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Pedir no quotidiano: a afirmação ritual da dependência

Nem todas as famílias, no entanto, desenvolvem um sistema de trocas com propósitos educativos. Por inércia (quer dos pais quer dos filhos) ou dificuldades objectivas em manter a regularidade que esquemas como os que foram evocados na secção anterior implicam, o facto é que as tro- cas financeiras conduzem a que o jovem tenha de esperar passivamente que os pais lhes dêem algum dinheiro para as despesas quotidianas ou pedir-lhes activamente à medida que necessidades e desejos de consumo vão surgindo. Margarida (desempregada, 41 anos, vila), por exemplo, re- fere que vai dando:

Depende, às vezes dou-lhe 5 euros e ele, pronto, chega a meio da semana, pede mais... vou dando. Têm sempre dinheiro.

Lourenço, por seu turno, já se reporta a pedidos específicos: Eu sempre fui do tipo «pai, preciso de dinheiro para isto», «mãe, preciso de dinheiro para aquilo» [Lourenço, 19 anos, estudante do ensino superior, mãe vendedora, pai mediador de seguros, capital].

Independentemente da maior ou menor alternância entre a dádiva parental e o pedido filial, o que distingue este sistema do anteriormente caracterizado é precisamente a sua irregularidade e intermitência e, por consequência, alguma dose de imprevisibilidade. De tal modo que difi- culta o planeamento pelo jovem das suas despesas de consumo e não dá grande margem para que crie hábitos de poupança sistemática, traços que se revelaram importantes na emergência em alguns casos de senti-

mentos de independência, não obstante a dependência objectiva vivida pelos

jovens entrevistados. Importa pois indagar se esses obstáculos interferem na construção da autonomia, por via dos constrangimentos objectivos à aquisição de (sentimentos de) independência.

Com efeito, a ausência de um sistema de trocas organizado e regular é algo que provoca inclusivamente algum desconforto junto de alguns

jovens, como no caso de Filipa (18 anos, estudante do ensino superior, mãe profissional liberal, pai quadro superior, capital) que afirma não gos- tar de ter de pedir dinheiro aos pais (mais uma vez, é preciso não esquecer que o acto de pedir também pode ser interpretado como a reafirmação simbólica da dependência). No entanto, reconhece que um sistema de mesadas não se revelou viável na sua família:

Já tentámos, só que nunca dá, porque a minha mãe ou não tem dinheiro naquela altura ou quer dar a mais e eu não aceito. Para mim tem de ser, todas as semanas uma certa quantia, e tem de ser assim, senão não aceito... umas vezes dá outras vezes não dá, assim não gosto...

Como se tem defendido, a acção educativa não é um canal unidirec- cional de transmissão de uma cultura familiar, que moldaria os indiví- duos de acordo com a visão do mundo perfilada pelos pais como se de um modelo matemático se tratasse. Enquanto processo relacional, a acção educativa está, com efeito, sujeita às leis da física social, ou seja, su- jeita ao potencial atrito provocado pela interacção com outro sujeito e às reacções não uniformes destes à acção parental, o que significa que acções educativas semelhantes podem ter resultados muito diferentes (não só mudam os sujeitos e as suas características psicossociais, como os seus percursos de vida e os seus contextos concretos).

Alice (técnica superior, 54 anos, capital), por exemplo, afirma esperar (pacientemente) que a filha tome as iniciativas que levam a uma gestão do dinheiro mais eficiente e independente (semelhante atitude teve afinal Isabel, embora no seu caso a sua acção tenha servido a Hugo como estí- mulo para procurar ser de facto mais independente). Dá-lhe uma mesada pequena (mas nem sempre a horas, confessa) e depois dá-lhe dinheiro consoante o que ela pede, reconhecendo que a mesada é pequena e «não

dá para nada». Manter um sistema em que tem de regularmente atender

a pedidos não constitui sequer uma questão de controlo, afirma, mas de

preguiça da própria filha. No entanto, ao dar-lhe liberdade para tomar ini-

ciativas respeitantes a uma gestão mais elaborada do dinheiro (uma conta no banco, um cartão para movimentar o dinheiro), tem de respeitar o facto de ela não querer fazê-lo (ou, na sua opinião, não estar disposta a ter esse trabalho). De qualquer forma, motiva e moraliza, voltando à ter- minologia de Kellerhals (1991), mas não intervém ou impõe (como ou- tros pais cuja acção já se analisou).

