• Nenhum resultado encontrado

2. PRIMEIRA PARTE: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.2. O D ESIGN I NDUSTRIAL E A SUA H ISTÓRIA

2.2.1. D E FINAIS DO SÉCULO XIX A 1950:

2.2.1.3. A importância da Bauhaus

Em 1919, Walter Gropius (1883-1969) assume a direcção da Bauhaus81, primeira escola

alemã reformada, nascida depois da I Grande Guerra. Apesar de assumidamente

influenciado pela aprendizagem com Behrens82, Gropius era, também ainda, um

defensor de Morris no que respeitava à preservação do conhecimento técnico artesanal e à necessidade educativa do gosto pela investida numa renovação cultural do povo [Droste, 1994, 10]. O objectivo da escola era a fomentação e criação de uma elite intelectual instruída por docentes especializados nas mais diversas áreas das artes, humanidades e ofícios. Logo na sua abertura, estavam inscritos cerca de 150 alunos dos quais, aproximadamente metade, eram mulheres.

Em alusão à criação de uma “nova estrutura do futuro” e defendendo a conciliação entre o saber intelectual e o artesanal por intermédio dos ensinamentos de um Mestre da Forma e de um Mestre Artesão, no Manifesto Bauhaus, Gropius escreve: “poder-se- ia acabar com a barreira arrogante entre artistas e artesãos”. Era seu intuito “planear, projectar e construir para «o novo homem»”. Numa aura de estímulo geral proporcionada pela filosofia de Gropius, os “primeiros anos da Bauhaus foram caracterizados por um forte espírito de comunidade”83. E nesse sentido, uma das

personalidades mais determinantes desta primeira fase da escola seria Johannes Itten (1888-1967). Os métodos e conteúdos didácticos assumidos por Itten, apesar de 80 Fonte: Fotografia cedida pelo coleccionador Paulo Parra.

81 “A Staatliches Bauhaus, em Weimar – abreviadamente, a Bauhaus – nasce na Alemanha em 1919, da fusão de dois

institutos de ensino preexistentes no Grão-Ducado de Saxónia-Weimar-Eisenach: a Grossherzogliche Hochschule für bildende Kunst (Escola Superior de Belas Artes) e a Grossherzogliche Kunstgewerbeschule (Escola de Arte Aplicada). Esta segunda escola, fundada por H. van de Velde em 1906, era, por sua vez, a emanação directa do Kunstgewerbliches Seminar (Seminário de Arte Aplicada), criado em 1903 por iniciativa do mesmo Van de Velde.. […] Por proposta de Van de Velde, “será confiado a W.Gropius (1883-1969) o cargo de director da Bauhaus, cargo que exercerá até ao fim de 1928. H. Meyer (1889-1954) será o director de 1928 a 1930; L. Mies van der Rohe (1886-1969) de 1930 até ao encerramento definitivo do instituto, em 1933” (Tomás Maldonado, 1999, 51).

82 “Gropius wrote of is influence in The New Architecture and the Bauhaus: ‘It was Behrens who first introduced me to logical and

systematical co-ordination in the handling of architectural problems’” (Guy Julier, 2004, 33).

fortemente marcados por inclinações místicas e expressionistas, foram pedagogicamente determinantes para o desenvolvimento do ensinamento de diferentes áreas de formação da escola, nomeadamente no que respeita à introdução e/ou amadurecimento de disciplinas como Teoria da Cor, Teoria da Forma e Desenho84. Para além de defender a estimulação da criatividade como processo

individual e a exploração das propriedades físicas e sensoriais dos diferentes materiais, Itten defendia também o recurso às formas elementares da geometria e a utilização das cores primárias, “conferindo a cada uma delas um determinado carácter. O círculo era, assim, «fluente» e «central», o quadrado «calmo» e o triângulo «diagonal». As cores e as formas «primárias» foram conceitos que nos anos seguintes vieram a exercer bastante influência na Bauhaus”85 e não se quedaram aí; como confirmariam,

anos mais tarde, as propostas de Max Bill, então aluno da Bauhaus. Itten, todavia, era um opositor inabalável da indústria e dos seus objectos, o que originaria posteriores confrontos com os interesses evolutivos de Gropius.

