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A queda do regime e o novo dinamismo disciplinar

2. PRIMEIRA PARTE: ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2.6. O D ESIGN I NDUSTRIAL EM P ORTUGAL : 1900 – 2000

2.6.2. D OS ANOS 50 ATÉ AO FINAL DO SÉCULO XX:

2.6.2.3. A queda do regime e o novo dinamismo disciplinar

Em 1970, morre António de Oliveira Salazar. Sob a “liderança” de Marcelo Caetano419

prossegue a “corrente «modernizadora» da Ditadura fascista portuguesa”420. Um pouco

por todo o país, a actuação das organizações clandestinas contra-regime421 acentua a

intervenção repressiva das forças policiais. A opressão vivida em Portugal e a guerra nas colónias tornam-se temas de debate internacional, tendo como consequência a

415 “a Loja Valentim de Carvalho inaugurou o protesto contra o purismo e ortodoxia modernista-funcionalista-racionalista,

instaurando em seu lugar o primado não só da comunicação [...] como também da liberdade e da imaginação” (Rui Afonso Santos, 2003, 102). De referência é algum do mobiliário que concebeu, na década de 80: cadeira Marcelo I –1985 e cadeira Sandeman -1989; e a colecção New Transfiguration, ilustrada em catálogo do mesmo nome (edição Galeria Cómicos, 1985).

416 Para além dos bolseiros que frequentaram cursos de design industrial, a Fundação também atribuiu bolsas de estudo na

área do design gráfico: Cristina Reis (n.1945) - Curso Geral de Pintura na ESBAL (foi aluna de Frederico George e de Daciano Costa tendo com este último colaborado durante vários anos no atelier do mesmo). Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian em 1966. Faz o Curso de Design Gráfico no Ravensborne College of Art & Design; José Brandão (n.1944) - Pintor pela ESBAL em 1966. Em 1967, é bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e entre esse mesmo ano e, 1971, frequenta o Curso de Graphic Design no Ravensbourne College of Art and Design. Foi professor no Hammersmith College of Art and Building; Salette Aranda Brandão (n.1952) - De 1966 a 1970 frequenta a Escola de Artes Decorativas António Arroio. Em 1971, Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, vai para Londeres onde frequenta o Curso de Three Dimensional Design no Ravensbourne College of Art and Design.

417 Curso de Formação Artística da SNBA. Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian que lhe valeu o curso da Scuola Politecnica

di Design Novara em Itália. Quatro anos na Praxis (onde trabalhou com Sena da Silva, Tomás de Figueiredo e Júlio Moreira), curso de “graphic” design, Co-fundadora da APD. Enquanto colaboradora do ICEP promoveu uma série de eventos na área do Design dos quais se destacam o “Concurso Jovem Designer” e as exposições europeias de apoio à internacionalização do Design nacional.

418 É bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian durante a década de 60. Em 1970, diploma-se em Design Tridimensional na

Ravensbourne College of Art and Design, em Londres. Especializando-se na concepção de objectos técnicos, soma uma vasta lista de projectos desenvolvidos em colaboração com várias empresas de diferentes sectores. Entre 1970 e 1974, trabalha com Douglas Scott Associates, primeiro como assistente e depois como sénior designer. Em 1974, transfere-se para a PIC Environmental Design onde trabalha como sénior designer até 1977. Nesse ano regressa a Portugal e entra para a ESBAL como assistente das disciplinas de Design de Equipamento e Tecnologia. Em 1980, torna-se consultor de design para Centrel AEP. Desenvolveu uma série de objectos técnicos para empresas como a Bell & Howell (retroprojector), Centrel AEP (telefones) Fundação de Oeiras (máquina de lavar), Potterton International (aquecimento central), etc, dos quais se destaca o telefone 8 PD produzido em 1985 pela empresa portuguesa Telequipo. [Design & Circunstância, 1982, 120].

419 Assumida desde 1968, em consequência do acidente vascular que exonera Oliveira Salazar do cargo de presidente do

Concelho de Ministros.

420 João Paulo Avelãs Nunes, 1994, 371.

421 “Sistemáticas contestações públicas concretizadas por milhares de estudantes, movimentos grevistas de operários industriais

apoiados por sindicatos cada vez mais sedimentados e manifestações populares de oposição à Ditadura” [João Paulo Avelãs Nunes, 1994, 370-171].

oposição por parte de vários dirigentes políticos de diferentes países422. Em 1971 o

governo liderado por Marcelo Caetano anuncia a retirada de Portugal da UNESCO afastando o país de uma especialização internacional em questões de ensino, cultura e ciência.

Num cenário de instabilidade crescente, o caminho do design em Portugal ia sendo, ainda assim, trilhado por diferentes grupos ideológicos.

É dada continuidade às iniciativas de sensibilização e formação levadas a cabo pelo Núcleo de Design do Instituto Nacional de Investigação Industrial/INII, sob a Direcção de José de Melo Torres Campos.

