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2. PRIMEIRA PARTE: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.4. D ESIGN I NDUSTRIAL E B IODESIGN

2.4.1.A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE BIODESIGN

Como veremos, o tema evolução do conceito de Biodesign não pode ser dissociado do ponto seguinte na medida em que este se encontrava, originalmente, apenas relacionado com o Design Industrial e com a produção de objectos de consumo generalizado.

Contudo, é importante esclarecer que, actualmente, o sentido da palavra “Biodesign” é o mesmo do de “Design Biónico”. Ambos são utilizados para designar o estudo de organismos naturais na perspectiva de uma mimesi aplicável ao design do mundo artificial (seja no âmbito do Design de Produto ou da Engenharia Mecânica, ou no contexto do design de Sistemas neurológicos adaptativos, NanoBiónicos, Bioeléctrónicos ou Biotecnológicos ambientais, etc.). E nesse sentido, existe já uma variedade de cursos de carácter superior em diversas sub-especialidade do Biodesign ou do Design Biónico: estes, podem ser direccionados para a formação de profissionais que têm como função específica o desenvolvimento de produtos médicos e biológicos268, moleculares269, ou até biomecânicos e estruturais em termos

da investigação de novos materiais ou de novas máquinas produtivas270. Como é

evidente, a preparação disciplinar destes designers, apesar de complementar, difere dos objectivos de formação de um designer industrial. No entanto, é provável que num futuro em que as relações químicas e energéticas se sobreponham às relações materiais, ambas as áreas se fundam numa só.

268 “Bidesign: a systematic process that begins by identifying user need and culminates with marketing a successful product to

meet that need. In addition to being familiar with general design concepts, a biodesigner has the special challenge to design products for medical and biological use. Engineering design includes design team formation, management, technical aspects, prototyping, testing, optimization, report writing, manufacturing, quality control, economics, marketing, legal issues, and ethics.” http://www.stanford.edu/group/biodesign/technical/design/index.html

269 “What is bionic design? The organism is a molecular machine system composed of nucleic acids, peptides, proteins and

other biomolecules, and provided with self-organizing and self-repairing functions. The Project is to study structures and functions of the biological system and to develop basic technologies for producing prosthetic cells, tissues and molecular machines to imitate these biological systems in the laboratory scale” http://www.aist.go.jp/NAIR/bio-index.htm

270 “Bionic Design: We provide teaching and research in creation methods of machinery and manufactured articles that are

ideal for their various conditions as research into machine design adapted for humans and the natural environment through analysis of the structure and mechanisms of biology and living things, based on dynamic analysis. From a dynamics point of view, the mechanisms of complex organization and structure of biological forms are adapted to a variety of environments, and such results can be developed into specific methodology adapted to machine-design laws, engineering-related structures and engineering. The development of design methodology for devices and structures suitable for various environments includes special human properties, conducted through mathematical optimizing methods based on static dynamics, movement dynamics and control, with adaptations for artificial intelligence methods” http://www.nst.kanazawa-u.ac.jp/eng/katei/zenki/04-02.html

Mas independentemente de possíveis antevisões sobre o futuro dessas áreas, interessa- nos agora compreender qual o significado, e o âmbito de aplicação, do conceito original de Biodesign.

2.4.1.SIGNIFICADOS E APLICAÇÕES DO CONCEITO NO ÂMBITO DO DESIGN INDUSTRIAL

A palavra “Biodesign” veio a público pela primeira vez, em 1984, no terceiro de três volumes271 editados pela revista japonesa Car Styling, dedicados ao trabalho do

designer Luigi Colani (n. 1928)272. Por intermédio dessas publicações, e considerando

que nelas se abordam tanto os projectos como os fundamentos teóricos de Colani, é introduzido um complemento determinante às visões conceptuais e práticas do objecto de design industrial de então. As propostas de Colani foram, desde logo, alvo de atenção e de opiniões controversas. No entanto, sendo a abordagem ao trabalho do autor desenvolvida no capítulo “Luigi Colani: Biodesign”, limitar-nos-emos, por agora, a pouco mais do que à consideração da sua referência como pai do primeiro conceito de Biodesign.

Tal como consta em 1978 no primeiro número dos três livros da Car Styling, para Colani, enquanto designer, a natureza não é apenas mais uma das inspirações possíveis, mas antes, a mais poderosa inspiração. E é precisamente por intermédio de uma observação microscópica da natureza centrada numa análise biomórfica que o autor confirma a regra de que “nada no mundo da natureza admite o conceito de uma linha recta” 273, primeiro mandamento sobre o qual Luigi Colani faz assentar o próprio

conceito de Biodesign.