Se, nos primeiros anos de direcção, Gropius apoiava os métodos de ensino de Johannes Itten, no decorrer do quarto ano da escola essa situação ver-se-ia alterada. Sob a pressão financeira do governo de Weimar – face ao seu descontentamento com os resultados da orientação da Bauhaus perante a encomenda do projecto da

Casa Sommerfeld (1922)86 – Gropius vê-se obrigado a repensar a corrente

expressionista até então vigente, a qual fora fortemente sustentada por Itten87, factor

84 “As aulas tradicionalmente dadas aos estudantes do primeiro ano de qualquer academia ou escola de artes e ofícios

convencional consistiam apenas em copiar objectos como figuras de gesso, ornamentos e nus. Assim, os estudantes adquiriam grande parte da sua técnica através da cópia. Itten, por seu lado, ensinava aos alunos as bases da teoria da cor e forma, composição e ‘design’. A inspiração para o novo e moderno sistema de ensino provinha das teorias de reforma educacional com as quais Itten estava já familiarizado, e pertencentes aos artistas vanguardistas. As teorias desenvolvidas por Itten tinham igualmente por objectivo o ‘eu’: os estudantes deviam procurar o seu próprio ritmo e desenvolver uma personalidade harmoniosa. A influência de Itten na primeira fase da Bauhaus dificilmente pode ser exagerada. Ele não só organizou e estruturou um curso preparatório cujos ideais foram perpetuados, se bem que alterados de tempos a tempos, em muitos cursos de ‘design’ actuais. Como […] exerceu igualmente uma grande influência nas actividades oficinais” (Magdalena Droste, 1994, 30-31).

85 Magdalena Droste, 1994, 28.

86 A propósito desse assunto, e recorrendo a textos de Gropius (Die Tragfähigkeit der Bauhaus-Idee, 1975, p.62 e Die

Notwendingkeit der Auftragsarbeit für das Bauhaus, Wingler, 1972, p.61), Droste diz: “Já no primeiro grande contracto da Bauhaus, a construção e decoração da Casa Sommerfeld, se registou um conflito entre Itten e Gropius, desentendimento esse que perdurou durante os anos seguintes: ‘O mestre Itten afirmou recentemente que deviamos decidir entre produzir uma obra pessoal, individual em completa oposição ao mundo comercial exterior ou procurar um entendimento com a indústria’. Gropius, tinha contudo, um ponto de vista diferente: ‘A Bauhaus, na sua forma actual, resistirá ou ruirá dependendo do facto de aceitar ou rejeitar a necessidade de encomendas. ‘” (Magdalena Droste, 1994, 46).

87 “No interior da Bauhaus, o primeiro «choque» público entre as duas personalidades está registado nos inícios de 1922. […]

Não foi Itten – temos de admitir – que provocou esse deterioramento. As suas opiniões permaneceram as mesmas. Se existiu da sua parte uma mudança, foi de intensidade e não de conteúdo: a sua inclinação para o misticismo transforma- se, decididamente, numa mística. Em Gropius, pelo contrário, ocorre uma mudança substancial. A sua intolerância em relação a Itten é motivada pela deserção do universo ideológico que, até pouco tempo antes, era o seu e de que fazia parte o espiritualismo de Itten. Em 1922, termina para Gropius uma fase: a das correrias bizarras nos pântanos do expressionismo do após-guerra. Já W.Worringer (1921) havia denunciado a crise do expressionismo, da qual também Gropius estava consciente. Além dele, entrava também em crise outra corrente de ideias, a que Gropius tinha aderido em 1918: o movimento que se organizou em volta do ambicioso programa do Novembergruppe. Um programa que pretendia fazer convergir numa só frente de acção todas as correntes de oposição que então existiam na cultura alemã: expressionismo, vitalismo, nietzschismo, utopismo, activismo, anarquismo, voluntarismo, misticismo, socialismo, intuicionismo.

de conflito ideológico decisivo entre os dois professores, e que levaria Itten a pedir a demissão das suas funções. Inaugurava-se, assim, uma diferente era pedagógica da escola.

