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3. Construção do conhecimento e aprendizagem

3.2 A aprendizagem do professor enquanto adulto

A problematização da aprendizagem dos professores constitui o tema principal da abordagem que se segue, procurando compreender e analisar os processos de aprendizagem, como, quando e onde ocorre, conscientes de que o desenvolvimento profissional é indissociável da pessoalidade do docente.

Focalizando a nossa atenção no professor como aprendiz adulto, percebemos que durante um longo período a condição de adulto aparecia associada a uma fase em que se julgava existir uma decadência nas suas capacidades cognitivas o que justifica a ausência de estudos nesse âmbito. No entanto, alguns estudos que apareceram posteriormente como é o caso dos de Baltes e Schaie, referidos por Reiman e Thies-Sprinthall (1998), vêm revelar que, embora se assista a algum decréscimo de algumas capacidades mentais, como é o caso da memória, se verifica o desenvolvimento de outras, as quais podem ser favorecidas pela experiência e pela formação.

Neste âmbito, surgiram estudos que recorrem a uma abordagem psicológica para estudar o desenvolvimento profissional do professor. Sprinthall, Reiman e Thies-Sprinthall (1998) apresentam várias perspetivas iniciais: i) o modelo baseado numa conceção pouco flexível do professor, centrado nas caraterísticas fixas da sua personalidade; ii) o modelo identificado com a corrente psicanalítica que acentua excessivamente a determinação do comportamento do professor pelas suas anteriores e remotas experiências; iii) o modelo de tradição behaviorista que identifica comportamentos específicos do professor, tendo como objetivos o seu treino de forma que ele os utilize como processo para conseguir as aprendizagens dos alunos, que em termos práticos constituem o produto.

Qualquer um dos modelos apresentados não se terá revelado suficientemente útil, tendo em vista o propósito de estudo do desenvolvimento profissional do

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professor. Desta forma as perspetivas revelam-se ultrapassadas, tendo surgido vários estudos baseados noutras orientações: “processamento da informação, ciclos de vida, preocupações do professor, life span psychology, entre outras” (Oliveira-Formosinho, 2009, p.253). Diferente literatura debruça-se sobre a mesma temática (Reiman & Thies-Sprinthall, 1998, Hargreaves & Fullan, 2001) considerando que o desenvolvimento profissional não se pode separar da estrutura pessoal do professor. São assim apresentadas três dimensões da pessoalidade que influenciam o seu desenvolvimento profissional, onde se inserem os estilos de aprendizagem, as etapas de desenvolvimento psicológico e os ciclos de vida.

Os estilos de aprendizagem

À luz das teorias cognitivas-construtivistas, a aprendizagem é definida como uma construção pessoal que resulta de um processo experiencial, interior ao indivíduo, o qual se traduz numa modificação de comportamento relativamente estável (Tavares & Alarcão, 1992). Esta perspetiva traduz um conceito dinâmico de aprendizagem que conduz à construção do conhecimento (Almeida, 1998). Neste quadro a aprendizagem e a construção do conhecimento são um processo pessoal, exigindo a iniciativa e participação ativa do sujeito e um esforço individual de apropriação do saber. Esta construção pessoal resulta de um processo experiencial interior ao sujeito, reforçando a componente pessoal da aprendizagem e a modificação do comportamento que persiste.

Face ao processo desenvolvido as modificações permanecem ao longo do tempo e do espaço e integram os esquemas funcionais do sujeito, apetrechando- o para a resolução de problemas em diferentes contextos.

O conceito sobre aprendizagem apresentado por Tavares e Alarcão (1992), uma vez que reforça a componente pessoal da aprendizagem, como atrás é referido, remete-nos para as diferenças que caraterizam cada indivíduo ao nível das suas estruturas cognitivas e estilos de aprendizagem. Este facto, tem suscitado um particular interesse, nomeadamente no que diz respeito à análise de

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aspectos qualitativos usados pelos aprendentes no confronto com tarefas de aprendizagem.

Relativamente ao estilo de aprendizagem, Dunn e Dunn (1999) consideram- no como a forma como os indivíduos respondem a estímulos ambientais, emocionais, sociológicos e físicos. Através de um estudo que envolveu um grande número de indivíduos conseguiram conhecer as suas condições preferenciais de aprendizagem. Neste estudo verificaram a existência de dois grupos de indivíduos. Por um lado, os indivíduos que possuíam um estilo caraterizado pela motivação, responsabilidade e persistência e que necessitavam de trabalhar sozinhos de forma estruturada, tendiam a procurar um ambiente de aprendizagem mais programado. Por outro, os indivíduos que preferiam trabalhar em ambientes menos formais e que não necessitavam de muita orientação para a realização das tarefas, conseguiam facilmente resolver os problemas com que se deparavam através de pistas e da generalização das aprendizagens. Daqui se conclui que existem diferentes condições nas quais os indivíduos gostam de traballhar o que, necessariamente, vai favorecer as suas realizações. Contudo, essas condições, favoráveis para alguns, poderão ser prejudiciais para outros comprometendo os seus desempenhos.

