• Nenhum resultado encontrado

reequacionando a (in)dependência juvenil

Apresentação

Optou-se, neste capítulo, por operacionalizar uma definição ampla de independência que considera recursos que permitem ao sujeito de- sempenhar a acção, as competências instrumentais que permitem desem- penhar tarefas quotidianas (administrativas, escolares, relativas à mobili- dade, etc.). Estas surgiram, aliás, no capítulo anterior como elementos centrais na abordagem da acção e do processo de individuação. Esta opção teórica, ensaiada na análise dos percursos diversos que os jovens fazem durante o dia e à noite, contribuiu aliás para perceber o modo triangulado como vários processos associados à individuação (liberdade, independência, autonomia) interagem entre si. Ainda assim não se pode ignorar o facto de muitas das liberdades reivindicadas pelos jovens, es- pecialmente as que traduzem práticas de lazer, implicarem, sempre ou quase sempre, a posse de recursos financeiros. E, na verdade, no plano das representações é este tipo de recursos que mais rapidamente se associa à noção de independência.

Sendo a maioria dos jovens entrevistados estudantes a tempo inteiro, dependendo de recursos alheios para subsistir (e para agir), desde logo se antevê uma íntima relação entre o modo como se gere o dinheiro na fa- mília e as possibilidades objectivas de converter em acções as intenções e desejos individuais, pelo menos aqueles que pressupõem uma partici- pação no mercado de consumo.

Por outro lado, sublinhando como são assimétricas as estruturas de oportunidades, lembram Nilsen, Guerreiro e Brannen (2001) que «a maioria

das escolhas implica dinheiro», afirmação que reforça o modo como as desi-

gualdades sociais se traduzem em constrangimentos objectivos na hora de fazer escolhas e tomar decisões, ainda mais quando a própria prescrição da autonomia das escolhas e das decisões é uma norma cultural de grande im- portância, na base aliás das principais teses da individualização a que já se fez referência (Beck e Beck-Gernsheim 2002; Giddens 1991; Elias 1993 [1987]). Como sugeria Cicchelli (2001) os usos que os sujeitos fazem do valor cultural são, contudo, eminentemente sociais, jamais devendo o pro- cesso de individuação dos jovens ser reduzido a uma resposta linear ou ho- mogénea à norma. Mais, a pluralidade das formas culturais contemporâneas que a autonomia enquanto valor cultural encerra, simultaneamente apon- tando para as dimensões racionais e para as dimensões expressivas (Taylor 1989), só reforça o potencial de diversidade das configurações sociais.

Significa isto, portanto, que são múltiplas as formas de os indivíduos, detentores de diferentes volumes de recursos e em processo de construção de si, interpretarem e se reportarem à autonomia, nos seus vários eixos de sentido – da razão e reflexividade à autenticidade, o que evidencia di- versidade nas modalidades concretas de articulação entre o processo de individuação e as orientações normativas da singularização. Com efeito, é forçoso voltar a sublinhar que o valor cultural se disseminou de forma mais extensiva na paisagem ética contemporânea, do que a democrati- zação das condições objectivas para a materializar em acções ou percursos de vida os modelos de referência cultural (Singly 2000b, 8). Modelos esses que sugerem ao sujeito um investimento preferencial (embora não exclusivo) nos aspectos expressivos da sua identidade. Essa desigualdade objectiva manifesta-se quer nas situações concretas, quotidianas e pro- saicas (ter dinheiro para sair ou não sair para uma determinada discoteca, para comprar uma peça de roupa mais barata em vez de outra mais cara ou mesmo não a comprar de todo), quer para as escolhas relacionadas com o percurso de vida e o destino social mais amplo.

Retomando o fio do debate, a verdade é que algumas das práticas até ao momento analisadas, importantes na interacção familiar a vários níveis (nomeadamente nos processos de transformação das relações familiares) e objecto de processos de reivindicação, negociação e concessão, impli- cam a existência de recursos financeiros. Recursos financeiros que os jo- vens obtêm de fontes que a maioria das vezes não será o trabalho, mas a família. Pelo menos durante um período significativo da adolescência e da juventude. Ainda assim, à semelhança do que se defendeu quando se analisaram os percursos de conquista de liberdade, está-se perante um processo, pelo que a variedade das fontes de rendimento tende a diver-

sificar-se e/ou ampliar-se à medida que os jovens crescem, passando a dispensar as transferências parentais (ou de outros familiares) ou a acumu - lá-las com rendimentos oriundos de transferências sociais (abonos, sub- sídios) ou, mais frequentemente, de trabalho remunerado mais ou menos ocasional (fenómeno já verificado por Schmidt [1990]). Um tal processo representará, portanto, um percurso (no tempo) de conquista/aquisição de independência, que inevitavelmente se reflectirá no modo como o sujeito age (desenvolvendo competências, fazendo experimentações) e no modo como reporta as suas acções à família com quem reside.

