• Nenhum resultado encontrado

Para lá dos consensos: contornar e transgredir

Na última secção analisaram-se diferentes formas de ajustamento que traduzem um processo de convergência negocial (com alguma imposição parental também) presente nos percursos de reivindicação e concessão de liberdade. Também se pôde observar como as soluções de compromisso (processuais e dinâmicas) são meios essenciais à construção de estratégias mais ou menos explícitas de vigilância e controlo que pretendem restringir a acção aos limites preestabelecidos pelos pais ou negociados com estes.

Apesar de se ter referido a imposição como uma das lógicas de acção juvenis com vista à concretização de objectivos, se nada mais se dissesse ficaria, portanto, o eco dos consensos aos quais os jovens se conformam para poder gozar de alguma forma de liberdade e que, em virtude dos desempenhos que vão tornando a maioria dos pais mais confiantes no grau de responsabilidade dos filhos, se vão flexibilizando e atenuando com o tempo. Parte da confiança resulta, viu-se também, da partilha de informação e da verdade que os pais lêem nas palavras dos filhos, que os vai deixando ficar progressivamente mais descansados, assegurados que vão

ficando do razoável sucesso da transmissão dos patrimónios éticos e nor- mativos básicos.

A crer neste aparentemente idílico cenário, extremado para efeitos ilustra- tivos, as relações familiares no que diz respeito a este domínio da existência seriam regidas pela norma da transparência (e honestidade?) que decorre, também, da eficácia das estratégias de controlo e vigilância montadas pelos pais. A realidade destas famílias não será, no entanto, bem assim.

Com efeito, entre a transparência e a opacidade total existe um con- tínuo feito de zonas de sombra em que se articulam estratégias que visam contornar, totalmente ou em parte, os limites parentais. Obtêm-se, dessa forma, adicionais ou suplementares margens de liberdade (desta feita não vigiadas porque desconhecidas dos pais, pelo que são diferentes das que resultam da imposição de que acima se falava, feita no confronto directo).

Entra-se, portanto, no domínio da construção de um espaço privado de experimentação, fabricado exclusivamente pelo sujeito, em pleno pro- cesso de construção de si. Não deixa de ser uma forma (eminentemente privada, apesar de se enquadrar numa fase do ciclo de vida em que o de- sejo de integração e sincronia com o grupo de pares é forte) de exibir competências que participam na construção da autonomia, na medida em que a avaliação dos contextos e a determinação das estratégias de acção mobiliza simultaneamente razão, reflexividade, controlo e respon- sabilidade sobre si. Este raciocínio aplica-se a um largo espectro de acções, incluindo aquelas cuja lógica subjacente, tendo em conta o carácter par- ticularmente dubitativo e hesitante do percurso e os desafios públicos e as armadilhas que eles comportam, possam parecer frequentemente pa- radoxais, ou seja, possam não ser facilmente interpretadas à luz de uma racionalidade adulta ou parental como o exercício de competências indi- viduais como a razão ou a reflexividade – o consumo experimental de drogas leves, pode ser disso um exemplo (Baraldi 1992).

Nesta perspectiva, mais do que uma transgressão (apesar dos evidentes riscos que ela envolve e que não se pretende de forma alguma camuflar), muitas destas práticas são expressão de uma afirmação da individualidade para si mesmo por referência à alteridade que é a família, muito embora resulte da aproximação aos pares, o que no limite represente ainda a subs- tituição de um código nós-outros por outro igualmente contingente.

Desta forma, sendo a abordagem aqui adoptada uma que perscruta as racionalidades e estratégias que explicam a acção dos vários actores em interacção neste processo, resta, por fim, analisar quais as vias utili- zadas pelos jovens para contornar algumas prescrições e limites parentais, assegurando assim um espaço de reserva, privado e livre do controlo e

da vigilância parentais. Não quer isto dizer que não existe a possibilidade de esses espaços serem invadidos pelo olhar parental (gerando inclusiva- mente conflitos), mas antes que os jovens procuram, por sua iniciativa, criar esses espaços. Esse esforço não deixa de ser um indicador de que o processo de individuação (e desafiliação relativa da família que dele de- corre) implica, a dada altura, o estabelecimento por iniciativa própria de um perímetro para a individualidade (com avanços e recuos, dúvidas e hesitações) mesmo que seja à custa da norma da transparência nas rela- ções de filiação. Algo de que alguns pais, recordando-se da sua própria juventude sabem ser possível, mas ainda assim uma hipótese que pro - curam não explorar demasiado. Dois exemplos diferentes ilustram um desabafo comum a alguns pais, que admite a possibilidade de a partilha de informação não ser completa nem totalmente transparente:

Por vezes, por vezes terei de engolir o sapo, porque, porque eles podem- -me dizer que vão com Pedros ou com Paulos [...]. Eu não vou guardá-los se eles vão com Pedros e Paulos ou com Marias ou com Anas [Carlos, pequeno patrão, ensino primário, 54 anos, vila].

Eles sabem que é uma coisa complicada [a droga], é perigosa e nós todos sabemos que se alguma vez tivermos que experimentar, fazer, ou tiver que acontecer para pior, que acontece. Não é porque um pai ande a dizer... Não é? Também já experimentei. Eles também com certeza que se não experi- mentaram também vão experimentar porque faz parte [Joana, 41 anos, ven- dedora, secundário incompleto, capital].

Com efeito é, sobretudo, através da mentira e/ou da omissão que al- guns dos jovens entrevistados declaram ganhar alguma margem para li- vremente encetarem práticas que consideram normais e legítimas mas que suscitariam (na sua percepção) reservas por parte da família: saídas proi- bidas, experimentações várias (do tabaco às drogas); dimensões da vida que se querem manter secretas e excessos mais ou menos ocasionais (como as bebedeiras que se camuflam, por exemplo).

Mentir e omitir é uma via para:

E depois houve aquelas mentirinhas tipo de ir dormir a casa da amiga e depois ir sair sem a mãe saber. Eu fui dormir para casa de uma amiga minha para ir a uma festa e não me deixavam ir. Mas a minha mãe tem jeito para me apanhar nas mentiri- nhas. Depois fui apanhada, porque o meu pai era amigo da mãe dela. Mas depois fiquei mesmo um

... contornar regras e proibições

ano sem sair à noite... [Francisca, 18 anos, estudante do ensino superior, mãe técnica superior, pai profes- sor universitário, capital].

Às vezes [...] por exemplo, quando estou com os meus amigos vou até um barzinho ou uma coisa assim, e eles perguntam-me onde é que eu estou e eu às vezes acabo por não responder. Para não gerar con- fusão [Luís, 19 anos, atleta profissional, mãe professora do ensino secundário, pai agente desportivo, periferia]. Acho que em relação ao tabaco já lhe disse que nunca tinha experimentado. E não é verdade. Mas não sei, sinceramente é difícil. Porque eu não sou muito de mentir à minha mãe. Mas já menti, já me aconteceu mentir. Eu até costumo andar de auto- carro. Só algumas saídas já fui de carro e não lhe disse. Achei que não valia a pena, que ela fica preocupada e é da maneira que me telefona e me chateia mais. Sempre nos poupo [Rodrigo, 19 anos, estudante do ensino superior, mãe auxiliar de educação de infância, pai engenheiro, capital].

É assim... por exemplo, fumo ganza. Ela não sabe mas desconfia e não lhe digo... Porque as pessoas aqui da vila... por exemplo lá em Lisboa já é diferente. E em Lisboa ou qualquer cidade, já é diferente. Um charro não é uma droga. É uma droga só que não é... [Paulo, 19 anos, ajudante de armazém, 5.º ano de es- colaridade, mãe assalariada agrícola, pai operário, vila]. Não falo sobre... não sei, sobre saídas que faço com amigos para certos e determinados lugares que eu sei que eles não gostam, que eu sei à partida que eles não gostam. Omito. É mais sobre o facto de eu fumar [Cátia, 19 anos, lojista, 10.º ano, mãe empre- gada de balcão, pai operário, vila].

