era uma máquina desenvolvida para o nicho de mercado infantil

(Figura 7). Três anos depois, é lançada a Bantam Special que dá continuidade ao

trabalho de miniaturização das câmaras iniciado com a Baby Brownie. Neste caso, foram introduzidas no corpo exterior da máquina ripas metálicas que, para além da sua função estética, serviam de protecção contra a danificação do acabamento lacado. No final da década de trinta, em 1939, Teague desenvolve ainda a 620

Special, em que o visor e o medidor de exposição são integrados como um único

elemento. Posteriormente, em 1944, W. Teague seria designado como o primeiro presidente da American Society of Industrial Design e mais tarde, já na década de cinquenta, seria o responsável pelo desenvolvimento dos interiores do Boeing 707 [Julier, 2004, 197].

Figura 8 – Super Airlines 4121 (1924), Norman Bel Geddes.

Bel Geddes, detentor de um amplo trabalho como designer de cenários e figurinos para teatro, desde 1913, inicia igualmente o seu percurso como designer industrial, em 1927. Um ano depois, como consultor de design, desenha carros futuristas para a Graham Paige Company e desenvolve uma série de outros projectos de transportes, como autocarros, comboios e aviões (com destaque para o projecto de avião Super

Airlines 4, de 1929, desenvolvido conjuntamente com Otto Koller – Figura 8). Para além do

sector dos transportes, o designer norte-americano trabalha também para empresas como: a SGE, com projecto de fogões (1929); a Toledo, com projecto de balanças (1929); a Simmons, com projecto de mobiliário metálico para casa de banho (1929); a Franklin Simon, com projecto de janelas (1928-1930); a Philco, com projecto de rádios

(1931); e a RCA, com projecto de armário para rádio (1931). Em 1932, Bel Geddes publica a obra que se tornou responsável pela divulgação da noção de Streamlining, o livro Horizons. Sete anos mais tarde, no âmbito da “New York World’s Fair” (Feira Mundial de Nova York), Geddes desenha, para a General Motors, o stand Futuruma e respectivos interiores expositivos. Na sequência desse trabalho, em 1940, Bel Gueddes publica o seu segundo livro: Magic Motoways [Byars, 1994, 209-210].

Figura 9 – Silversides Greyhound122 (1940-54), Philips Philishave 7733123 (1948), Schick Colonel124 (1942), Raymond Loewy.

Loewy, engenheiro francês com uma larga experiência na indústria europeia, nomeadamente no desenho e concepção de aviões durante a primeira Grande Guerra, muda-se, em 1919, para os EUA onde se torna ilustrador profissional. Em 1920, inicia a actividade de designer industrial mas é a partir de 1929, com a fundação do Raymond Loewy Associates e com o início da depressão, que desenvolve grande parte dos produtos pelos quais é hoje reconhecido. Talvez influenciado pela engenharia e pela sua experiência pessoal na indústria de aviação, Loewy desenvolve um estilo próprio fortemente marcado por linhas estilizadas e aerodinâmicas. A impressão desse estilo nos objectos técnicos, electrodomésticos e transportes, marcaria fortemente o design norte-americano dos anos seguintes (Figura 9). Dos

produtos por si desenvolvidos nessa altura, destaca-se, pelo seu estrondoso sucesso comercial em plena crise económica, o frigorífico Coldspot125, lançado em 1930 [Julier,

2004, 127].

122 Fonte: Julier, Guy, Dictionary of Design since 1900, London, Thames & Hudson, 2004, 127. 123 Fonte: Parra, Paulo, Ícones do Design. Colecção Paulo Parra, Casa da Cerca, Almada, 2003, 133. 124 Fonte: Idem, 132.

125 “(…) the overall curved form draws on recent development in metal stamping which allowed shallow curves, thus giving the

form a streamlined edge; beyond this, he hid the door hinges, gave it a jewel-like name plate and installed rust-proof aluminium shelving” (Guy Julier, 2004, 127).

Figura 10 – Bell 300126 (1937), Henry Dreyfruss.

Tendo iniciado a sua carreira como estagiário de Bel Geddes, Dreyfuss assume-se como freelancer em 1927. Dois anos mais tarde, estabelece o Henry Dreyfuss Association, cuja actividade se mantém até hoje.

De entre a vasta actuação de Dreyfuss como consultor e designer industrial, é obrigatório referir-se, entre a década de trinta e a de cinquenta, o seu envolvimento com empresas e entidades como: a Lockheed, no design do interior dos seus aviões; a Bell telephones; a New York Center Railroad, no design da locomotiva a diesel

Mercury; a Hoover; a RCA; a Thermos; a Polaroid; ou a empresa de tractores John

Deere [Byars, 1994, 158]. Ficou conhecido como um dos quatro pioneiros do Styling, devido ao design da locomotiva Mercury e pelo trabalho desenvolvido, entre 1930 e 1937, para a Hoover e para a Bell.

Mas para Dreyfruss – contrariando fortemente a limitação de intenções mercantilistas normalmente conotadas com o Styling – os objectos deviam desenhar-se “de dentro para fora” sendo dada tanta atenção à sua funcionalidade e concepção interior, como à sua aparência. Um bom exemplo da aplicação desse pressuposto é, exactamente, o seu primeiro trabalho, desenvolvido para a já referida empresa de telecomunicações, o telefone Bell 300 (Figura 10). Nesse produto, e comparando-o com

os seus contemporâneos, é fácil vislumbrar o facto de que para a obtenção da forma exterior todo o interior teve de ser redesenhado de maneira a conferir ao telefone a aparência de uma maior compactação. Também detentor de um enorme sucesso comercial, o Bell 300 foi produzido em duas versões cromáticas diferentes (preto e marfim), com o objectivo de atingir sectores de mercado distintos; o em baquelite preta, destinado ao consumidor comum e o em baquelite branca, destinado a uma classe economicamente mais elevada.

Mas, para além da actividade prática projectual, e provavelmente motivado por uma concepção pessoal do design, Dreyfruss desenvolveu inúmeros estudos de ergonomia

e de antropometria. Com a edição desses trabalhos – Designing for Poeple (1955) e

The Measure of Men (1960) – Henry Dreyfuss tornar-se-ia responsável pela identificação

geral dessas disciplinas como ferramentas fundamentais em processos de Design. Dreyfruss foi igualmente co-fundador da Society of Industrial Design e o primeiro presidente da Industrial Designers Society of América [Byars, 1994, 158].

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