Na verdade, um dos traços mais salientes no processo histórico de construção social de uma condição juvenil moderna é, justamente, a ten- dência para haver uma descontinuidade entre a experiência do dinheiro (e do consumo) e a experiência do trabalho assalariado, deixando estas de ser simultâneas para, na maioria dos casos, a primeira preceder a se- gunda. Este fenómeno não pode ser dissociado de um duplo processo de melhoria generalizada das condições de vida nas sociedades ocidentais

ao longo do século XX(em Portugal, sobretudo a partir dos anos 60) e de

prolongamento das carreiras escolares, que arredou progressivamente os jovens da esfera da produção, reforçando a dependência financeira da fa- mília até mais tarde no ciclo de vida, nomeadamente enquanto duram os estudos (Schéhr 2008; Vieira 2005; Cicchelli 2000, 2001; Schmidt

1990).1É precisamente a saliência de processos como este que dita o pro-

longamento relativo da co-residência de muitos jovens com as suas fa- mílias nas últimas décadas, a que se somam as dificuldades de integração estável no mercado de trabalho e de habitação (entre muitos outros Calvo 2002; Guerreiro e Abrantes 2004; Pappámikail 2004, 2005).

Financiar os estudos em regime de (quase) exclusividade tende a ser assumido como um dos mais importantes deveres parentais no qual se investe do ponto de vista simbólico e material, justificando o sacrifício – quando há carência de recursos – em função deste objectivo maior em grandeza simbólica (Cicchelli 2001; Lahire 1995; Vincent, Lahire e Thin 1994). Para os pais (sobretudo os de origem mais desfavorecida), a carreira escolar representa o mais importante e legítimo canal de mobilidade so-

1Esta nova realidade social deve ainda assim ser relativizada em termos de género e

classe social, pois refere-se sobretudo a tendências emergentes em alguns contextos na segunda metade do século XX. Com efeito, a integração precoce no mercado do trabalho podia não significar independência financeira imediata, pois não só nem todo o trabalho era remunerado (como no caso dos negócios familiares, por exemplo) como era conven- cional os filhos entregarem os seus rendimentos aos pais quando com eles ainda parti- lhavam habitação, prática que aliás se mantém sobretudo em contextos carenciados.

cial (tão mais significativo porque dependente, a nível das representações, do mérito individual), tendência contextualizável no quadro da partilha de responsabilidades na formação dos indivíduos entre a família e a es- cola e da disseminação generalizada de uma forma cultural escolar, na acep- ção de Vincent, Lahire e Thin (1994), na paisagem normativa contem- porânea.

Mas a cultura escolar, não obstante a diversidade das suas manifesta- ções concretas, assenta numa lógica temporal linear e cumulativa a que subjaz o princípio do diferimento das recompensas, estipulando que o investimento (sacrifício?) no presente só será recompensado no futuro, em virtude da mais bem qualificada e remunerada integração profissional que uma escolaridade longa promete mas que, sabe-se afinal, nem sempre cumpre (Leccardi 2005; Vieira 2005). Em muitas famílias, pais e filhos acabam assim por estar comprometidos com esse dever/objectivo dupla- mente individual e colectivo, mas que não deixa de ser, até certo ponto, condicional: financia-se a trajectória escolar na medida em que se é (re- lativamente) bem-sucedido e empenhado.

