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“Sendo a supervisão uma das vertentes do acto formativo” (Sá-Chaves, 2007, p.154), naturalmente se estabelece uma relação entre o formador e o formando, implicando uma transação interpessoal de saberes perante a

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resolução de problemas reais. O termo supervisão surge desta forma associado a formação, uma vez que se pode concretizar numa modalidade “predominantemente formativa, estimulante do desenvolvimento e da aprendizagem das pessoas e das instituições” (Alarcão & Canha, 2013, p. 19). Nesta perspetiva existe, em nossa opinião, não só a ideia de aliança entre formação e supervisão, orientada para o desenvolvimento e aprendizagem das pessoas como também das próprias instituições. Esta ideia, já anteriormente preconizada por Alarcão (2000), considera a supervisão num sentido mais amplo, passando a olhar a escola como organização em desenvolvimento e aprendizagem e definindo como objetivo da supervisão, não só o desenvolvimento e aprendizagem dos que nela trabalham, como também o desenvolvimento qualitativo da própria organização escola. Alarcão e Tavares começaram por perspetivar a supervisão como “o processo em que o professor, em princípio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional” (1987). Nesta primeira fase a perspetiva dos autores sobre supervisão centrava-se sobretudo na formação inicial. Mais tarde, ao reconhecerem a importância do papel da escola, começaram a pensar na supervisão da instituição, ou da escola como organização, ou ainda como comunidade, reconceptualizando o conceito de supervisão e passando a considerá-lo como o processo de “dinamização e acompanhamento do desenvolvimento qualitativo da organização escola e dos que nela realizam o seu trabalho de estudar, ensinar ou apoiar a função educativa, através de aprendizagens individuais e colectivas, incluindo as dos novos agentes” (Alarcão e Tavares, 2003, p.154). Nesta perspetiva, embora a supervisão da formação inicial esteja incluída, ela está inserida num contexto mais amplo, que abrange a supervisão da escola e da formação contínua, isto é, a formação de todos os docentes (Alarcão, 2009).

Analisando o pensamento dos autores verificamos uma evolução do paradigma de supervisão ao longo do tempo. Alarcão e Canha (2013) mostram- se igualmente conscientes de que as diferentes formas como a supervisão tem sido encarada e praticada estão relacionadas com as diferentes conceções de formação, dependendo de diferentes modelos, perspetivas e cenários. Neste

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âmbito, relançamos um olhar procurando compreender a evolução sobre o conceito de supervisão ao longo dos tempos.

Começamos por nos referir ao modelo de supervisão clínica desenvolvido por Cogan, Anderson e Goldhammer nos Estados Unidos, nos finais dos anos 50. Este modelo, constituído por um ciclo em que interagem diferentes fases (Cogan, 1980; Goldhammer et al 1993), visa melhorar o ensino na sala de aula, sendo este o centro da ação docente e, por conseguinte, da própria ação supervisiva. A supervisão clínica desenvolve-se em ambientes de colaboração colegial e implica uma atitude investigativa assente em processos de observação, análise e reflexão, contribuindo para a mudança das práticas e para o desenvolvimento dos intervenientes (Cogan, 1980).

A dimensão reflexiva que carateriza o modelo de supervisão clínica vem assumir grande relevância com a introdução do conceito de profissional reflexivo através de Alarcão (1996) ao explicitar o pensamento de Shön, com as consequentes implicações no conceito de supervisão e nas respetivas práticas, bem como ao nível da formação. Sá-Chaves neste contexto estabelece a diferença entre o paradigma que sustenta uma formação “para a dependência, para a homogeneidade, para a manutenção acrítica do passado e para a impossibilidade do confronto com o futuro” e uma formação “para a singularidade e para a diferença, para a construção do novo e para o confronto com o indizível futuro” (2007, p.154). A autora baseando-se em Shön sublinha que o conhecimento não reside nas mentes dos formadores de forma a ser transmitido, podendo estar “oculto nos meandros da relação” que os profissionais estabelecem com as situações, numa lógica de reflexividade práxica que a singularidade de cada uma exige.

