• Nenhum resultado encontrado

No que concerne à leitura, o Referencial de Competências-Chave prevê competências em cada nível: “B1: Interpretar textos simples, de interesse para a vida quotidiana; B2: Interpretar textos de carácter informativo e reflexivo; B3: Interpretar textos de carácter informativo – reflexivo, argumentativo e literário.” (Alonso, 2001: 22-27). As sugestões de atividades remetem para a “reconstrução de títulos de jornais; exercitar a identificação de ideia principal em cartas, notificação, artigos de jornal ou narrativas; reordenação sequencial de textos do património oral”, este conjunto de atividades remete para o tratamento de um texto curto (conto), onde seja possível visualizar as categorias da narrativa e concomitantemente a identificação, por parte do adulto, das diferentes estruturas lógicas de um texto. Só no nível B3 existe a referência ao texto literário: “Relacionar os elementos construtores de sentido num texto; seguir o encadeamento das ideias de um texto e antecipar essa sequência; interpretar os referentes espaciais e temporais num texto; identificar marcas textuais específicas dos discursos direto e indireto” (Alonso, 2001: 26). Como sugestão de atividades, aponta a leitura oral de textos de diferentes dificuldades e extensão; exercícios de resumo e alargamento; leitura das palavras-chave de um texto; leitura de novelas, contos de autores contemporâneos. Pensamos que a inserção da leitura, com este grau de dificuldade, neste nível de qualificação, é sobejamente tardio, avaliando as experiências de vida dos adultos. Estas poderiam ser realizadas em níveis mais inferiores, pois a inclusão de episódios de vida, com recurso à leitura de algumas notas, diários, textos reflexivos, entre outros, nos Portefólios Reflexivos de Aprendizagem (PRA) é uma realidade, independentemente do nível de certificação.

O ato de ler remete, em nosso entender, para algo mais global. Quem lê retira do texto informações e sentidos, descodifica uma mensagem, interpreta um sentido, reflete acerca do que lê, acerca de si e do mundo. Muitos dos adultos inseridos no processo de RVCC não revelam hábitos de leitura, pelo que abordar a leitura numa perspetiva integral seria contraproducente, pois não teriam orientação e teriam de se encontrar autonomamente no texto. Mas, pior do que não revelar hábitos de leitura, cremos que é revelar o afastamento de alguns anos, face a qualquer prática de leitura, com fins reflexivos. A maioria dos adultos que frequentaram o processo de RVCC já não lê um livro há muitos anos e os únicos atos literários que evidenciaram referem-se a pequenos enunciados do quotidiano. A condição para ingresso no processo de certificação é ser-se alfabetizado, não é essencial ser-se um leitor (entendemos aqui o leitor como a pessoa que se encontra a “realizar o processo de compreensão à qual se associam todas as capacidades, habilidades, conhecimentos e experiencias que a pessoa traz consigo para o ato de leitura” (Cruz, 2007: 70), e /ou escritor proficiente, mas convém revelar alguma autonomia. Esta é uma limitação não menos

133

importante, ou reveladora das dificuldades da grande maioria da população portuguesa92. Estas limitações de leitura e, que se revelam mais abrangentemente na literacia em leitura, limitam a participação dos indivíduos, nos constantes desafios impostos pela participação numa cidadania ativa. Mostrar uma competente leitura é revelar a importância que ela tem na construção identitária individual e coletiva, sobretudo fazer da comunicação o centro da vida e do projeto individual de cada um, o que leva Couchaere (1992) a abordar o tema da leitura, concluindo que os adultos não processam a aquisição cognitiva da leitura da mesma maneira, havendo já aspetos que complicam com a memória. A autora defende que os adultos sentem uma certa repulsa à leitura: alguns leem palavra a palavra, soletrando, pronunciando- as mentalmente, conduzindo o ato da leitura, a algo pesado e penoso, por não parecer dinâmico. Neste processo, apenas se retém o que se lê, não se reflete acerca da informação, o que se torna desmotivador, originando lassidão e abandono. Com acompanhamento e motivação e estratégias distintas e adaptadas, nunca é tarde para começar a ler e a fazer da leitura um hábito regular na vida diária (Bellenguer, 1989).

Sequeira & Sim-Sim (1989) consideram que para que se conservem determinados comportamentos linguísticos e que as dinâmicas da linguagem sejam, adquiridas, é essencial que em criança se adquira a linguagem e se cresça também num ambiente linguisticamente motivador. Ora, o mesmo se passa na fase adulta, pois se um adulto não tiver algo que lhe desperte o interesse e o motive a ler, não o fará e poderá levar anos até retomar, novamente, esse hábito, sendo que alguns só o fazem, quando confrontados com uma situação de formação, ou por obrigação. Esta atitude é visível no processo de RVCC, em que poucos são os adultos que ingressam com habilitações inferiores ao 4º ano de escolaridade (nesta afirmação temos como base o CNO onde desenvolvemos a nossa atividade e onde baseámos o nosso estudo empírico), o perfil do adulto, bem como o grau escolar detido é sempre tido em conta para o posicionamento e a desocultação das competências. Todas as atividades propostas versam à volta de textos simples, mas com interesse na vida pessoal e social e, sobretudo, com aplicação quotidiana. O próprio referencial faz alusão a este aspeto, pretendendo que o indivíduo não se desmotive e numa tentativa de ultrapassar dificuldades como defende Sim-Sim (1989b) “ a mera capacidade de descodificação em que assenta a dicotomia de alfabetizado/ não alfabetizado: com efeito, nele estão contidas competências, práticas e, até mesmo, hábitos de leitura que se desenrolam num continuum que vai desde a identificação de sinais gráficos de uso quotidiano à decifração de textos”. No geral, o ato de ler implica uma transposição mental de escrito para o sentido que dele resulta, através de vária ordem, tanto de natureza intra, como extratextuais (Lamas, 2000). Como é sabido, o ensino-aprendizagem da escrita está condicionado por vários fatores, entre muitos as “relações entre os sujeitos, as condicionantes temporais e espaciais” (Carvalho, 2001: 80), não se limitando à comutação fonética de signos linguísticos, sendo-lhe adstrito algo mais