Nesse período de transição, para além da problemática inerente à Casa Sommerfeld, houve dois factores de charneira que determinariam a Bauhaus de Itten e a Bauhaus pós-Itenn: A influência de “De Stijl” e do seu mentor, Theo van Doesburg (1883-1931) 88,

junto de um grande número de elementos da Bauhaus (professores e alunos) – dos quais se destaca, o então ainda aluno, Marcel Breuer nomeadamente pela proposta da cadeira em ripas de madeira visivelmente influenciada pela Cadeira Vermelha e

Azul (Figura 3), de Rietveld (1888-1964) –; e a investida estratégico-económica de Gropius

no sentido de permitir que a Bauhaus deixasse de depender, apenas, dos cada vez mais insuficientes financiamentos estatais89. Atento à forte influência interna de “De

Stijl” e também aos desenvolvimentos propostos pela corrente construtivista russa90,

Gropius debate-se por uma adequação dos processos de fabrico dos ateliers, no sentido de uma aproximação à produção industrial; o que obrigava à mecanização dos processos produtivos da escola. Por outro lado, desejava igualmente fomentar uma vertente comercial dos produtos daí resultantes com o intuito de fortificar uma fonte de rendimento autónoma que permitisse, à escola, conquistar uma maior estabilidade económica.

A miscelânea, porém, não foi tão explosiva quanto […] tinham, com alguma candura, imaginado. A «revolução do espírito» (Revolution des Geistes) não teve lugar. Nem qualquer outra. […] Não seria justo, todavia, explicar a vontade de mudança de Gropius apenas do ponto de vista da dialéctica das ideias, interior ou exterior à Bauhaus. Referimo-nos ao facto de que, em Gropius, a vontade de mudar era reforçada pela sua sagaz percepção de um eventual desenvolvimento futuro da economia alemã. […] O que efectivamente, virá, mais tarde, em 1924, a ser posto em prática: o plano Dawes, durante um breve lapso de tempo, vai oferecer à grande indústria alemã, a possibilidade de voltar a propor o produtivismo, isto é, de relançar uma gestão nacional da produção capitalista” (Tomás Maldonado, 1999, 59-61).

88 “O golpe mais forte para a substituição da Bauhaus expressionista veio de fora, do artista holandês Theo van Doesburg, um

dos co-fundadores do De Stijl. […] Doesburg fundara o movimento De Stijl juntamente com Piet Mondrian em 1917. Acreditavam que a arte devia reconciliar as grandes polaridades da vida – ‘Natureza e intelecto, por outras palavras, os princípios masculinos e femininos, o negativo e o positivo, o estático e o dinâmico, a horizontal e a vertical’ O ângulo direito e as três cores primárias, completadas pelo preto, branco e cinzento compunham os elementos básicos da expressão. Uma vez que os meios de criação artística ficavam assim especificados, era agora possível quebrar a ‘supremacia do indivíduo’ e criar ‘soluções colectivistas’” (Magdalena Droste, 1994, 54).

89“Desde 1922 que Gropius sondava a possibilidade de constituir uma sociedade por quotas (GmbH) para comercializar os

produtos da Bauhaus. Esta tinha também por objectivo tornar a Bauhaus independente do estado. Esta viragem que Gropius já tinha planeado antecipada e objectivamente e que começou a implementar gradualmente, tem uma importância capital na história da Bauhaus. Esta escolhia, assim, um campo de trabalho para o seu objectivo: ‘design’ contemporâneo para a produção industrial, um campo pelo qual quase ninguém se tinha interessado antes. […] Para aqueles que se tentavam adaptar à Idade da Máquina, a expressão Bauhaus depressa representou tudo o que era oposto à actividade artesanal e decorativa. O espírito deste novo ‘slogan’ foi sentido na própria escola. Gerhard Marcks e Lyonel Feininger, os artistas mais conservadores da Bauhaus, reagiram com renitência: […] Feininger escreveu à sua esposa Júlia: ‘De uma coisa tenho a certeza – se não conseguirmos produzir resultados para mostrar ao mundo exterior e levar a melhor sobre os industriais, o futuro da Bauhaus estará bastante comprometido. Temos de nos orientar para os ganhos – as vendas e a produção em massa!’ Mas isto é contra nós todos, constituindo um sério obstáculo ao desenvolvimento do processo” (Magdalena Droste, 1994, 60).