Ir dormir a casa da namorada por exemplo, dizia que era a casa do amigo. Vou ali dormir a casa do não sei quantos, ou do Rodrigo «não há problema, tudo bem», porque poupava uma data de esforço «vou dormir a casa da não sei quantas» «ah é? e então como é que se passa, ela é o quê»... lá ia ter meia hora ali a explicar... [Nuno, 18 anos, estudante do ensino superior, mãe quadro superior, pai professor univer- sitário, capital]. ... ocultar transgressões e experimentações que ponham em causa os limites estabelecidos e a confiança conquistada ... garantir um espaço de privacidade e reserva de intimidade

É verdade que nem todos os pais lêem nestas práticas o mesmo nível de perigo e transgressão (veja-se a afirmação de Joana acima), mas o facto é que a maioria dos jovens que efectivamente deseja fazê-lo, prefere não dar aos pais conhecimento disso. Quando decidem partilhar essas infor- mações, não raras vezes procuram estabelecer um hiato temporal estra- tégico, mais ou menos prolongado, entre o acto e a sua revelação e par- tilha, assim evitando proibições e conflitos maiores. É o caso de Catarina (18 anos, 10.º ano incompleto, empregada de balcão, pais operários, vila) que reconhece:

Às vezes faço, mas não lhes digo nada. Só lhes digo depois de ter feito. Se, de facto, o resultado prático da aplicação desta estratégia é a fabri- cação de um espaço privado que, na ausência de vigilância e controlo, acaba por forjar espaços de liberdade mais completa e onde a autonomia (de intenções e motivações) pode ser concretizada para lá dos limites do perímetro negociado com os pais, as justificações muito frequentemente convergem na afirmação de uma atitude protectora para com eles. Nestes casos, mais do que o espaço de liberdade que assim se conquista (ou se mantém – pois se os pais tivessem acesso a toda a informação, provavel- mente as restrições e o controlo seriam outros), os discursos estruturam-se em torno da intenção de não alarmar os pais com práticas e situações que os preocupariam sem necessidade. Sem necessidade, claro, porque o jovem sente controlar as situações que nesses espaços não vigiados ocorrem.

Mentir ou omitir porque...

Maluquices que eu já tive, grandes bezanas, prefiro não lhe contar. Só mesmo para não a preocupar, per- cebes. Porque eu sei que ela não me vai impor restri- ções, nunca foi a maneira de ela me educar [Rodrigo, 19 anos, estudante do ensino superior, mãe auxiliar de educação de infância, pai engenheiro, capital].

Mas isso, isso, eu já fiz, já experimentei tabaco, mas charro não. E é daquelas coisas que não contei, porque, como eu já disse, nós nascemos num lar cris- tão e tudo mais... Acho que ela ia sentir-se muito mal e isso é daquelas coisas que não dá para contar, para evitar tristezas também [Walter, 19 anos, finalista do ensino secundário, mãe auxiliar de educação de in- fância, pai desempregado, periferia].

... não vale a pena preocupar desnecessariamente os pais ... não se quer causar desgostos aos pais

A representação do que constitui ou não motivo para preocupações é, por seu turno, muito interessante para a compreensão do cruzamento permanente entre as liberdades, as independências e a autonomia. Em jogo estão visões divergentes sobre uma mesma prática e as suas conse- quências. E o facto de um jovem assumir determinadas práticas como legítimas, independentemente de saber que caso os pais soubessem iriam preocupar-se – para não falar dos conflitos que daí pudessem surgir –, não deixa de ser um indicador de que o sujeito se sente no direito de fazer opções e tomar decisões de acordo com as suas próprias visões do mundo (resultado de uma reflexão crítica que assume motivações muitas vezes oriundas do exterior – das experiências com o grupo de pares – como suas e, por isso, autênticas). É, pois, um percurso eminentemente singular, de individuação afinal, que, paralelamente ao familiar, revela através destes pequenos sinais estar definitivamente em marcha.

Com efeito, a atitude protectora para com os progenitores demonstra que as hierarquias, que distinguem as estaturas simbólicas dos sujeitos em função do seu estádio no ciclo de vida, começam a atenuar-se. Os pais adquirem aos olhos dos filhos uma dimensão para além dos seus papéis estatutários, enquanto indivíduos singulares, cujas visões do mundo se aceitam (e respeitam até certo ponto) mas com as quais, em alguns aspectos (como o da convivialidade juvenil, nomeadamente), não se concorda. Há, pois, um relevante diálogo (crítico) com parte dos pa- trimónios herdados que assim se estabelece, o que remete para a ideia de que o indivíduo e a sua autonomia se encontram precisamente no cru- zamento e na interpelação recíproca dos vários registos de acção em que o actor está envolvido, um dos quais se prende precisamente com o ca- rácter socializado do sujeito (Dubet 2005).