A disseminação desta noção, auxiliada pela ilustração dos projectos de Colani, seria responsável por uma nova concepção formal/funcional do produto industrial. Para esse efeito foi, determinante em 1986 a atribuição do prémio “Golden Camera” à máquina fotográfica desenhada pelo autor em colaboração com a equipa de designers da

271 Apesar da palavra “Bio-design” constar apenas no terceiro volume deste grupo de livros, os pressupostos a si inerentes

encontravam-se já presentes nos conteúdos da primeira obra.

272 Luigi Colani: Designing tomorrow, (1978); Luigi Colani: For a brighter tomorrow (1981) e Luigi Colani: Biodesign of tomorrow

(1984).

Canon: a T-90274 (Figura 18). Desde então, o reconhecimento de Colani expandir-se-ia a

diferentes continentes em vários sectores da produção industrial. A confirmar a sua aceitação como um dos designers mais importantes do século XX, algumas das suas propostas viriam a ser acolhidas pelo Centre George Pompidou (Paris), o Modern Art Museum de Nova Iorque e o Museu Automóvel de Paris. Desde os finais dos anos oitenta, até princípios do século XXI, e não abdicando da noção de Biodesign, o designer alemão tem assumido múltiplos trabalhos em diferentes sectores da indústria europeia, norte-americana e chinesa.

Figura 18 – Canon T 90275 (1984), Luigi Colani.

Com este seu reconhecimento internacional, a tendência para acentuar a organicidade das formas dos produtos industriais – em que o aspecto ergonómico- funcional surge visível como uma extensão aparentemente natural do objecto – alastrar-se-ia a inúmeros sectores de produção em todo o mundo. Naturalmente, a inovação material e tecnológica teve um papel importante nesse processo, mas não menos relevante foi, de facto, a influência das propostas do autor. Nesse sentido, um dos casos em que mais evidentemente se identifica essa influência é no trabalho do

274 O design da T-90 deve-se não só a Colani, como à equipa de designers da empresa japonesa. No entanto, é

reconhecido que as suas características formais e ergonómicas mais marcantes são, indubitavelmente, proposta do designer alemão; “Colani's 5 Systems, which were full of innovative ideas, had such a strong impact on the Canon people that Canon asked Colani for his assistance in the product design as well. The project team to develop the design for the T90 was organized in March 1984, cooperated with the industrial design division of ODS headed by Kunihisa Ito, who liaised between Colani and Canon. Working from the practically finalized basic mechanical layout, they decided to adopt the competitive approach whereby the Canon team and the Colani group would each contribute their own ideas for the design of the T90. Colani had no experience in the design of mass production cameras, and the Canon team gave him a variety of information on cameras and several suggestions regarding camera design. The information provided went into every detail, and it was unusual to supply fellow competitors with information which might bring them any advantages. Colani was deeply moved by the very fair attitude of the Canon team, describing it as “truly, friendly competition.” In the meantime, the Canon designers absorbed Colani's design philosophy and its essence through the so-called «Colani Meetings»” http://www.canon.com/camera-museum/design/kikaku/t90/07.html

designer inglês Ross Lovegrove276. Dos seus projectos destaca-se, em 1989 – apenas três

anos depois do prémio atribuído à Canon T-90 –, o estudo de Máquina fotográfica

digital em elastómero277 (Figura 19).

Figura 19 – Protótipo de Máquina fotográfica digital em elastómero278 (1989-93), Ross Lovegrove.

Mas é sobretudo a partir de meados da década de noventa, mesmo que de forma indirecta – em muitos casos, não intencionalmente alusiva ao reconhecimento do conceito de Biodesign ou à influência explicita do seu proponente –, que a organicidade do produto industrial adquire uma expressão globalizada. Esse facto registou-se não só no sector do mobiliário (que pelas suas dominantes técnicas de produção e obrigatoriedade ergonómica já antes recorria a esse género de linguagem), como também na produção de objectos utilitários (household) e, de maneira mais inesperada, numa larga gama de objectos técnicos como os electrodomésticos e, sobretudo, nos produtos electrónicos. Mas, em termos gerais, essa nova tendência – contrariando a proposta original de Colani –, assentaria mais numa questão morfológico-estética imediata e não tanto num estudo de base direccionado para a real compreensão da relação forma/função na natureza.