Em 1971, realiza-se no Colóquio Sobre Design Industrial, a 1ª Exposição de Design

Português (em Lisboa e no Porto) e a Exposição de Design Industrial Italiano: Compasso D’Oro; esta última organizada por Rogério Ribeiro no âmbito da “Semana de Itália”, na

qual aparecem representados nomes como os de Ettore Sottsass, Vico Magistretti, Rodolfo Bonetto, Mario Botta, Mario Bellini, Bruno Munari, entre outros.

Já no ano seguinte, o INII apoia a realização da 2ª Exposição de Design Português e a

Exposição do Concurso Internacional de Vidraria Manual integrada no Congresso de

Vidro Manual, ocorrido em Lisboa.

A par desses eventos, e também no decorrer da sua influência, para além dos cursos formados na década anterior (SNBA e IADE) é criado, em 1972, o Centro de Arte Comunicação Visual, AR.CO..

Como que alheado deste processo de evolução, o ensino oficial só mais tarde é que viria a reconhecer “o design como disciplina autónoma” [Afonso Santos, 2003, 92]. Em Abril de 1974, dá-se a Revolução dos Cravos e, por consequência, inicia-se um período em que a conquista das liberdades cívicas sublinham a afirmação de uma grande dinâmica político-social e cultural. Portugal torna-se palco de inúmeras reformulações estratégicas, nomeadamente, ao nível do ensino423.

Entre 1974 e 1978, a Escola Superior de Belas Artes de Lisboa inaugura a primeira licenciatura do país em Design de Equipamento424.

422 “O Concelho da Europa realiza em Estrasburgo um debate sobre as violações dos direitos humanos em Portugal.” “ Realiza-

se em Roma a Conferência Internacional de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas. Estão presentes 177 organizações de 64 países.” (João Paulo Avelãs Nunes, 1994, 374)

423 A 11 de Agosto de 1976 “Termina na Assembleia da Republica a discussão e aprovação do Programa do Governo. No

campo educativo, onde a situação é turbulenta o programa visa: - o estabelecimento de uma legalidade democrática; - estabilização do sistema educativo” (António Simões Rodrigues, 1994, 405).

424 Haviam já sido criados, em 1975, os cursos de Design Gráfico, quer na Escola de Belas-Artes de Lisboa, quer na do Porto.

Durante a reforma de 1974-1978, para além da licenciatura em Design de Equipamento é também criado na ESBAL o curso de Design de Comunicação. A fundação de uma licenciatura em Design de Equipamento, somada às anteriores experiências de aproximação ao ensino do design de equipamento/industrial (SNBA, IADE e AR.CO), constitui um factor determinante no que respeita à sedimentação pedagógica da disciplina.

De grande importância foi também a fundação, em 1976, da Associação Portuguesa de Designers, cuja direcção seria assumida, um ano depois, por Sena da Silva.

Essa foi, com efeito, uma época efervescente de verdadeira vontade de mudança que, se por um lado, deu corpo a uma série de práticas inovadoras num sentido evolutivo do design industrial português, por outro lado, careceu de um acompanhamento e de uma discussão rigorosos desse percurso que possibilitassem, hoje, uma mais fácil avaliação do seu desenvolvimento e inserção na cultura do país [Manaças, 1998, 25].

A par com a formação dos primeiros designers de escola portuguesa, a geração anterior continuaria a desenvolver parcerias diversificadas com a indústria.

Na sequência do projecto de Sena da Silva, Módulo Escolar, em 1972, a célebre cadeira

empilhável é produzida pelos móveis Olaio425. Mas se o modelo de mobiliário evoluiu e

veio a ser produzido em larga escala, o mesmo não aconteceu, infelizmente426, com o

modelo global dos pavilhões.

Ainda no ano de 1972, entre outros equipamentos, Siza Vieira desenha o célebre candeeiro Flamingo, embora a sua produção tenha sido adiada até aos anos 80.

Paralelamente, Miguel Arruda427 (n.1943), escultor, arquitecto e designer, desenvolve

diferentes soluções de mobiliário em pinho, cuja dominante se caracteriza por uma surpreendente racionalização dos processos de produção e de montagem. Desse grupo de trabalhos destacam-se os seguintes produtos da série Pinos, produzidos pela Davide Ribeiro Ca.428: mesa de abas AR1, cadeira AR2 (1957), cadeiras desdobráveis

425 E em 1988, pela FOC.

426 Apesar da unidade de abrigo Módulo Escolar ter sido concebida para escolas, era proposta dos seus projectistas alargar

a sua aplicação para postos médicos, escritórios junto de fábricas, cantinas, bibliotecas, etc. Em 1973 o projecto foi desconsiderado e reconhecido como “incompatível com as normas e recomendações do Ministério da Educação”. Em 1976 foi edificado o primeiro protótipo (clandestino) do projecto. A esse propósito os autores receberam uma carta de “David Medd, então Director dos Serviços de Arquitectura do Departament of Educational and Science do Governo Inglês” Nessa carta Medd felicitava Sena da Silva e a sua equipa pelo projecto, lamentando, por outro lado, não viver num país com um clima que permitisse a implantação de tal estrutura. Remata a carta dizendo “Nós, no Estado, temos tanto que aprender com pequenas experiências privadas como esta...” [Leonor e António Sena da Silva, 1982, 83].