90 “It started that all artists should now ‘go into the factory, where the real body of life is made’. Thus the traditional concept of

art being exalting was to be discarded; instead, it was linked with mass production and industry and subsequently identified with a new social and politic order.” (Guy Julier, 2004, 58).

Figura 3 – À esquerda: Cadeira Red/Blue91 (1917-23), Gerrit T. Rietveld; à direita: Cadeira em ripas de madeira92 (1923),

Marcel Breuer.

Em 1923, o convite efectuado por Gropius ao jovem construtivista húngaro Lászlo Moholy-Nagy (1895-1946)93 para a gradual substituição de Itten, viria a confirmar a sua

intenção de renovação da Bauhaus: “Moholy foi contratado como novo director do «Vorkurs» e do atelier de metal, mas o seu entusiasmo e arrojo acabaram por estimular toda a Bauhaus. Pouco depois introduziu um estilo moderno de impressão que alterou completamente a imagem pública da Bauhaus. A nível interno, fomentava a confrontação deliberada com o mundo da tecnologia”94.

Figura 4 – Da esquerda para a direita: Pequeno bule para essência de chá95 (1924), Marianne Brandt; Cadeira96 (1924),

Marcel Breuer; Candeeiro de mesa em vidro97 (1923-24), Wilhelm Wagenfield.

Também Paul Klee foi então convidado para substituir Itten na disciplina de Desenho e Wassily Kandinsky para o substituir na disciplina de Teoria da Cor. Sobre a aplicação

91 Fonte: Fiell, Charlotte; Fiell, Peter, El diseño del siglo XXI, Milano, Taschen, 2002, 605. 92 Fonte: Droste, Magdalena, Bauhaus. Bauhaus archive 1919-1933, Berlim, Taschen, 1994, 54.

93 “He was friendly with the Constructivism and participated in the 1922 Dadaist-Constructivist Congress in Weimar organized by

Theo van Doesburg.” (Mel Byars, 1994, 382-383).

94 Magdalena Droste, 1994, 60.

95 Fonte: Droste, Magdalena, Bauhaus. Bauhaus archive 1919-1933, Berlim, Taschen, 1994, 76. 96 Fonte: Idem, 83.

dos novos objectivos da escola, destaca-se o trabalho desenvolvido por Max Krehan no ensino de Cerâmica, por Moholy-Nagy na orientação do atelier de Metal e do próprio Walter Gropius como responsável pelo atelier de Mobiliário. Dos alunos dessa fase, posteriormente também professores da Bauhaus, destacam-se os nomes de Marcel Breuer, Marianne Brandt e Wilhelm Wagenfeld (Figura 4).

A partir de Novembro de 1923, o propósito máximo de qualquer um dos ateliers era a comercialização dos produtos por si produzidos; quer por intermédio da promoção de exposições (Exposição Bauhaus de 1923) e da participação em Feiras Industriais (Feira

de Leipzig, 1924), quer por intermédio da GmbH (Sociedade por quotas constituída por

Gropius para comercialização dos produtos da Bauhaus). Mas era, também, objectivo da escola o estabelecimento de contractos com a indústria para produção de algumas das suas propostas. Havia ainda, todavia, um distanciamento temporal e funcional em relação ao mercado e à aceitação dos produtos da Bauhaus, na medida em que, por um lado, eram comummente considerados demasiado ousados para o “gosto da altura” e, por outro lado, os seus preços ultrapassavam, significativamente, os dos produtos industriais98. No entanto, nessa altura, e não

ignorando o esforço investido no gradual contacto com a indústria, uma das evoluções mais importantes em todo o processo de ensino/aprendizagem vivido pela escola foi que, numa nova orientação didáctica que privilegiava o tipo, a norma e a função, “a palavra «arte» devia ser riscada do dicionário”99. Pelas “mãos” da nova

corrente modernista, a delimitação racional da diferença entre arte e objecto utilitário abria um precedente conceptual e prático no que respeitava à futura, e progressiva, sistematização dos objectivos do Design Industrial.