Na realidade, a diversidade existente atualmente na escola, obriga à criação de uma resposta organizacional que vá ao encontro da heterogeneidade que a carateriza. Neste domínio o papel das escolas, segundo Moreira e Bizarro, deve “constituir-se enquanto comunidade de prática reflexiva que promova a inclusão de todos”, nestas comunidades os professores assumem-se como práticos reflexivos e “desenvolvem uma pedagogia holística, de pendor humanista, que

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favorece as aprendizagens pela descoberta, não apenas do saber, mas ainda do Outro, em todas as suas dimensões” (2010, p.13). Esta realidade implica o respeito pela diferenciação e pela flexibilidade dos processos pedagógicos e modalidades de ensino, tendo em vista a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos, bem como o desenvolvimento profissional dos professores.

Vieira vem igualmente sublinhar a importância da reflexão ao referir que a supervisão “no contexto da formação de professores é uma actuação de monitorização sistemática da prática pedagógica, sobretudo através de procedimentos de reflexão e experimentação” (1993, p.28). A mesma autora considera também que “a pedagogia sem supervisão será menos pedagógica” (2010, p.150). Desta forma, assume particular importância o desenvolvimento de competências reflexivas nos professores, o que se encontra diretamente relacionado com a natureza das interações vivenciadas as quais, por sua vez, dependem de variáveis relativas aos processos intrínsecos da pessoalidade de cada sujeito e aos processos extrínsecos relacionados com as caraterísticas de cada contexto (Sá-Chaves & Alarcão, 2007).

A supervisão assume aqui grande destaque, contudo, no seguimento do que foi anteriormente referido e na visão atual sobre a ação supervisiva, esta enquadra-se numa perspetiva ecológica assumindo um caráter de supervisão pedagógica e institucional de forma integrada (Alarcão, 2010). Esta evolução sobre o conceito revela mudanças nas práticas de supervisão, surgindo associadas a conceções de formação. Desta forma, é possível identificar, atualmente, indicadores que revelam existir a promoção do desenvolvimento profissional “numa perspetiva menos hierarquizada e mais colaborativa, menos orientada por técnicas e normas e mais baseada no questionamento, na reflexão e na assunção pessoal das decisões tomadas” (Alarcão, 2010, p.19). Na opinião de Alarcão e Roldão as novas tendências supervisivas identificam-se com uma conceção democrática de supervisão, optando-se por estratégias que valorizam a reflexão e a aprendizagem em colaboração, bem como pelo desenvolvimento de mecanismos de auto-supervisão e auto-aprendizagem. As autoras consideram

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que “O campo da supervisão conheceu, nos últimos anos, um desenvolvimento assinalável” (2010, p.15), acompanhando a evolução verificada nas abordagens de educação e de formação. Neste contexto, adquiriu uma “dimensão colaborativa, auto-reflexiva e autoformativa” à medida que os professores se tornaram mais confiantes relativamente ao seu conhecimento profissional e à sua capacidade enquanto investigadores da própria prática, bem como construtores do saber específico relacionado com a sua função social. As mudanças operadas ao nível dos processos de formação dos professores, conjuntamente com o desenvolvimento da autonomia das escolas “têm contribuído para a afirmação da identidade profissional dos professores” (Alarcão & Roldão, 2010, p.17), assistindo-se a um processo de desenvolvimento humano, pessoal e profissional. O modelo ecológico de desenvolvimento humano de Bronfenbrenner, atualmente designado por bioecológico (Bronfenbrenner & Morris, 1998), como já foi referido, adaptado ao desenvolvimento profissional por Alarcão e Sá-Chaves (1994), constitui-se como um referencial teórico que nos ajuda a compreender a influência que os contextos exercem no desenvolvimento dos professores. Assim, o modelo contribui para a compreensão do desenvolvimento do ser humano na sua interação com o meio que o envolve, direta ou indiretamente. Nesta perspetiva, o indivíduo realiza atividades nos contextos em que participa (micro-sistema, meso- sistema, exo-sistema e macro-sistema), desempenhando papéis e estabelecendo relações interpessoais, os quais são fundamentais para o seu desenvolvimento. Desta forma, assumem particular importância as transições ecológicas determinantes no desenvolvimento profissional, bem como os factores contextuais que o inibem ou promovem, aspectos fundamentais para que seja possível definir as estratégias de supervisão adequadas numa perspetiva ecológica, a qual ultrapassa a perspetiva microcontextual do interior da sala de aula.

