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2.3 – A compreensão da leitura e o envolvimento dos processos cognitivos

Ao longo deste trabalho, temos vindo a demonstrar que a leitura, além de um processo cognitivo, requer várias operações de decifração e uma panóplia de conhecimentos. Mas, então, porque existem situações em que o processo de leitura não se consegue completar? Serão os processos de aquisição de leitura, ou por outro lado o leitor, apesar de possuidor de competências linguísticas, que lhe permitam a descodificação dos signos dos texto, não o consegue apreender? No início do século XX, a incapacidade de ler “era considerada como um sinal de «imbecilidade» ” (Morais, 1997: 24). O mesmo autor considera que esta improficiência, por parte da criança, não tem a ver com a sociedade, muito menos com a escola, mas sim com alguma lacuna cognitiva, da própria criança; Pinto (1984: 17) refere-se a afasias de aquisição que poderão condicionar a aprendizagem de um sujeito “poderão mencionar-se duas espécies de afasias, as de tipo expressivo e as de tipo recetivo, que se enquadram dentro da dicotomia produção vs. compreensão”; já Cruz (2007) considera a leitura um processo dinâmico de interação com o leitor, que obtém informação a partir de símbolos escritos, parte pois do código escrito, para atingir o grau de significação, através do significado, ela congrega, à sua volta, vários processos psicológicos de níveis diferentes, começando com o estímulo visual e terminando com a compreensão textual. Posição semelhante tem Rebelo (2003), ao estipular quatro tipos de processos, na leitura, que se iniciam com o reconhecimento do código escrito e a sua relação de similitude, relativamente ao oral; reconhecimento do ato léxico visual; existência de conhecimentos concetuais e linguísticos e, finalmente, a construção de significações a partir de índices visuais.

Sim-Sim, a propósito deste tema, reconhece que a leitura e saber ler é condição essencial para entendimento do mundo, da sociedade e para o sucesso pessoal e profissional (Sim-Sim, 2007: 5). Sardinha (2005: 74) refere que no momento de apropriação do sentido do texto e posterior “construção da compreensão leitora, há um conjunto de itens a ter em conta pelo sujeito/ leitor: construção de uma representação coerente; um sistema dinâmico e complexo; a memória do trabalho; inferências”.

Chaveau, Rogovas-Chaveu & Martins (1997: 196) vão mais longe, estipulando oito operações que coordenadamente interagem para a concretização do processo cognitivo, sendo necessário “identificar o suporte e o tipo de escrita; interrogar o conteúdo do texto; explorar uma quantidade de escrito portadora de sentido; identificar formas gráficas; reconhecer globalmente palavras; antecipar elementos sintáticos e semânticos; organizar logicamente os elementos identificados. Smith (2003: 22) refere que, “em contextos mais

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gerais, esta base do entendimento é também chamada, pelos psicólogos, de estrutura cognitiva. O termo é bastante bom, porque cognitivo significa conhecimento e estrutura implica organização do conhecimento, e isto é o que, na verdade, temos em nossas cabeças uma organização do conhecimento”. Esta ideia tem continuidade em Kato (2007), quando a autora defende que, para haver desenvolvimento cognitivo, proporcionado pelo ato da leitura, é essencial a utilização de uma dupla de estratégias: as cognitivas e as metacognitivas, segundo ela, as primeiras, articulam e elegem “os princípios que regem o comportamento automático e inconsciente do leitor, enquanto as metacognitivas em leitura designarão os princípios que regulam a desautomatização consciente das estratégias cognitivas” (Kato, 2007: 124). Se for motivado, o leitor tem um controle ativo, recorrendo a estratégias cognitivas para se expressar, se bem que no ato de ler, o leitor autocorrige-se, evidenciando o perfil metacognitivo.

Fonseca (1999), já considera cinco passos para a constituição da leitura, partindo de três formas de aprendizagem: o visual, o auditivo e o quinestésico. O autor formula a sua teoria, onde associa o trato visual (córtex visual) à descodificação das palavras e à consequente identificação auditiva e quinestésica. Nesta situação de aprendizagem, um símbolo corresponde a um som, criando-se o alfabeto, onde ambos contribuem para o nascimento da combinação de letras e sons, como se de segmentos se tratassem, dando origem à palavra portadora de significado e, por último, o autor apresenta o processo da significação, que já aparece a compreensão através de um léxico. Este último processo cognitivo contribui, juntamente com outros, segundo Ehri (1992), para a formulação de processos linguísticos e cognitivos, que estão na origem desta teoria: o conhecimento gráfo-

fónico transmite ao leitor a noção de transposição do som para a letra; este permite o conhecimento da linguagem, vista à luz da perspetiva sintática, semântica e pragmática da

linguagem que proporciona ao leitor ao entendimento de frases e seus significados; o

conhecimento do mundo permite que o leitor conheça o mundo apresentado no texto, que se

vai confirmar no conhecimento metacognitivo onde se afere o sentido apresentado no texto, referente à realidade; o conhecimento do léxico obriga a que o leitor armazene uma grande quantidade de vocabulário para que o possa identificar mais tarde na memória do texto faculta ao leitor novas interpretações textuais a partir de um tido como referência.