Teorias de processamento da informação

A perspetiva que considera a inteligência como um conjunto de competências operacionais de processamento da informação, dá ênfase à performance do sujeito na situação de resolução de problemas. Desta forma, é colocado um enfoque particular na análise dos processos linguísticos-cognitivos internos usados pelos sujeitos na resolução de tarefas cognitivas (Almeida, 1998) onde se destaca a seleção, codificação, armazenamento e evocação da informação. Dentro das diversas teorias de processamento da informação referimos o modelo experiencial desenvolvido por David Kolb (1986) que propôs um modelo de aprendizagem experimental, cíclico constituído por quatro fases, nas quais o sujeito processa informação através da experiência concreta, da observação refletida, da conceptualização abstrata e da experimentação ativa, conduzindo de novo ao recomeço do ciclo. Estas fases traduzem-se em quatro modos de

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assimilar e processar a informação, razão pela qual Kolb desenvolveu o Inventário do Estilo de Aprendizagem que permitiu medir o estilo de aprendizagem predominante dos indivíduos.De acordo com a teoria formulada pelo autor, as estratégias utilizadas no processamento da informação podem evoluir para estilos (padrões estáveis) que caraterizam a individualidade de cada sujeito, provenientes de padrões consistentes que resultam da sua interação com o meio. Assim, classifica os quatro estilos de aprendizagem como convergente, divergente, acomodativo e assimilativo.

A teoria formulada por Kolb parece, assim, estar muito próximo dos princípios defendidos por Piaget no que diz respeito à formação da inteligência, a qual parece resultar da interação do sujeito com o meio que o cerca, bem como do seu envolvimento ativo na aprendizagem.

De referir que estes modelos centrados na forma como o indivíduo recebe, guarda e processa a informação, cuja finalidade é desenhar um sistema de aprendizagem cognitiva que conduz à mestria concetual (Oliveira-Formosinho, 2009), embora se focalizem essencialmente na aprendizagem dos alunos, consideramos que podem ser aplicados aos adultos, concretamente aos professores, face à premência da melhoria dos seus processos cognitivos. De referir, no entanto, que estes modelos não concebem o progresso do sujeito como uma sequência de estádios de desenvolvimento.

Ciclo de vida profissional dos professores

A atenção sobre as práticas de ensino tem vindo a criar a necessidade de um olhar sobre os próprios professores, quer enquanto profissionais, quer enquanto pessoas. Neste âmbito, muitas questões se levantam sobre a construção da sua identidade enquanto “espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão” (Nóvoa, 2007, p. 16), constituindo-se assim como um processo através do qual cada um se apropria da sua história pessoal e profissional. Este processo identitário necessita de tempo para que seja possível (re)construir identidades, aceitar inovações e adaptar-se a mudanças.

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O crescimento humano não é como aquelas plantas que crescem rapidamente, sem grande necessidade de cultivo: ele pode ser alimentado e estimulado, mas não pode ser forçado. Os professores não se tornam naquilo que são simplesmente por hábito. O ensino está ligado à sua vida, à sua biografia e ao tipo de pessoas que são. (Fullan e Hargreaves, 2001,

p.53)

O processo passa pelo conhecimento do professor de si próprio (Day & Sachs, 2004) e também pela capacidade de exercer a sua ação com autonomia. Nesta perspetiva estamos perante a realidade da pessoa e do profissional, ou seja do ser e do ensinar, as quais se cruzam influenciando a sua forma de agir. Não podemos, assim, compreender o professor, ignorando a pessoa que é, conscientes de que vários factores contribuem para a formação da sua identidade (Fullan & Hargreaves, 2001):

- a época em que cresceu e ingressou na profissão, pensando na influência dos valores e das crenças educativas praticadas nesse período;

- o estádio de vida e a carreira em que cada um se encontra, considerando a influência que esta situação tem sobre as suas atitudes, a sua confiança sobre o próprio ensino e sobre o seu sentido de realismo

- o género, partindo do pressuposto que se identificam diferentes interesses e diferentes tipos de vida entre homens e mulheres.