Não obstante as investidas comerciais, cujo sucesso não atingiu os níveis esperados100,

e a crescente evolução das didácticas dinâmicas da Bauhaus, a sua situação financeira manter-se-ia instável e seria mesmo agravada, em Janeiro de 1924, pela

98 A propósito do candeeiro, de Karl J. Jucker e Wilhelm Wagenfield, desenvolvido entre 1923-24 no atelier de metais, Drost

escreve: “Este candeeiro ilustra claramente o programa Bauhaus da altura: o uso enfático de materiais industriais (metal e vidro), a revelação da função em toda a parte (o cabo eléctrico está claramente visível dentro do veio de vidro) e uma forma estética derivada da harmonia de formas simples. Wagenfeld foi enviado para a feira de Leipzig em 1924 com uma colecção pequena de candeeiros; mais tarde ele lembra como ‘negociantes e fabricantes se riram dos nossos produtos. Apesar de se assemelharem a produtos baratos fabricados à máquina, eram na verdade artigos caros. As suas criticas eram justificadas. ‘ Esta contradição resume tanto o sucesso como a problemática dos anos por volta de 1923. Apesar de serem artigos entendidos como formas industriais, os artigos da Bauhaus continuavam a ser produzidos manualmente nos ateliers. Mas este candeeiro representa um marco miliário no caminho para a forma industrial moderna. Tornou-se um dos exemplos mais célebres dos primórdios do design industrial e recebeu o Prémio de «Gute Form» (Boa Forma) em data recente como o ano 1982.” (Magdalena Droste, 1994, 80).

99 Magdalena Droste, 1994, 84.

100 “Os esforços de através de receitas próprias libertar a Bauhaus da sua dependência do Estado, fracassaram por vários

motivos. A falta de capital de exploração e de equipamento nos ateliers, assim como a falta de experiência empresarial e os efeitos da inflação, contribuíram todos, igualmente, para tal. Em muitos dos seus designers, a Bauhaus levava anos de avanço, mas também levou muitos anos até que o seu sucesso fosse sentido” (Magdalena Droste, 1994, 114).

vitória do partido conservador, que se opunha ao “design moderno” que considerava “bolchevique” e “esquerdista”. Reduzindo, em 1924, o financiamento da Bauhaus para metade e exigindo a demissão de Gropius, num período máximo de seis meses, o partido conservador conseguiria fazer frente a todas as acções de contestação e de delimitação de novas estratégias financeiras levadas a cabo quer por Gropius, quer por vários outros professores da instituição. Nesse mesmo ano, a Bauhaus de Weimar seria encerrada.

A nova escola foi acolhida, em 1925, na cidade industrial de Dessau, então governada pelos sociais-democratas, cujo apoio se manifestaria através do seu próprio burgomestre, Fritz Hesse.

Em Dessau, Gropius assumiria o projecto do novo edifício da Bauhaus, assim como o da casa dos Mestres. Para além da construção arquitectónica em si, seriam igualmente considerados os aspectos decorativos e funcionais do seu interior (Figura 5).

Figura 5 – Da esquerda para a direita: Vista sudoeste do edifício da Bauhaus101, Casas dos Mestres102, Sala de estar da casa

de Gropius103 (casa dos Mestres).