O carácter condicional é tanto maior quanto mais desfavorecidos (do ponto de vista escolar, pelo menos) são os pais, pois nas famílias mais bem dotadas e onde o objectivo de uma escolaridade longa não é sequer ques- tionado, há maior margem para o (re)investimento e a insistência na esco- larização dos filhos, mesmo que haja algum grau de insucesso. Ou seja, a distância simbólica a que se encontra o mercado de trabalho dos jovens em idade escolar, enquanto território quer de experimentação quer de de- senvolvimento do percurso de vida em alternativa à escola, é variável e de- pende em larga medida da situação socioeconómica e cultural da família. Mas a relação dos jovens com o dinheiro não se resume à dimensão da sobrevivência material nem ao financiamento dos estudos, nem tão- -pouco as famílias, que assumem estes como os deveres fundamentais, esperam que assim seja. É a nível das vivências juvenis, nas sociabilidades, nos lazeres, na construção de si, que a fase da vida da juventude, tempo de formação e aprendizagem, adquire o carácter de condição sociocul- tural. Havendo uma sobreposição entre a condição juvenil e a estudantil, a verdade é que a primeira desenvolve-se em territórios muito mais am- plos que a segunda, nomeadamente na esfera do consumo (Miles 2000).

De facto, não é menos importante, como salienta Le Breton (2008), o facto de os bens materiais desejados e consumidos pelos jovens con- temporâneos (como o vestuário, o calçado ou os suportes tecnológicos) se revestirem de um valor simbólico que ultrapassa largamente os seus aspectos funcionais. Aquele autor lembra-o, sublinhando precisamente

a importância das marcas comerciais na bricolagem de identidades juve- nis (com especial ênfase para o período da adolescência), na medida em que, em determinadas fases do percurso de individuação, especialmente hesitantes e vulneráveis como se tem sustentado, revelam ser recursos vi- tais na validação identitária efectuada pelo grupo de pares (Garabuau-

-Moussaoui 2004).2

Até ao momento, procurou caracterizar-se a dinâmica relacional que cria um espaço de liberdade para agir e o desenvolvimento de compe- tências, recursos instrumentais e cognitivos, que viabilizam certo tipo de acções e libertam o sujeito da necessidade de intervenção de terceiros, tornando-o mais independente. No entanto, também é da existência e da disponibilidade de outro tipo de recursos, os de natureza financeira, que permitem outro tipo de acções que se define o grau de indepen-

dência do sujeito,3pelo menos no que diz respeito à gestão de um estilo

de vida que traduza a sua identidade (ainda que provisória e em cons - trução).

Note-se no entanto que deter recursos para agir, independentemente da sua origem, não significa necessariamente uma simultânea capacidade de fazer escolhas e tomar decisões autónomas, ou seja, de formular criti- camente motivações para agir coerentes com os traços de um eu perce- bido como o eu autêntico. A adesão acrítica às normas grupais, que de fine afinal um modelo conformista das culturas adolescentes (Pasquier, Buzzi e Cavalli 2008, 214-215), em que se reproduzem comportamentos e imagens pessoais com o fito de garantir o conforto psicológico que o

2Galland (2008) recorda que reflexões recentes sobre a adolescência tendem a oferecer

visões distintas do lugar do grupo de pares na condição adolescente/jovem. Se Singly (2006) interpreta essa tendencial heteronomia horizontal, que coincide com um enfraqueci- mento da heteronomia vertical praticada pela família durante a infância especialmente, como um traço da adolescência que não colide necessariamente com a construção de uma iden- tidade individual autónoma, já Pasquier (2005, 2008) sublinha os riscos e a opressão que as culturas adolescentes em espaço escolar (onde se tecem as redes e as sociabilidades da maioria) impõem aos sujeitos em processo de formação, deixando-lhes, na prática, um es- paço muito limitado de liberdade de ser e de estar autêntico, singular ou original.

3O uso da ideia de grau evoca o carácter processual da independência. Embora as

representações da individuação acabem remetendo para a imagem de um contínuo, pro- gressivo e cumulativo (sendo que em muitos casos, efectivamente o é), o carácter instável e muitas vezes intermitente dos rendimentos juvenis (resultado da dependência pecuniária e da relação potencialmente distante ou precária com o mercado de trabalho) obriga a que se equacione a reversibilidade do processo de aquisição de independência financeira. No debate acerca das transições para a vida adulta, o reconhecimento do carácter rever- sível e não linear das trajectórias de vida (juvenis, no caso) justificou o uso de expressões como iô-iô para metaforizar as vivências juvenis contemporâneas, oscilando entre os vá- rios pólos do contínuo dependência familiar-independência (Pais 1996).