Encontramos nos estudos de Huberman (1989), centrados nos professores, o conceito de carreira como um processo que comporta uma abordagem psicológica e sociológica, permitindo estudar o percurso de uma pessoa numa ou mais organizações, particularmente o seu ciclo de vida profissional.O autor analisa as fases da carreira do professor identificando as seguintes etapas:

 A fase da entrada na carreira que surge associada ao estádio de “sobrevivência” e de “descoberta”. O primeiro no âmbito do confronto com a situação real e complexa da situação profissional, no momento em que o docente se preocupa muito consigo próprio e em que enfrenta dificuldades em conciliar a relação pedagógica e a situação e a

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transmissão de conhecimentos. Nesta fase apresenta ainda dificuldade em lidar com situações que envolvem alunos que levantam problemas na sala de aula. O estádio de descoberta, contrariamente, faz surgir no professor entusiasmo e desejo de experimentação, sentindo-se responsável pelos seus alunos e pelo programa, ao mesmo tempo que se sente parte integrante de um grupo profissional. Embora o estádio da sobrevivência e da descoberta sejam contrastantes, ambos são vividos em paralelo, sendo este último o suporte do primeiro. Contudo, são conhecidos outros perfis que apresentam apenas uma das componentes referidas ou ainda com outro tipo de caraterísticas, dependendo sobretudo da experiência já desenvolvida e da motivação para a carreira.

 A fase de estabilização que coincide com a tomada de responsabilidades e com o momento em que os professores se preocupam mais com os objetivos didáticos do que consigo próprios, acompanha ou precede o sentimento de competência e de consolidação pedagógica. Nesta fase o docente sente-se confiante e confortável na profissão, registando-se a escolha da sua identidade profissional e o forte contributo desta para uma maior afirmação do eu. O professor sente domínio sobre a situação pedagógica, apostando numa maior flexibilização da sua ação e conseguindo relativizar o insucesso na sala de aula, não se culpabilizando por tudo o que aí não é perfeito.A autoridade do professor nesta fase surge de forma natural e apresenta de forma clara os limites de tolerância, enquanto existe uma maior facilidade em fazê-los respeitar com segurança e espontaneidade.

 A fase da diversificação corresponde a um período de experimentação pessoal da gestão da sala de aula, em que os docentes fazem uso de uma maior flexibilidade pedagógica, diversificando as estratégias, o material didático, os modos de avaliação. Os professores apresentam- se nesta fase mais motivados, mais participativos e mais dinâmicos quer nas equipas pedagógicas que integram, quer ao nível das

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comissões de reforma uma vez que se encontram em condições de questionar e criticar o que consideram ser “aberrações do sistema” (Huberman, 1989). Os docentes encontram-se igualmente motivados para exercerem cargos de mais autoridade e responsabilidade através do exercício de funções em lugares administrativos.

A fase da diversificação dá lugar ao aparecimento de casos em que as pessoas se colocam em questão. Trata-se visivelmente de momentos em que existe uma sensação de rotina sem que algo de novo se tenha produzido, conduzindo a uma sensação de monotonia e desencanto. Normalmente, esta situação segue-se a fracassos verificados nas reformas estruturais, nas quais existiu um forte investimento das pessoas. Esta fase corresponde, regra geral ao meio da carreira, num momento em que o docente encara a hipótese de prosseguir com o mesmo percurso ou, contrariamente, se sente inseguro ponderando a hipótese de o mudar.

Contudo é oportuno referir que nem todos os docentes terão que passar necessariamente por esta fase, no entanto mais uma vez se conclui que vários factores, onde se incluem as condições de trabalho na escola onde exerce funções, o contexto político e económico e a própria situação familiar, poderão ser determinantes para o aparecimento da fase de questionamento.

 Na sequência do questionamento surge a serenidade e distanciamento afetivo onde o professor manifesta uma grande serenidade nas situações de sala de aula e se revela pouco vulnerável à avaliação que lhe é feita por outros. Neste período da sua vida profissional mostra-se menos ambicioso e regista-se um menor investimento, contudo a sua confiança e serenidade aumentam. O professor sente que já não tem que provar nada aos outros e a si próprio e apresenta uma atitude mais tolerante e espontânea nas situações de trabalho. Regista-se igualmente um maior distanciamento afetivo entre os professores e os alunos, eventualmente pela diferença de gerações e de culturas.