Acho importante porque durante muito tempo andei a dizer que tinha que gerir o dinheiro, e que tinha de saber e dizer, porque há uns miúdos que põem logo numa conta bancária... Ela não tem uma conta bancária, não

tem multibanco, já lhe disse não sei quantas vezes, agora que tem 18 anos já devia ter aberto... Tem um banco debaixo de casa, também não toma inicia- tiva. Nesse aspecto não... dá uma grande trabalheira. Eu acho que há uma componente de preguiça na Francisca volta e meia muito grande para umas coisas que não têm qualquer sentido...

O testemunho de Alice sugere que a manutenção da dependência material neste registo nem sempre é objecto de sentimentos negativos (como os de Filipa, acima referidos). Na sua pesquisa sobre transferên- cias pecuniárias nas famílias com estudantes a cargo, Cicchelli (2001) também demonstrou como os sistemas de troca, para além da própria condição de dependência, provocam sentimentos distintos entre os jo- vens. Ou seja, a manutenção voluntária de significativas âncoras de de- pendência material da família (especialmente se estas forem favorecidas economicamente) pode ser, para os jovens que usufruem de razoáveis níveis de liberdade de acção e circulação, mais confortável, pois per- mite-lhes contornar a experiência relativa de sacrifício e privação (como as vividas por alguns pares para quem o assunto dinheiro é, viu-se na secção anterior, traduzido numa relação educativa rigorosa, através da qual se transmitem valores que vão na direcção oposta da disponibili- zação relativamente facilitada de recursos financeiros). Matilde (19 anos, estudante do ensino superior, mãe professora do ensino secundário, pai empresário, capital) reconhece que nunca se sentiu impelida a procurar obter, por si própria, recursos para satisfazer os seus desejos de consumo. Moderar relativamente a ambição permite-lhe, portanto, usufruir da co- modidade de ter aquilo que deseja, sem ter de abdicar do conforto actual de não ter de trabalhar:

Nunca tive assim aquela ambição de ter alguma coisa muito cara e que precisasse de dinheiro e então tinha que trabalhar. [...] Sempre que eu pre- cisava, ou o meu pai ou a minha mãe davam-me.

Uma disponibilização facilitada de recursos não significa, ainda assim, que seja ilimitada (de outro modo até não se justificaria alguma modera- ção nos desejos). Voltando ao caso de Alice (técnica superior, 54 anos, capital) e da filha Francisca (18 anos, estudante do ensino superior), esta última afirma que até tenta gerir o que lhe dão, sabendo no entanto que pode sempre solicitar aos pais em caso de necessidade, o que significa que raramente o dinheiro é um constrangimento objectivo à sua liber- dade de acção em termos de sociabilidades e lazeres (pelo menos no mo- mento actual, trilhado que foi um percurso de ampliação dessas mesmas liberdades). A manutenção da harmonia nas trocas financeiras dependerá

portanto do desenvolvimento de um certo bom senso, que ajuda a estabe- lecer quais os limites que o jovem deve auto-impor às práticas e aos con- sumos que deseja, que permitam não pôr em risco o sistema actual. Esta evidência também pode ser interpretada como uma manifestação de uma forma de reflexividade estratégica. Na verdade, nada lhe garante que con- tinuasse a beneficiar dos extras caso tomasse a iniciativa de aderir a um sistema mais rigoroso. Diz a este propósito:

Tem alturas que é mais difícil, que é por exemplo nas férias, é mais com- plicado [...] há mais saídas, há mais coisas para fazer e depois gasta-se... Aí ando a contar trocos e depois peço se não têm trocos, ou qualquer coisa e eles dão um extrazito.