Nem sempre, é certo, estas estratégias se revestem de um carácter tão reflexivo. A maioria das vezes o que está em causa é, de facto, a concreti- zação dos objectivos imediatos, motivados pelo desejo de sincronia e in- tegração que justificam o desenvolvimento de estratégias para contornar as regras e os limites, ou seja, num registo de acção mais racional. Mas mesmo quando assim é, o fenómeno também pode ter a interpretação, como aliás já se sugeriu, de que face a duas normas divergentes (a parental e a do grupo de pares) prevalece neste estágio do processo de individuação a norma do grupo de pares, sobre a qual se constrói simultaneamente ou mais tarde a norma individual – autónoma, implicando sempre uma certa dose de desafiliação da família e a reformulação das relações familiares.

Concluindo...

Analisaram-se, ao longo deste capítulo, práticas e interacções fami- liares, entre progenitores e filhos que, quando cruzadas, permitiram re- constituir várias formas de estabelecer sistemas de gestão partilhada dos quo-

tidianos. Simultaneamente, explorou-se a trama relacional que estabelece

os perímetros dos vários tempos e espaços juvenis que estão para lá dos espaços tutelados por adultos (como a casa e a escola), determinando diferentes lógicas de concessão e de reivindicação de liberdades que, por sua vez, redundaram na aquisição de diversos tipos de independências. Percorridos os trilhos que informam do modo como se circula, como se age e de quem acompanha (ou não) a circulação e a acção destes jo- vens, na óptica quer da convergência e do compromisso, quer da diver- gência e do conflito, vale a pena recuperar algumas das principais pistas interpretativas lançadas. Estas ajudam a iluminar o modo como se pro- cessa a reformulação das relações de filiação, à medida que estes indiví- duos, que crescem e amadurecem, buscam (reivindicam, conquistam) territórios exclusivos de convívio entre pares, nunca esquecendo que estes sãos simultaneamente terrenos probatórios essenciais na construção de si.

Uma primeira nota deve, justamente, sublinhar o carácter relacional de todo o processo, ou não fosse uma perspectiva interaccional a servir de porta de entrada para analisar este recorte temático (Corcuff 2005, 2007; Thévenot 2006). A análise aqui exposta permitiu constatar que, re- tomando a metáfora dramatúrgica tão cara a Goffman (1961, 1969, 1993), estão em cena em cada família vários actores, cujos papéis (mãe e/ou pai, filho(s), etc.) estão previamente definidos em linhas gerais (sistema de re- lações hierarquizadas em função do estatuto, mas também da idade), mas cujos guiões estão sujeitos a emendas constantes dada a natureza proces- sual da sua acção e reacção. Na maioria das peças uns actores querem algo (liberdade para circular e agir, fazendo uso dos vários tempos de vida juvenil, aqui em análise) que, até certo ponto, só o outro (os progenito - res – ambos ou um especialmente) pode dar.

No entanto, estes nem sempre entendem ser o tempo de a atribuir ou então não querem aceder ao ritmo de concessão que os jovens reivindi- cam. Há, muito frequentemente, uma décalage entre os calendários e os ritmos de reivindicação e os de concessão, o que gera tensões e conflitos. É certo que há sempre a via da ruptura, que representaria no limite o abandono puro e simples da representação em cena, mas esta tende a ser uma solução de último recurso, tendo em conta os laços densos de de-

pendências várias (afectivas e instrumentais) que ligam os actores entre si. Há, neste jogo interaccional, lugar para o improviso, fruto do jogo que impõe aos actores, que em princípio pretendem concretizar os seus objectivos (diferentes entre si, embora não necessariamente antagónicos), a definição de estratégias, a acção e a argumentação, a antecipação e a gestão de expectativas quanto à acção do outro. Mais importante, cons- tatou-se que a actuação de cada sujeito tomada isoladamente não explica necessariamente o resultado final. É, portanto, na combinação das várias

performances, levadas a cabo com variados níveis de drama, que se podem

perceber diferentes lógicas de conceder e de reivindicar liberdades e in- dependências em famílias portuguesas contemporâneas.

