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A linguagem oral precede a linguagem escrita, sendo que o falante aprende primeiro a falar e só depois tem competências reunidas para poder registar o pensamento, sendo a escola o primeiro local onde se preparam todos os cenários para a socialização da criança. Lá irá aprender a ler e a escrever, de acordo com as regras gramaticais. É através da linguagem humana que a criança e/ou o adulto consegue representar os símbolos e códigos pertencentes ao domínio do escrito, pelo que quanto mais cedo de começar a construir um sistema sustentado de signos que represente o código linguístico oral, melhor será a performance do sujeito falante, na tentativa de aceder à linguagem escrita (Lopes & Costa, 2007: 64). As autoras defendem, ainda, que adquirir capacidade de linguagem oral representa uma ascensão, no saber implícitos na atividade comunicativa, porque ao expressar-se oralmente, o falante revela todas as competências orais que domina, ao nível da forma (fonética, fonologia, morfologia e sintaxe), ao nível do conteúdo (semântica) e ao nível do contexto (pragmática). Neste sentido, e seguindo uma linha mais construtivista, Ferreiro (1984) propõe a teoria da Psicogénese da Língua Escrita, defendendo que até estar alfabetizada a criança passa por quatro fases: a pré-silábica, onde não consegue relacionar as letras aos sons correspondentes, exterioriza-os através de desenhos, símbolos e rabiscos, para comunicar; na fase silábica a criança interpreta a letra à sua maneira, conferindo o valor de sílaba a cada uma. A ascensão de nível ocorre quando, por algum motivo, a criança não consegue atribuir um significado à leitura e à escrita, começando então a descoberta da escrita, principiando por fazer corresponder a escrita e a fala, será o início da alfabetização, começando por descobrir partes da palavra escrita, sendo que o seu nome é o cerne da descoberta. Rara é a criança que não inicia a fantástica descoberta da escrita, rabiscando o seu nome e o daqueles que lhe estão mais próximos. Na fase seguinte, a silábico-alfabética, já mistura a lógica da

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fase anterior com a identificação de algumas sílabas, prevalecendo o valor das letras e das sílabas, havendo a necessidade da descoberta de mais hipóteses de escrita. Aí tenta um paralelo entre o que produz e o que vê escrito noutros registos, constatando que a sua escrita não é igual à convencional. Nesta fase, a criança procura subsídios que lhe permitam igualar a sua escrita à escrita de um adulto; esta será a fase mais importante, onde se semeiam mais gostos pela escrita, “[...] a criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá além da sílaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de caracteres (ambas as exigências puramente internas, no sentido de serem hipótese originais da criança) e o conflito entre as formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura dessas formas em termos de hipótese silábica (conflito entre uma exigência interna e uma realidade exterior ao próprio sujeito) (Ferreiro, & Teberosky, 1984: 214)86.

Já está bem definida a linha de separação entre linguagem oral e linguagem escrita, sendo que, como alguns autores defendem, a linguagem oral adquire-se e a linguagem escrita aprende-se, notamos, então, a noção de aquisição e aprendizagem: a primeira associada a uma capacidade inata e adquirida na sociedade; a segunda, num contexto mais formal. Mas, a aquisição da linguagem é um “processo de apropriação subconsciente de um sistema linguístico, via exposição, sem que para tal seja necessário um mecanismo formal de ensino” (Sim-Sim, 1995:200). Esta autora defende que os processos de linguagem, alcançados por aquisição, são automáticos e fluentes, ao passo que os que derivam da aprendizagem refletem níveis de consciencialização a aquisição do saber. A língua materna pode adquirir-se de forma natural e espontânea, apenas por exposição e contacto com essa língua. Nesse pressuposto, e considerando a linguagem oral como um código direto, podemos caracterizar a linguagem oral como primária em relação à escrita, assumindo-se mesmo como um código substitutivo. O falante competente tem capacidades inerentes de usar corretamente a linguagem, conseguindo, mesmo, atualizá-la em vários níveis, sendo que o nível mais prático, como refere Ferreiro (1986), para que possa ultrapassar o nível prático, o falante tem de possuir conhecimentos holísticos da linguagem que lhe permitam refletir acerca dela e das suas propriedades: é um conhecimento metalinguístico, necessário para usar a linguagem, escrita e oral, num domínio mais elevado.