sentimento de integração oferece (Jarvin 2004), pode aliás constituir uma

fase transitória (de duração muito variável) do percurso de individuação,

como alguns testemunhos do capítulo anterior evocavam. Mas ao ape- lidá-la de fase supõe-se que ela possa terminar, ou pelo menos que o su- jeito vá estabilizando, por via do desenvolvimento de competências como a reflexividade crítica, alguns traços constituintes da sua identidade singular (semelhantes ou divergentes das normas hegemónicas vigentes nos vários espaços de pertença social). Agrilhoar a identidade dos sujeitos a uma fase da vida ou àquela que se exibe numa dimensão da sua existên- cia (as sociabilidades entre pares, por exemplo) não deixa de ser redutor e de ir contra tudo aquilo que se defendeu enquanto abordagem dialógica e processual do indivíduo (Dubet 2005).

Mas para além da importância dos processos cognitivos e identitários há que questionar a perspectiva de quem se constitui como fonte pri- mordial (e primeira) dos recursos dos jovens dependentes da sua família. Com efeito, se se é dependente financeiramente (no todo ou em parte), para que haja efectivamente recursos financeiros para concretizar certas acções tem de haver uma qualquer forma de colaboração familiar nessa dinâmica (mesmo que se registem cedências resignadas à semelhança do observado anteriormente), colaboração que pode ser conseguida de di- versas modalidades, onde se jogam lógicas educativas (formar) e/ou afec- tivas (agradar) (ver a este propósito o trabalho de Miller e Yung 1990). A dádiva parental (de recursos financeiros) deve, na verdade, ser equa- cionada no equilíbrio entre estes dois eixos.

Com efeito, a noção de dádiva vai contra a ideia de retorno, de jogo ou, mais ainda, de estratégia, pois remete simbolicamente para a abdicação total de interesses pessoais implícitos ao acto de dar. A linguagem dos afectos que a modernidade trouxe ao quadro normativo da família acaba pres- crevendo, na verdade, e no que concerne às trocas materiais particular- mente, uma retórica da dádiva, enquanto única justificação moralmente válida para a circulação dos bens entre membros na família. No entanto, toda a discussão em torno deste vibrante conceito, desde os argumentos fundadores de Mauss (2008 [1923]), sublinha o modo como a dádiva per- mite, por um lado, implicar os sujeitos num determinado quadro norma- tivo (mais ainda quando se aborda a família, instituição particularmente sensível a prescrições normativas e a contextos culturais), por outro, con- verter as relações sociais em relações de reciprocidade, nomeadamente de dever, lealdade, respeito e, no limite de obediência (Berking 1999).

Na verdade, se o consumo é um elemento tão importante na vivência juvenil, chegando ao ponto de ser constitutivo da própria identidade so-

cial e individual, logo se entrevê o potencial aproveitamento deste terri- tório como espaço educativo, ou seja, como canal de transmissão de tra- ços fundamentais da cultura familiar. Transmissão que pode ser mais ou menos bem-sucedida, pois é essencial não perder de vista o facto de os filhos poderem demonstrar diferentes níveis de receptividade aos argu- mentos parentais, assumindo-os como seus, ou pelo contrário, rejeitando- os no quadro das suas próprias referências éticas e culturais. Será o caso de Lourenço (19 anos, estudante do ensino superior, mãe vendedora, pai mediador de seguros, capital), que se irrita com o facto de o dinheiro que pede ao pai (com quem não vive em virtude do divórcio dos progenito- res) ter sempre de ser acompanhado por um sermão sobre os usos e o valor do dinheiro:

Irrita-me uma bocado porque tudo o que nós façamos é «cuidado com o dinheiro». Por exemplo, quando eu peço qualquer coisa ao meu pai já sei que vou ouvir por causa do dinheiro. Não é por causa de outra coisa qual- quer, é por causa do dinheiro. Mas depois, mais tarde, ele até fica contente por ter feito aquilo, mas eu tive de ouvi-lo... Ouvir o sermão, mas não é o sermão normal. É um sermão forte.

Não deixa de ser interessante como a ideia de sermão evoca precisa- mente o carácter moral do discurso educativo relativo aos usos do di- nheiro, evocando a relação ambígua com o materialismo revelada pela maioria dos pais entrevistados.