427 Director, entre 2004 e 2008, da Faculdade de Belas Artes de Lisboa tem “proferido diversas palestras sobre a temática do

Design e da Arquitectura, em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente em Itália, na Universidade Frederico II. Da sua obra construída podem destacar-se, por exemplo, na área do Design, o projecto para as lojas da Portugal Telecom, espaços VIP para a TAP; a Megastore da Valentim de Carvalho no Rossio; recentemente, as apresentações nacionais das indústrias do calçado e têxtil-lar sobre a égide do ICEO (Investimento, Comércio e Turismo de Portugal), em feiras na Alemanha: e ainda o Centro de Informação para a Expo’98, o primeiro edifício a ser construído por esta organização. Tem participado em diversas exposições de Design e Arquitectura, desenvolvendo a sua actividade em Portugal na elaboração de projectos de espaços comerciais, bancos, hotéis e urbanizações” (Rui Afonso Santos, 2003, 344).

428 Até ao 25 de Abril, a Davide Ribeiro Ca. era uma empresa vocacionada para a produção de mobiliário de hotelaria. Tendo

como principal cliente a Sopal, em 1975, a empresa identifica a necessidade de redefinição da sua estratégia comercial e convida Miguel Arruda para conceber novos produtos que a recoloquem competitivamente no mercado.

MFA-AR4 (1975) e AR5 (1976) e dois estiradores em pinho, um deles rebatível destinado

ao público infantil e o outro, para adultos, com a particularidade de explorar a lona como material de ligação entre as perna do móvel (solução posteriormente apropriada por outras marcas). Mais tarde, em 1978, Miguel Arruda funda a empresa (CEP - Creation, Exporting and Promotion) em conjunto com os portugueses António Santos Silva, Eng. Manuel Rodrigues e o belga Marcelo Goldenberg. A CEP fornecia design, assistência técnica e comercialização no estrangeiro tendo-se imposto com sucesso nos mercados europeu e norte-americano. Da sua produção destacam-se: cadeira e banco linha Golf429 (1978), linha Rama – ambas produzidas pela Joaquim Moreira dos

Santos; banco Vila Nova (1982) – produzido pela Martinho e Almeida; duas linhas de mobiliário doméstico, a 2x2 em perfis de madeira com 2 cm de secção e uma outra inspirada na forma das tradicionais tábuas de lavar a roupa – produzidas pela Carpintaria Mecânica Triunfo.

Por seu lado, Carmo Valente (n.1930), colaboradora de Conceição Silva desde 1958, para além de ter participado em vários projectos de equipamento, especializou-se em design de vidros, primeiro por intermédio da sua colaboração com as fábricas Irmãos Stephens e Crisal de Alcobaça e, mais tarde, em 1961, através de uma Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian que lhe valeu diferentes estágios no sector, nomeadamente na Fábrica Venini em Murano, Itália, nas fábricas Orrefors e Boda, na Suécia, e na fábrica Arabia, Finlândia. Em 1972, Carmo Valente vê produzido um conjunto de mobiliário para piscinas, por si concebido no âmbito da obra do

Complexo Torralta-Tróia430 (Figura 30).

Figura 30 – Da esquerda para a direita431: Espreguiçadeira ESP1, Complexo Torralta-Tróia (1972), Carmo Valente; Cadeira

linha Golf (1978), Miguel Arruda; Candeeiro Flamingo432 (1972), Siza Vieira.

429 Linha amplamente aceite pelo mercado norte-americano.

430 “(…) o resultado traduziu-se, porventura, nos melhores móveis Pop que saíram de mão portuguesas” (Rui Afonso Santos, 2003, 60). 431 Fonte: AAVV. (coordenação editorial de José Manuel das Neves), Cadeiras Portuguesas Contemporâneas, Porto, ASA

Eduardo Afonso Dias (n.1938) que, entre as décadas de 50 e 60, trabalhara com Sena da Silva e Frederico George e colaborara com Daciano Costa, entra, em 1971, para o

atelier de Conceição Silva, assumindo a responsabilidade do sector de Interiores e

Equipamento até 1976. Aí, Afonso Dias será responsável por uma série de projectos cuja produção se concretizou (desde a cutelaria, faianças, vidros e iluminação até ao mobiliário). Entre 1975 e 1977, participa “na constituição das empresas Coplano e Uniteam”433 [Afonso Santos, 2003, 58].

Também José Aurélio (n.1938) desenhou equipamentos, vidros e mobiliário, de entre os quais foram produzidos, pela Crisal, o serviço de copos Chezanne (1972) e um candeeiro de mesa (1973) desenhado no ano anterior.

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