Para lá da perspectiva analítica de referência, que não esquece a im- portância de se considerar o indivíduo como sendo, também, dotado da capacidade de agir racional e estrategicamente (embora situado nos con- textos sociais e materiais da sua existência que definem basicamente es- truturas desiguais de oportunidades e recursos), foi neste capítulo (per)se- guido o argumento de que a autonomia assenta num reportório de competências, cuja optimização pode ser favorecida pelo seu exercício num quadro de liberdade e de independência (Dworkin 2001; Christman 1988; Christman 2003).

Partindo do princípio de que vivendo os filhos (sobretudo enquanto crianças dependentes materialmente da família) num sistema tutelado, controlado e relativamente fechado (sobretudo no que diz respeito ao tempo nocturno), faz sentido argumentar que a liberdade é algo que os pais, no limite, (con)cedem, dão, atribuem, o que vai ao encontro dos argumentos de autores como Singly (2005b, 2006, 2008). Na verdade, verificou-se que de forma mais ou menos convicta ou resignada se trata de um processo de transferência (na maioria das vezes faseada) para os jovens do controlo sobre determinados territórios da sua existência, no sentido da auto-regulação. Também aos pais caberá, viu-se sobretudo na secção sobre o uso dos tempos diurnos, uma quota-parte da responsabili- dade de criar condições para a aquisição/desenvolvimento/aprendizagem de competências que permitem o agir a sós de forma independente.

Fazem-no sobretudo através da promoção de exercícios e do forneci- mento dos recursos materiais necessários a muitas das acções que os filhos encetam (é certo que a escola constitui outro território central na aquisi- ção de independências, pois é um espaço onde também se promove o desenvolvimento de competências cognitivas e comportamentais diver- sas). Mostrou-se também como o dia, mais do que a noite, aliás, se cons- titui como um terreno probatório onde muitos pais testam e ensaiam

competências e capacidades dos filhos, forçados que são simultanea- mente por contingências profissionais.

Não que isto signifique que os filhos sejam actores passivos desse pro- cesso. Muito pelo contrário. Uma nota é, portanto, devida à relação do processo que aqui se analisou com o conceito de autonomia. Se os vários tempos e espaços juvenis são terrenos probatórios na perspectiva dos pais, são-no mais ainda na perspectiva dos filhos, que neles também se testam, descobrem e experimentam, em suma, forjando-se através das provas (de dimensão variável) que o percurso de vida lhes vai trazendo como diria Martuccelli (2006). Reportam-se à alteridade fundamental que é a família, mas também aos pares e aos outros actores institucionais com os quais têm de lidar, no que podem gerar complexos exercícios de articulação e coordenação (projectando eventualmente diferentes ima- gens de si). Trata-se afinal aquilo de que se faz o processo de abertura ao mundo por parte dos adolescentes como defende Breviglieri (2007).

Mais, havendo na maioria dos casos mais ou menos bem explicadas resistências por parte dos progenitores entrevistados à concessão de li- berdade nesses espaços e tempos intersticiais situados entre os territórios tutelados pelos adultos, o que se verifica é o envolvimento por parte da maioria dos jovens num duplo processo de reivindicar liberdade e iden- tidade (como indivíduo e não só como filho), que obrigam ao uso das capacidades racionais e reflexivas de argumentação, estratégia e (re)acção. Nenhum outro entrevistado exprime esta ideia melhor que Lourenço (19 anos, estudante do ensino superior, mãe vendedora, pai mediador de seguros, capital) quando refere que tem de tornar seus, ou seja, autóno- mos, os espaços que vai conquistando por via das liberdades que lhe vão sendo (con)cedidas pelos pais:

A vontade é mesmo a de criar o meu espaço. Foi aí que comecei a criar mais o meu espaço. Porque nós também temos que criar os nossos espaços, a partir daquilo que nós exigimos ou pedimos aos nossos pais.

Ou seja, por um lado, todos os ingredientes apontam, justamente,