De facto, se compreendermos um texto com sucesso, é porque houve uma leitura com compreensão, onde o leitor demonstrou a sua autonomia, proficiência e capacidade de descodificação dos signos e do sentido textual. Madruga & Cordero (1987) aludem à complexidade que a compreensão de um texto se reveste, visto que congrega vários processos cognitivos, com vista à representação significativa do mesmo. No entender de Sardinha (2005: 75), estes autores consideram que “esta representação mental, é determinada pelo próprio texto e pelos vários tipos de texto que o indivíduo já traz consigo”. Tal como estes autores, também Hall e Coles (1996) centram no leitor todo o processo de compreensão textual, ao conseguir interagir entre o texto e os vários processos cognitivos e linguísticos. Já Brown e Smiley (1977) “apontam para a necessidade de construção de macraestruturas do texto em

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cada indivíduo” (Sardinha, 2005: 75). Aspira-se que cada leitor possua processos de indicações, de reconhecimento textual, para lhe indicarem os aspetos mais relevantes, conseguidos através da compreensão textual, muitas vezes recorrendo à memória. Também Flavell (1970) aborda este tema do uso eficaz da memória para um bom desempenho na compreensão leitora, neste caso a metamemória. Sardinha (2005: 76) refere que o uso destes métodos cognitivos se relacionam com a “metacognição têm a função de regular o conhecimento e como tal de ativar os mecanismos de compreensão textual”.

Cruz (2007: 55) distingue “processos de nível inferior ou de descodificação de processos de nível superior ou de compreensão”. O primeiro processo diz respeito ao reconhecimento e à diferenciação das letras em termos visuais e auditivos, ao relacionamento das letras com os sons que aquelas representam, à união de grafemas com vista à formação de palavras; por último, à identificação e pronunciação das palavras como unidades globais. O segundo conjunto de processos refere-se à compreensão da mensagem escrita, definida como o “produto de um processo regulado pelo leitor e no qual se produz uma interação entre a informação armazenada na memória daquele e a proporcionada pelo texto” (Cruz, 2007: 70). Pratt & Grieve (1984) consideram que, a cada compreensão textual, subjaz uma consciência metalinguística pertencente a cada sujeito, essencial para a compreensão de cada texto; esta consciência metalinguística refere-se, tal como contributos de Jakobson (1963), para explicitação do código linguístico, onde o falante faz uso desta função da linguagem, sem no entanto, ter qualquer perceção da sua atualização.

A introdução de práticas de leitura precocemente favorece o contato do leitor com os livros, a sua instrumentalização, o seu manuseio, bem como “o incremento de atividades focalizadas” (Macedo & Soeiro, 2009: 50), direcionadas para o desenvolvimento de futuros “leitores específicos” (Cerrillo, 2006: 35). Então, uma das principais funções do leitor é de, perante uma palavra que não conheça, ter de recorrer à sua memória e procurar alguma que seja parecida. Este tipo de descodificação não é tão fácil como aparenta, porque caso se trate de um leitor principiante não tem um léxico, ainda tão extenso que lhe permita esta comutação. Assim, um recurso que tem ao seu dispor é o uso do contexto, tudo aquilo que rodeia a palavra e que lhe sugira uma meta-realidade operacional que recorra às suas memórias de linguagem verbal e icónica. Relativamente a este ponto, Citoler (1996) defende que sempre que existe o ato da leitura, parte-se de um conjunto de sinais, que permitem aceder aos significados. Já Linuesa & Gutiérrez (1999) defendem que a leitura consiste na transformação dos signos gráficos em significados: sempre que existe o ato da descodificação estamos perante processos percetivos que se atualizam num conjunto de palavras com sentido lexical. Então, estamos perante os processos lexicais; neste caso, intervêm vários processos, que atuando em conjunto possibilitam a leitura, partindo de uma perspetiva que denominada de psicologia da leitura, Citoler (1996) e Garcia (1995), consideram que a função de ler implica quatro grandes processos: o percetivo, o léxico, o sintático e o semântico que funcionariam de um modo interativo e paralelo, mas que analisaremos, brevemente e, de forma individual; o seu estudo e desenvolvimento são importantes, pois ao desenvolver as

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técnicas de ensino da leitura elas tornam-se numa ferramenta indispensável para se entender a razão de alguns insucessos nesta área. O ato de ler só é concretizável quando se tiver percorrido um longo caminho, de treino, de uso pessoal, de apropriação, de prazer e desprazer, de hábitos, mais ou menos obrigatórios, ou lúdicos. Só depois do leitor tomar a leitura como um ato automático, poderá afirmar que possui um ato seu, que domina e organiza mentalmente; Pinto (2010) considera que as práticas de leitura e também de escrita são habilidades que só com a prática e trabalhadas desde cedo, pelo indivíduo, poderão tornar-se numa constante na vida do leitor. Porém, devido ao ato em si, tende-se a demonstrar mais dificuldade na interpretação do que na descrição. Segundo a autora, devido a condicionantes cognitivas, porque estas atividades psicolinguísticas, apesar de próximas e se completarem muitas vezes, apresentam exigências distintas, devendo aquelas serem treinadas.

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