O valor biomórfico dos objectos foi, como já vimos, uma noção amplamente defendida e estudada por Luigi Colani, desde a década de setenta. Hoje, esse mesmo factor – biomorfismo – é um dos conceitos mais explorados no âmbito daquilo que, no

276 "Colani’s place is secured as perhaps the most influential form visionary of the twentieth century in the field of industrial

design. He has created dreams that push the limits of our perception of space and technological possibility to the edge of the Earth’s stratosphere, and as the world of industrial design sought safety and acceptance through restraint he just kept blowing minds with the fusion of art and organic design. He remains ever relevant, connecting man to machine in the most profoundly utopian of ways. Seeing his work at the age of fifteen made all possible for me because I realized that instinct is far more powerful than logic as the starting point for all new possibilities in our evolving world. Now, thirty years later, the incredible heart and soul of this man, who has created by hand and eye such an immense body of work, continues to inspire me as a friend and fellow techno-anthropomorphic believer lost in space but always supporting the potential of man" (Ross Lovegrove, http://www.colani.ch/index.html)

277 Com uma igualmente visível influência do Biodesign, Lovegrove realiza, em 2000, a escultura Bioform e em 2001 a cadeira

Go. Em Biomorf é de salientar a alusão directa, também em termos de denominação, ao Biodesign de Colani.

final do capítulo “História do Design Industrial Mundial”, vimos ser uma das prioridades projectuais dos designers da actualidade: o factor emocional dos produtos279.

Com efeito, é possível que qualquer ser do planeta seja sensível à identificação matérica de características visuais, morfológicas ou sensitivas nas quais se reconheça280. Assim, quanto mais próximas de si (física, sensitiva e cognitivamente)

forem essas características, maior é a probabilidade de se estabelecer uma identificação, também emocional, com o outro sujeito/objecto281. Nessa perspectiva,

para a aceitação ou rejeição de um objecto artificial, a organicidade formal detém, cada vez mais explicitamente, um papel de sedução determinante. Como tal, esse é um atributo que tem vindo a ser crescentemente explorado pelas tendências de produto e de mercado282.

Mas, como comprovaremos mais à frente – e ao contrário daquilo que muitas vezes é interpretado por alguns autores e/ou designers –, em Biodesign283, não se faz a

apologia estetizante da forma pela forma. Defende-se, sim, a exploração e aplicação da lei biouniversal: a forma como função. É certo que já anteriormente, na proposta de Papanek, de aplicação da Biónica ao design, esse factor é também fortemente considerado, contudo, em Colani, esse pressuposto é somado a uma assumida e inquestionável concepção complementar: “Não há linhas rectas no Universo”284.

279 “A atribuição de significado aos objectos, o seu feticismo, é a qualidade que permite ao objecto superar o seu estatuto de

lixo, detrito, resíduo supérfluo e ganhar vida própria, ao assumir o valor de marcador de memória e de transformador de comportamentos.” (Fátima Pombo e Francisco Providência, “Memória e Técnica, o enredo do Design”, in Congresso Use (r) Design, Lisboa, 2003, 2)

280 O gato, bebé ou adulto, que busca a camisola do dono para simular o acto de mamar, não o faz num tecido qualquer.

Para si a lã é um material de eleição, porque é quente e remete, física e emocionalmente, para o pelo materno.

281 “Los objetos simbólicos son más humanos (objetos estéticos) que aquellos que se somete exclusivamente a un orden

funcional optimizado (objetos estetizantes), ya que los primeros representan al individuo en su posibilidad histórica y cultural, contrariamente a los objetos funcionales que lo entienden como un devenir técnico, descontextualizado de la memoria de un tiempo.” (Fátima Pombo, De lo bello de las cosas. Materiales para una estética del diseño, “El deseo de las mañanas Merleau-Ponty y el diseño”, Barcelona, Gustavo Gilli, 2007, 94).

282 O homem ou mulher que se confronte com a necessidade de escolha entre um objecto anguloso e perceptivamente frio e

outro, ao mesmo preço, no mesmo material, que cumpra a mesma função, mas que tenha uma aparência orgânica e, indutivamente, mais quente e próxima da sua própria natureza física, escolherá, tendencialmente, o segundo.

283 Segundo a concepção original de Colani.

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