 Da fase de serenidade passa-se para a fase de conservantismo, sendo percetível uma relação entre este e a idade dos professores, uma vez

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que com o avançar da idade se verifica uma maior rigidez e autoritarismo, uma excessiva prudência e resistência à inovação e à mudança, bem como nostalgia do passado.

 A fase de desinvestimento surge, regra geral, no fim de carreira dos professores num momento em que se libertam do investimento no trabalho e passam a investir mais em si próprios canalizando para outros lados as suas energias. Nesta fase consagram mais tempo a atividades exteriores à escola e a uma vida social de maior carga filosófica. Esta fase traduz-se normalmente por atitudes muito críticas relativamente aos alunos, aos colegas e ao sistema educativo, conduzindo, por vezes, a uma certa demarcação em relação aos acontecimentos relevantes que ultrapassam a escola ou o próprio sistema escolar.

As transições ecológicas e o desenvolvimento dos professores

Paralelamente à produção de conhecimento, através da investigação, sobre o modo como o sujeito aprende, surgiram várias teorias sobre o desenvolvimento humano, chamando-nos a atenção para a relação que estabelece com o meio envolvente no seu processo de desenvolvimento. Neste campo destaca-se o trabalho de Urie Bronfenbrenner, que apresenta o modelo ecológico do desenvolvimento humano, atualmente designado por Bioecológico (Bronfenbrenner & Morris, 1998). De acordo com este modelo, o desenvolvimento do indivíduo processa-se através de transições ecológicas que ocorrem quando realiza uma atividade nova desempenhando um novo papel, entrando em interação com outros atores sociais. O autor apresenta uma nova perspetiva sobre o desenvolvimento da pessoa com particular destaque para a interação que esta estabelece com o meio que a rodeia (1979). Nesta perspetiva as transações ecológicas assumem um lugar central no processo de aprendizagem e desenvolvimento do ser humano, razão pela qual os contextos exercem neste domínio uma influência fundamental (Alarcão & Sá-Chaves, 2007; Alarcão & Canha, 2013; Oliveira-Formosinho, 2009).

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Para Bronfenbrenner o ambiente ecológico é considerado como uma série de estruturas concêntricas que encaixam entre si – o microsistema, o mesosistema, o exosistema e o macrosistema. Para o autor, o ambiente ecológico relevante para o processo de desenvolvimento do sujeito engloba interrelações entre os vários contextos, perante a existência de vários níveis na estrutura ecológica, não se limitando ao contexto imediato em que existe uma relação direta. Assim, o modelo ecológico do desenvolvimento humano proposto por Bronfenbrenner, centra-se no estudo da interação mútua e progressiva entre o indivíduo ativo em crescimento e o ambiente em transformação em que está inserido, sendo este processo influenciado pelas relações entre os contextos imediatos e os contextos mais latos em que se integra. Existe um processo de mútua interação uma vez que o sujeito dinâmico, em desenvolvimento, influencia progressivamente o meio em que se encontra inserido e, por sua vez, o próprio ambiente também influencia o seu desenvolvimento.

As transições ecológicas ocorrem ao longo da vida do sujeito, sendo, por isso, elementos do seu processo de crescimento. Concretamente em relação aos professores, consideramos que são um elemento fundamental no seu processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional. Oliveira-Formosinho considera que o modelo ecológico de desenvolvimento profissional presta uma atenção particular aos momentos de transição ecológica e, simultaneamente, apoia os professores nessas transições “numa lógica de processo de formação ao longo da viva (life-long learning process)” (2009, p.262).

Assim, perspetivando o desenvolvimento dos professores, podemos concluir que é fundamental a qualidade dos contextos profissionais, bem como o alargamento das atividades e diversificação de papéis por eles desempenhados. Pensamos também que são igualmente relevantes as interações entre os diferentes contextos, considerando os processos recíprocos que atravessam as suas fronteiras (Portugal, 1992). Partindo da noção de transição ecológica, a qual acontece sempre que a posição do sujeito sofre uma transformação em consequência das modificações no meio ou nas atividades e papéis por si desempenhados, podemos inferir quão importante será para o seu

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desenvolvimento o número e qualidade de transições ecológicas realizadas, conseguindo aceder a estádios psicológicos mais avançados.

Face ao interesse e pertinência do modelo ecológico do desenvolvimento, no que diz respeito à importância da experiência contextual no desenvolvimento do sujeito, considerando as interações entre os diferentes contextos que o envolvem e que o influenciam, voltaremos mais à frente a debruçar-nos sobre este assunto centrando-nos nos contextos que influenciam o desenvolvimento e a aprendizagem da criança/aluno.