92 Os fracos resultados dos estudantes de 15 anos, frequentadores das escolas portuguesas, revelados

pelo PISA, acentuam a problemática da literacia em leitura, onde não revelam possuir competência para compreender e refletir acerca de um texto escrito, denotando uma clara ausência na construção de sentido.

134

complexo, ao envolver processos cognitivos de descodificação e interpretação que se adquirem em tenra idade e que vão desenvolvendo ao longo da vida. De facto, para saber ler temos de ler, pois aprende-se a ler, lendo e aprende-se a escrever, escrevendo e aprende-se a ler e a escrever durante a vida e ao longo da vida. É este o objetivo principal que se pretende atingir na área de Linguagem e Comunicação. O adulto é convidado a inferir os sentidos do texto, para mais tarde e, de acordo com os modelos de aquisição do processo de leitura, questionar o sentido, problematizar e estabelecer comparações, tendo como referente a sua informação cultural, social e ideológica, entre outras, na tentativa sempre de desenvolver o pensamento reflexivo. Mas, estes processos nunca seriam possíveis, sem a envolvência dos processos psicológicos, que se desenvolvem e aperfeiçoam ao longo da vida (Smith, 1986). Esta aquisição de competências estará, no entender de Tavares & Alarcão (2003: 50), relacionada com a progressão etária do indivíduo, que conforme as transformações físicas se tornam evidentes. Também o serão as transformações cognitivas, completando, desta forma, o desenvolvimento integral: pelo que o ato de leitura num indivíduo adulto, quando retomado, nunca será tarefa fácil, em nosso entender depois de muitos anos sem prática e sem qualquer inferência textual, o adulto estará ao nível de uma criança, que necessita de sentir a envolvência e motivação familiar e/ou do meio, no desenvolvimento cognitivo, onde “a codificação e o nível de envolvimento cognitivo, se bem que igualmente relacionados com o contexto social da família, traduzem diferentes princípios e realidades e favorecem dados que permitiriam colocar a hipótese de que a orientação de codificação socialmente determinada, influencia o desenvolvimento cognitivo” (Morais, Peneda, Medeiros, Neves, Reis &Salgueiro, 1996: 2).

Dionísio (1990), a propósito das intenções do texto e das virtualidades do mesmo, alerta para o “ prazer de tentar resolver os enigmas suscitados pelas estruturas textuais de superfície e a identificação com pessoas, situações e valores” (Dionísio, 1990: 115). Nesta perspetiva é uma atividade que devemos incentivar, já que os referenciais de nível básico pretendem de sobremaneira motivar à leitura, para se entender melhor cada um de nós, o meio e o mundo, nesta visão holística. A leitura, na educação de adultos, pode ser vista como a tentativa e a oportunidade de promover a capacidade reflexiva do indivíduo, de um modo simples, sem ter necessidade de recorrer a termos metalinguísticos, ou metaliterários. A par da leitura e, de todas as implicações que o sentido do texto acarreta, também devem ser transmitidas algumas regras gramaticais, que, nesta altura, já estarão esquecidas, ou nunca foram apreendidas. Assistimos, aqui, à dupla intencionalidade da leitura: ao desenvolvimento cognitivo e a este propósito Fonseca (1998: 42) refere “à urgência de comunicar sobrepõe-se a urgência de configurar cognitivamente o mundo, de conseguir dar forma àquele «excesso referencial» que passa para além da relação linear e transparente que se pensa que existe (mas não existe) entre as palavras e os objetos, entre a língua e o mundo”. Contudo, convém referir que a seleção de textos deve ser o mais motivadora possível, devendo ser escolhidos textos onde o adulto leitor se reveja, a si e às suas vivências, à sua vida, onde a partir dos quais possa refletir, inferir, criticar, no fundo, desenvolver a competência discursiva. Neste

135

sentido, quando nos referimos a adultos nestes processos educativos, referimo-nos a adultos com enorme capital experiencial, que, na maioria das vezes, se envolve nas iniciativas formativas, por vontade própria, cientes das suas necessidades e potencialidades. Mas, além destas virtuosidades, estes adultos têm diferenças acentuadas no acesso ao capital escolar e cultural. Para eles, devem ser criadas práticas pedagógicas distintas e individualizadas e, sobretudo, contextualizadas, onde a sua história de vida e o balanço de competências mobilize saberes de índole individual e coletivo, que visem o descodificar dos mais diversos discursos, promovendo competências e inferências pois, no entender de Giasson (1993), só desta forma o adulto realiza aprendizagens significativas, lexicais, textuais e metalinguísticas e até criativas. Neste sentido, pretende criar-se a leitura como um processo ativo, a que Sequeira (1989b) considera de perspetiva psicolinguística, sendo autodirigida por um leitor que descodifica a mensagem, previamente codificada por um emissor.

Outline

Documentos relacionados