Muito embora os pais tenham o poder sobre os recursos financeiros, o que reforça, até à integração no mercado de trabalho, a condição de de-

pendência dos filhos, deve realçar-se a existência de uma importante tensão

que não deixa de intervir nas trocas instrumentais, atribuindo (de forma implícita) argumentos negociais aos jovens: se o objectivo escolar implica o diferimento das recompensas, remetendo para uma temporalidade de médio/longo prazo, as práticas de consumo remetem para o plano do imediato. Assim, não obstante a ética de trabalho ser altamente valorizada

pela maioria dos pais,4há sinais de que essa ambivalência está presente,

demonstrando que são reais os receios de que a imposição de constrangi- mentos demasiado estritos no plano pecuniário (que impeçam uma ra-

4A existência de uma cultura escolar não implica necessariamente a denúncia do

lugar do trabalho e do esforço (mesmo o que obedece a uma lógica produtiva económica) na formação do sujeito. A participação simultânea em ambas as esferas pode inclusiva- mente permitir, segundo alguns, acrescido espaço para o desenvolvimento de virtudes éticas e morais. Para a maioria, no entanto, a condição é que haja simultaneidade e que a integração no mercado de trabalho não prejudique o desempenho escolar.

zoável integração no mercado de consumo) possa implicar o abandono definitivo do projecto escolar em função de investimentos (laborais) com ganhos financeiros a curto prazo (mas custos de mobilidade social a longo prazo). Nessa medida o dinheiro atribuído oscila entre ser sentido como devido pelos jovens (fazendo parte dos deveres parentais de sustentar uma carreira escolar) e ter de ser merecido (um privilégio que exige uma deter- minada performance – escolar, nomeadamente) (Miller e Yung 1990, 138). É, de acordo com a interpretação de Patrícia (18 anos, estudante do ensino superior, mãe secretária [falecida], pai professor do ensino secundário, pe- riferia), o sentido da acção do pai. Jamais pôr em causa os interesses esco- lares com o único objectivo de ganhar dinheiro:

Também nunca senti muita necessidade de trabalhar e também disse isso aos meus pais e os meus pais diziam «ainda não vale a pena, és nova». En- quanto eu te puder sustentar aproveita, que depois hás-de ter muito tempo para trabalhar e para estudar e isso. Então este ano, agora estive de férias e disse isso e o meu pai disse: «Agora vais começar a faculdade, o ensino ocupa- -te imenso tempo, nem penses nisso, porque uma pessoa começa a ganhar dinheiro e depois não quer outra coisa e esquece os estudos.»

Ainda assim, sobretudo a partir do momento em que, do ponto de vista jurídico a esfera do trabalho passa a estar acessível (16 anos), esta torna-se uma possibilidade efectiva a ser reclamada pelos filhos (pois estes podem ter, ver-se-á, uma miríade de razões – materiais ou simbólicas – para desejar ter experiências de trabalho ocasionais ou duradouras). O risco de abandono do projecto escolar é, por outro lado, tanto maior quanto esse projecto se revela, devido às dificuldades e insucessos acumu - lados ao longo da escolarização, frágil e vulnerável. Ou seja, é necessário tomar em consideração que o grau de compromisso individual dos jo- vens com o projecto escolar não é homogéneo quer na sua intensidade quer na sua temporalidade, o que não deixará de estar relacionado, ainda que de forma não linear e contingente, com o estatuto socioeconómico da família e o perfil de qualificação dos pais.

Num outro registo, esta tensão abre espaço a que, muito embora se possa questionar a legitimidade dos desejos e necessidades de consumo

juvenis5(à luz de um materialismo excessivo que simultaneamente se cri-

5É, com efeito, um hiato entre a representação de necessidade e de desejo que justifica

algumas das tensões relativas aos recursos pecuniários, uma vez que os pais podem ser responsáveis pelo suprimento das necessidades essenciais, mas tendem a discutir a legiti- midade de alguns desejos à luz do que consideram ser uma necessidade, tarefa que se re- vela tão mais complexa quanto o próprio conceito de necessidade é, segundo Brague

tica e se promove, não sem ambivalências e dúvidas), não se neguem aos filhos algumas condições materiais para nessa dinâmica participar acti- vamente (de acordo com regras e limites negociados/impostos).

Há sempre, como se tem aliás sustentado, que tomar em consideração