Já no caso de Filipa (18 anos, estudante do ensino superior, mãe pro- fissional liberal, pai quadro superior, capital) é a mãe que assume a culpa pela situação actual e pelo modo como as coisas se têm processado: o sistema «amador» de trocas financeiras que mantém com os filhos (e Filipa especialmente) reflecte as dificuldades que a família passou a atravessar com uma redução da actividade profissional do pai (que passou a não acumular dois empregos como fazia). Se por vezes há constrangimentos práticos que se convertem em oportunidades educativas (como os per- cursos que se fazem sós, por impossibilidade objectiva dos pais em acom- panharem os seus filhos durante o período laboral) também neste plano se verifica que, mesmo quando a cultura familiar aponta para um deter- minado conjunto ideal de práticas educativas, as contingências objectivas acabam por forçar a adaptações e transformações.

Depois pronto, eu fiquei muito desorganizada com as mesadas e também o dinheiro a ter que ser contado aos tostões. Depois, as explicações custam um balúrdio, não é? Nós neste momento não estamos propriamente desa- fogados, agora cá em casa é... embora eu ache que é importante terem o seu dinheiro para aprenderem a gerir, eu sei que racionalmente é assim que deve ser e é importante, na prática acabamos por funcionar neste esquema mais amador que é: ela precisa de roupa eu compro a roupa, portanto tudo o que ela pedir eu vou comprando indiscriminadamente... ou ela vai ter com o pai e diz que tem de pagar o jantar e o cinema... portanto as coisas têm funcio- nado assim [Maria, profissional liberal, 45 anos, capital].

Este caso, entre outros semelhantes, realça o facto de que, para se manter um sistema profissional, por oposição ao amador que Maria afirma praticar, a família tem de ter uma vida financeira relativamente estável, com recursos considerados (mais do que) suficientes para o estilo de vida

praticado pelos seus membros (que são, note-se, diferentes entre si). Esta é, portanto, uma condição essencial a tomar em consideração quando se analisam sistemas de trocas pecuniárias. Com efeito, importa indagar de que modo alguma instabilidade na vida financeira do agregado do- méstico interfere (ou não) nos processos de aquisição de independência material da família. Assumindo, após analisadas alguns aspectos dos quo- tidianos juvenis, que os vários processos que entretecem a individuação (liberdade, independência, autonomia) interagem entre si de diversas e complexas formas, é oportuno perscrutar que tipo de desafios (e de res- postas a esses desafios) se colocam aos jovens que sentem e afirmam viver

numa situação de instabilidade e/ou carência financeira.6

Quando questionado sobre como é que gere o seu dinheiro, Rodrigo (19 anos, estudante do ensino superior, mãe auxiliar de educação de in- fância, pai engenheiro, capital) responde simplesmente: «Esquece. A minha vida financeira não existe.» Também no seu caso não é uma questão de inércia sua ou vontade da mãe (com quem vive) em reforçar as âncoras de dependência. Resulta pura e simplesmente da falta de li- quidez, virtude do baixo salário da mãe e da intermitência das dádivas do pai. Portanto, no dia-a-dia o que faz é: «peço dinheiro!», descrevendo em seguida a composição actual dos seus rendimentos:

O que eu recebo é: preciso de dinheiro para almoçar, não tenho na car- teira, peço à minha mãe. E ela dá-me. Neste momento é assim, não há nada definido. Já tentámos fazer isso, mas com o meu pai é impossível. Como o meu pai é mesmo impossível.[...] Não é muito dinheiro. Eu costumo andar com 10 euros na carteira. A minha mãe pergunta-me se eu tenho dinheiro, eu digo-lhe quase sempre que sim, mesmo que tenha pouco, que é para a minha mãe não estar a gastar dinheiro, que eu sei que ela não tem muito, por isso prefiro pedir ao meu pai. Depois tenho um cartão multibanco, se precisar vou levantar. Só que a nossa política é dessa conta tentar não gastar, mesmo. Porque pode vir a dar jeito mais tarde, é sempre uma reserva. É, pois, um comedimento auto-imposto, que simultaneamente in- forma os pais dos limites morais e éticos que os filhos vão desenvolvendo enquanto indivíduos singulares, por referência a uma certa noção de cor-

6Um especial cuidado é devido quando se evocam dificuldades financeiras enquanto

eixo de análise. Tratando-se de famílias com um estatuto socioeconómico diversificado, poderá questionar-se o leitor da legitimidade de uma análise que coloca em pé de igual- dade situações de vida muito distintas. No entanto, o que está em causa é a percepção subjectiva dessas dificuldades e não as dificuldades em si. Em nenhum caso, porém, estão em causa privações que ponham em causa a sobrevivência material elementar, como a habitação e a alimentação.

recção e justiça e por oposição a um materialismo desenfreado. Auto-im- posição que aliás a mãe confirma. Para Teresa (auxiliar de educação de infância, 48 anos, capital), a mãe de Rodrigo, o dinheiro até nem lhe im- porta muito: «só percebo que a coisa está mal quando já não há».