Essas obras de conjunto seriam em breve internacionalmente reconhecidas como exemplos de referência do design e da nova arquitectura moderna alemã104: “Esta

encomenda da cidade de Dessau permitiu a Gropius e à Bauhaus testar, na prática, o seu objectivo em desenvolver tudo, desde o mais simples utensílio doméstico ao edifício acabado”105. Mantendo as directrizes pedagógicas de Weimar por mais dois

anos, mas sofrendo posteriormente as divergências de novas propostas de reforma para a escola – por parte de novos e antigos professores –, no início de 1928, Gropius

101 Fonte: Droste, Magdalena, Bauhaus. Bauhaus archive 1919-1933, Berlim, Taschen, 1994, 122. 102 Fonte: Idem, 126, 128.

103 Fonte: Idem, 130.

104 “A Bauhaus tornou-se num ponto de peregrinação, atraindo mensalmente centenas de visitantes nacionais e – de forma

crescente – estrangeiros. Os estudantes da Bauhaus serviam de guias em visitas regulares. No Bairro Törten, Gropius pôde pela primeira vez demonstrar técnicas de construção industrial e a sua Repartição de Trabalho para a cidade de Dessau (1927-29) constituíram o seu mais lógico e atraente trabalho” (Magdalena Droste, 1994, 120).

demite-se do cargo de director da Bauhaus. No mesmo ano sucede-lhe, por sugestão sua, o produtivista106 suíço Hannes Meyer (1889-1954).

Meyer manter-se-ia na frente administrativa da Bauhaus durante apenas dois anos, até 1930, altura em que, por motivos políticos, seria igualmente afastado da escola. Contudo, e apesar do seu breve mandato, também ele introduziu reformas organizacionais determinantes na orientação pedagógica da Bauhaus, cujo impacto contribuiu decisivamente para a evolução do conceito de Design, nomeadamente, na perspectiva de uma aproximação às necessidades do consumidor.

Logo no primeiro ano de direcção, Meyer define três objectivos prioritários para a organização da nova actividade dos ateliers: “Maior rendibilidade”, “auto- administração de cada célula” e “princípios de ensino produtivos”. Em 1929, procede à fusão dos ateliers de metais, de carpintaria e de pintura mural num único atelier, a que denomina de atelier de «design» de interiores [Droste, 1994, 174]. Pela primeira vez, a palavra “Design” era, em termos pedagógicos, aplicada como denominação disciplinar. Efectivamente, uma das marcas deixadas pela Bauhaus de Meyer é, precisamente, o trabalho desenvolvido nas áreas de iluminação e de mobiliário. “Gropius tinha declarado que o objectivo principal da Bauhaus era desenvolver modelos para bens industriais. Meyer foi um passo avante. A Bauhaus devia projectar modelos que se adaptassem «às necessidades do povo», do «proletariado». Meyer atribuía, assim, ao trabalho da Bauhaus um objectivo social que pouco depois foi condensado na frase «necessidades do povo primeiro, luxo depois»”107. A palavra

“standard”108 passaria então a pertencer aos conceitos base do atelier de “design de

interiores”. Sob estes pressupostos, e destacando a “consideração sistemática das

necessidades” do utilizador, Meyer defende a criação de “apenas um número restrito de produtos «standard», válidos universalmente e que, graças à produção em massa, estariam ao alcance do maior número possível de compradores”109. Era seu objectivo

estabelecer uma maior aproximação entre o trabalho desenvolvido nos ateliers e a orgânica sistematizada do trabalho industrial. Por outro lado, sendo o elevado preço dos produtos fabricados pela escola um dos problemas da sua aceitação no mercado geral (do povo) e, ao mesmo tempo, numa tentativa de os tornar mais

106 “Productivism is a term that is often used interchangeably with CONSTRUCTIVISM. Both were generated in revolutionary Russia

in 1920 and 1921 and broadly describe an artistic involvement in the mass-produced industrial objects. However, while Constructivism approached the notion of ‘production art’ from their own artistic standpoint, grappling with form-making using a variety of materials, the Productivists worked from the industrial context” (Guy Julier, 2004, 173).

107 Magdalena Droste, 1994, 174.

108 Concepção proposta pelo engenheiro Frederick Winslow Taylor (1856-1915) no âmbito das suas análises da organização do

trabalho (Taylorismo).

facilmente negociáveis com a indústria no processo de conquista de uma produção massificada, Meyer opta por, estrategicamente, reduzir os custos inerentes à produção dos novos objectos. Para tal recorre: à utilização de novos materiais, de preço inferior

Documentos relacionados