É, sobretudo na passagem do oral para o registo escrito, que surgem mais dúvidas, para muitas crianças e muitos adultos evocarem o som de uma letra. Não é tarefa fácil, é na escola, num sistema de ensino formal que as regras fónicas se concretizam em palavras com sentido. Neste ponto, apontamos o estudo elaborado por Pereira & Azevedo (2005), onde as autoras apresentam, de forma clara e sucinta, dez etapas para a aprendizagem da escrita, referindo-se um primeiro lugar à relação escrita/ oralidade, que têm de se entender de forma separada, já que a escrita (produção) pertence a um nível de concretização superior à produção verbal oral. De facto, podemos ser capazes de falar e não sermos capazes de

86 Nesta obra, Ferreiro ainda critica a alfabetização tradicional, onde só são consideradas as

capacidades e a prontidão da criança para a aprendizagem da leitura e da escrita, através da distinção entre sons e sinais. Considera que esta teoria dá demasiada importância aos aspetos exteriores da escrita, esquecendo os aspetos concetuais.

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reproduzir a mesma mensagem de forma escrita; a segunda etapa apontada é a diversificação dos escritos. Tal tarefa, sobretudo no 1º ciclo, deve ser a mais diversificada possível, para que se possa compreender a capacidade e intenção comunicativa da escrita; a terceira etapa aponta para a escrita e pensamento, onde se refere, quase recorrendo a um sofisma, que enquanto se não souber escrever, não se sabe pensar, porque não se pensa antes de escrever; a quarta etapa aponta para a ideia de que escrever é planificar. Escrever é, pois, planear o discurso e estruturá-lo, atribuindo-lhe sentido e coerência; a quinta etapa refere a socialização dos escritos, pretendendo despertar nos alunos a intenção comunicativa dos textos, recorrendo ao caráter (meta)discursivo e (meta)pragmático; a sexta etapa aponta para o ato de escrever com a revisão do texto, já que a escrita não deve ficar, apenas, com exercícios de escrita, como forma de aprender a escrever, devendo promover a crítica do texto produzido; a sétima etapa prende-se com a premissa de que se aprende a escreve, escrevendo, ou seja de que devemos criar constantes desafios que desenvolvam esta capacidade; a oitava etapa refere a interação existente entre a leitura e a escrita. Esta simbiose pode favorecer a competência de escrita, no sentido de dotar o individuo de riqueza cultural e artifício na produção de novos textos; a nona etapa diz respeito à imagem do sujeito escrevente, motivando o indivíduo a escrever, em contexto escola e fora dele; por último, a décima etapa refere-se à complexidade da tarefa de escrever, pelo que só com treino e dedicação o ato da escrita poderá ser profícuo.

A iniciação na escrita não é propriamente fácil para um iniciante. Tendo em conta a perspetiva de Ferreiro & Teberovsky, a descoberta, ou conquista da escrita começa antes da escolaridade formal (Barbeiro, 2007), e tendo sempre presente três níveis ortográficos: o nível da representação gráfica, este fazendo parte da base do sistema semiótico, partindo da premissa de que para a “representação gráfica são mobilizados sinais gráficos, cuja presença passa a representar algo, diferente da respetiva ausência” (Barbeiro, 2007: 95); o nível da transcrição, representa as unidades da linguagem oral e o nível ortográfico, regido pelo princípio da unicidade, na tentativa de distinguir fonema-grafema. Para tal, terá de ativar vários critérios87 ou a competência ortográfica.

87 São mobilizados critérios como o fonológico, relativo ao contexto; o critério morfológico, que

permitirá distinguir a o singular do plural; o lexical, que permite escrever respeitando todas as regras de ortografia; o sintático, que rege a combinação de palavras, “não está diretamente implicado na competência ortográfica” (Barbeiro, 2007). Este critério permite distinguir palavras homófonas, de acordo com o contexto; o critério frásico-entonacional, associado à pontuação, gerindo a utilização do uso de maiúsculas e de minúsculas.

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