A afirmação de mais este desconforto (em pedir quando sabe que há pouco) não deixa também de evidenciar a emergência de sentimentos de empatia para com os pais no quadro de uma relação em processo de transformação. Não será um sentimento que surge ou que sempre existiu, mas antes uma consciência do contexto que se vai gerando com o passar do tempo e que contempla, para além dos seus próprios interesses ime- diatos (o consumo), as consequências das acções num tempo e espaço relacional mais amplo que o dos objectivos individuais. Mais, traduz, si- multaneamente, o processo de implicação do sujeito numa forma de re- ciprocidade nas relações de filiação que remete para a retribuição simbó- lica das dádivas parentais, por via da exibição de formas de lealdade e respeito pelas suas figuras. Ou seja, no caso de Rodrigo, a mãe a quem pede dinheiro é também uma pessoa que ele respeita especialmente, sa- bendo que passa dificuldades financeiras. Neste caso a privação, vivida e não somente encenada à escala do jovem como nalguns casos referidos na secção anterior, pode despoletar processos de reflexividade individual, não tanto pelo exercício de liberdades com cariz probatório (aprender a gerir uma mesada), mas através de um certo descentramento do eu face a uma alteridade especialmente significativa.

Esse esforço de descentramento (refreando pedidos financeiros que podiam viabilizar práticas e consumos desejados) representa um desafio tanto maior se se tomar em consideração que os sujeitos vivem um mo- mento existencial em que estão especialmente ocupados com as dificul- dades e ambivalências inerentes à abertura ao mundo e à construção de si. E, também, quando esses consumos representam recursos identitários de interacção e integração grupal, como se tem sublinhado. A empatia implícita nos seus discursos traduz, pois, a nível das relações de filiação, um esbatimento simbólico da assimetria aproximando-a, neste domínio, de uma relação entre dois indivíduos que se consideram mutuamente. Quer isto dizer, a um terceiro nível, que o respeito (pelo indivíduo en- quanto sujeito autónomo e responsável) é, por consequência, recíproco. Na verdade, não deixa de ser uma prova de confiança, o controlo que Rodrigo detém sobre a conta-poupança que lhes serves de rede de segu- rança e que foi atribuída pela mãe, que assim demonstra avaliar o filho como um indivíduo responsável o suficiente para dar um uso legítimo a esses montantes, isto é, julga-o detentor da necessária capacidade de auto-

controlo face às frequentes solicitações de consumo. Ou seja, também há casos onde se evidenciam indicadores de confiança no filho, apesar de um sistema de trocas pouco sistematizado e regular, dependente de pedidos avulsos. Quer isto dizer que é a carência objectiva que molda o sistema de trocas e não apenas o tipo de relação de filiação (mais ou menos assimétrica, com mais ou menos confiança).

De notar que uma lógica de co-responsabilização financeira por parte dos pais, não é, apesar das dificuldades, exclusiva de sistemas de trocas ditos mais profissionais, para voltar à analogia usada por Maria. Isto é, não é correcto supor que só quem pratica um sistema de trocas mais estrutu- rado tome o dinheiro como um território educativo. No entanto, ao invés de um complexo circuito de circulação de dinheiro na família, atra- vés de contas-correntes de fonte única (pois os próprios pais disponibili- zam os recursos que acabam por reclamar), as carências objectivas impli- cam somente o estímulo (por parte dos pais) para a procura de meios alternativos de obter recursos financeiros, para custear despesas não es- senciais ou consumos cujo valor pecuniário excede largamente o consi- derado razoável. Nestes casos também é necessária uma dupla contribui- ção (ou um acordo, uma parceria) para objectivar os consumos, mas desta feita a participação dos filhos tem, de facto, de resultar de um esforço in- dividual de obtenção de meios por moto próprio. Trabalhando ou reco- lhendo donativos por parte de outros familiares, Laura (auxiliar de acção educativa, 45 anos, periferia) reconhece tenacidade a Walter, o filho de 19 anos, quando este procura concretizar os seus objectivos:

É o que eu digo, o Walter gosta muito de coisas de marca e eu digo para ele, eu ponho limites às coisas, «olha eu não dou mais do que, por exemplo, 30 euros por uns ténis», mesmo que venha o meu subsídio o Walter vai ter só 30 euros por uns ténis, não tenho capacidade de dar mais [...]. Mas ele acha que não, que ele viu um de 60 é que é e então todas as vezes que o Walter trabalhou foi querendo alcançar algum objectivo para comprar uma coisa para ele mesmo, então sempre foi só dele a iniciativa [...]. O Walter é muito de ideias fixas, se ele pensa que ele quer, por exemplo, um chapéu da Timberland, o chapéu está a 40, então ele vai juntando todo o dinheirinho que lhe derem até ir lá comprar, pronto.

O tipo de iniciativa que Laura aprecia, muito embora se tenham evo- cado vários casos onde se afirma sentir algum grau de dificuldade financeira, não é partilhada por todos os jovens na mesma situação, confirmando, também por esta via, que os sujeitos reagem de formas diferentes a situa- ções de vida que parecem semelhantes em muitos aspectos. Para explicá- -lo devem ser mobilizados argumentos que se prendem com aspectos

culturais e normativos, nomeadamente como se articulam e combinam em cada situação particular lógicas de acção e investimento quer finan- ceiro quer simbólico que apontam para o curto prazo (o consumo, o lazer, a integração no grupo de pares) e para o médio e longo prazo (a es- cola, a integração profissional qualificada).

Carências financeiras: estratégias de superação

Gostava de ter um [emprego a ]tempo parcial e ando sempre à procura porque dá sempre jeito... Isto é mais uma despesa para os pais, não é? À partida uma universidade não é uma coisa barata... mas pro- curo sempre fazer alguma coisa para ter nem que fosse aquele dinheiro na mão. Costumo trabalhar nas férias... [...] Eu fui mais pelo dinheiro. Queria... queria ter algum dinheiro sem ter de pedir aos meus pais. Se eu precisasse de uma coisa era escusado pedir aos meus pais.[...] Com o primeiro ordenado comprei um telemóvel. Depois tenho juntado para a carta [Rita, 19 anos, estudante do ensino superior, mãe em- pregada de balcão, pai operário, vila].

Acho que prefiro agora dedicar-me a sério aos es- tudos e ser bom naquilo que faço e depois mais tarde trabalhar como deve ser. Porque eu vejo que tenho muitos amigos que querem trabalhar e se querem emancipar. Eu sinceramente não tenho muito essa necessidade, pelo menos a nível monetário. Vou tendo as coisas, nunca me faltou nada, por isso... [...] Mas, pá, não tenho e não tenciono trabalhar por agora [Rodrigo, 19 anos, estudante do ensino supe- rior, mãe auxiliar de educação de infância, pai enge- nheiro, capital].

Em algumas situações, tal como já se argumentou quando se evocou o bom senso como recurso interaccional, a deflação de expectativas e de- sejos de consumo parece ser uma via para o ajustamento a uma situação de dependência familiar da qual se retiram, ainda assim, vantagens signi- ficativas que se enquadram num princípio de diferimento de recompen- sas. Mais, no caso de Rodrigo mais especificamente, a ausência de inicia- tivas que lhe forneçam recursos adicionais deve também ser explicada pelo tipo de relação de filiação que mantém com a mãe, empática e de- mocrática, onde a liberdade é atribuída com alguma convicção: no seu

Iniciativa individual e independência: trabalhar pelo dinheiro e por um novo estatuto na família? Dependência e futuro e planeamento de investimentos: liberdade e escola hoje, dinheiro amanhã

caso, a manutenção de uma condição de dependência financeira parece não interferir de todo com o processo de construção da sua autonomia