Assim, a formação deve proporcionar experiências colaborativas de supervisão em contexto pedagógico, criando a possibilidade de indagação e de procura de estratégias necessárias para a mediação entre “constrangimentos situacionais e intenções pedagógicas” (Vieira, 2010, p.157). O programa de formação estrutura-se com base na centralidade da experiência e procura ir ao encontro das necessidades e interesses dos professores, valorizando-se os

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próprios contextos de trabalho na construção das aprendizagens profissionais. Desta forma, esses interesses e necessidades são transformados em plano de investigação-ação colaborativa, a qual surge como estratégia privilegiada de construção do conhecimento, com vista à melhoria do processo de ensino e de aprendizagem. Os professores planeiam a sua ação enquanto projeto, e posteriormente, quando se encontram a pôr em prática as suas experiências, tem lugar a problematização e a teorização das práticas, bem como a identificação dos constrangimentos e dilemas, tendo em vista a ação estratégica (Vieira, 2010).

Alarcão e Canha (2013), ao identificarem os múltiplos campos de atividade da ação supervisiva, concluem que, dependendo do campo de ação, surgem vários conceitos associados ao termo supervisão. Contudo, destacam os que mais diretamente se relacionam com o próprio conceito de supervisão e que, simultaneamente, contribuem para a sua clarificação: regulação, monitorização e avaliação.

Os autores apresentam uma aproximação ao conceito de supervisão em geral, salientando “a essência da supervisão como um processo de acompanhamento de uma atividade, através de processos de regulação que são enquadrados por um referencial e operacionalizados em ações de monitorização, em que a avaliação está obviamente presente” (Alarcão & Canha, 2013, p.19).

Destacam ainda a dimensão colaborativa como uma forte tendência atual, colocando como conceitos nucleares a supervisão e a colaboração. Segundo a sua perspetiva, a colaboração surge como instrumento de desenvolvimento, associada às relações entre as pessoas e remetendo para ideias de partilha e de equidade sobre formas de construção do conhecimento, olhando o homem como ser social. A colaboração implica também um processo de realização em que existe uma certa convergência de pensamento entre várias pessoas, a negociação de objetivos, bem como a partilha de responsabilidades entre os intevenientes, existindo benefícios para todos. Nesta perspetiva, a supervisão desenvolve-se através de uma ação de acompanhamento e monitorização socorrendo-se de processos, como a observação, o diálogo, a reflexão e a

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experimentação (Alarcão & Canha, 2013). Centra-se na compreensão partilhada e na transformação, privilegiando a interação com a atividade e entre os intervenientes, bem como a interação interior a cada um. Desta forma, a supervisão e a colaboração conjungam-se numa atividade de forma a promover o desenvolvimento e a qualidade.

Na perspetiva apresentada por Alarcão e Canha (2013) a supervisão focaliza- se nas atividades (finalidade, natureza, inter-relações…), nas pessoas que as realizam (capacidades, competências, conhecimentos, valores…) e nos contextos. Os autores sublinham também a existência de uma dimensão desenvolvimentista relacionada com a essência e finalidade da supervisão, a que se associa a dimensão reguladora, bem como uma dimensão ecodesenvolvimentista face à sua dimensão ecológica que leva a considerar as particularidades e complexidade das situações.

Em síntese, fazendo uma revisão das diferentes perspetivas, bem como uma análise da evolução verificada sobre o conceito e as práticas de supervisão, verificamos um enfoque particular no caráter de acompanhamento e monitorização, bem como a dimensão interativa e colaborativa como uma tendência cada vez mais presente. Assim, é cada vez mais significativo o seu caráter contextualizado e a sua intencionalidade direcionada para a melhoria das interações entre os atores e para o seu desenvolvimento, envolvendo o coletivo de docentes e a supervisão da escola como organização.