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literatura

“Saber ler é uma condição indispensável para o sucesso individual” (Sim-Sim, 2007: 5)

A leitura, a sua compreensão e os contributos para a proficiência linguística dos indivíduos é tema central desta investigação, pelo que consideramos essencial referir algumas das definições e contributos epistemológicos, veiculados pelos diversos trabalhos de investigação existentes. A sua relativa acuidade externa revela uma complexidade interna bastante elaborada, pelo que a leitura encerra um campo de investigação intenso e profícuo, agregado ao desígnio de compreender o duplo ato de ler: o ato de ler propriamente dito e o ato de ensinar a ler (Franchi, 1989; Soares, 1991). Quando pensamos em ler, associamos rapidamente a uma fase específica da vida do ser humano – a infância, pois é quando se devem assimilar as primeiras manifestações de compreensão das letras e, foi precisamente nos anos 70, do século XX, que se realizaram as primeiras investigações acerca de procedimentos pedagógicos e estratégias de leitura, nesta área, em França, por Laurence Letin e por Jean Foucambert (1989); na Austrália, Mary Clay; e nos Estados Unidos da América, Kenneth Goodman, Frank Smith e Charles Read, dedicaram-se aos estudos psicolinguísticos. A seguinte década ficou marcada pelo estudo na fase pré-escolar da Argentina e no México dos processos de aquisição da linguagem escrita, onde Emília Ferreiro teve papel de destaque; outra importância vital, nesta área, teve Ana Teberosky, em Espanha. Não podemos deixar de referir igualmente os contributos de Jolibert (1994), que se debruça na importância que a formação tem no universo das crianças leitoras e produtoras de textos (Borges, 1998). Não é nosso propósito analisar demoradamente o período pré-escolar, ou escolar e os seus contributos para a formação de leitores, mas consideramos essencial indagar acerca dos contributos que as dificuldades de apreensão de leitura e da escrita e, as consequências futuras que estes vão ter no desempenho do indivíduo na vida adulta.

Etimologicamente, ler deriva do latim legere, significando ‘colher, apanhar, captar com os olhos’. Cadório (2001) atribui aos romanos a transferência de significado de ‘colher’, para o ato de ler, estando este impregnado do significante. A partir da leitura, adquirimos algo, presumivelmente o sentido de algo produzido por outro; este conceito é bastante polissémico o que é “um indicador da riqueza que o conceito subjacente encerra. Lemos de muitas formas, através de diversos meios e com finalidades diferentes. Lemos sinais de aviso, de antecipação e de cumplicidade, lemos o sentido de gestos, de entoações e de silêncios, lemos notações e indicadores de projetos e de trajetos, lemos a nossa própria escrita e o que outros escreveram...” (Viana & Teixeira, 2002: 5). A leitura proporcionará experiências e perspetivas novas que remetem para a realidade, o que leva Luckesi (2003: 119) a defender

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que “a leitura, para atender o seu sentido e significado, deve, intencionalmente, referir-se à realidade, caso contrário, ela será um processo mecânico de descodificação de símbolos”. Viana & Teixeira (2002: 9) atestam que ler é “saber decifrar, isto é, ser capaz de pronunciar corretamente as palavras impressas mesmo que a pessoa não compreenda o sentido do texto”, esta posição revela, claramente a evolução do conceito do ato de ler, inicialmente encarado como uma prática passiva, pois pretendia-se o reconhecimento e decifração dos sinais gráficos, mas, investigações futuras mostraram que a decifração não é sinónimo de compreensão, “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a perceção das relações entre o texto e o contexto” (Freire, 1992: 12), já que para que haja apropriação de sentido, é necessário que exista descodificação dos sinais e extração de sentido.

Para Manguel (1998), o processo de leitura depende da competência que cada leitor tem em decifrar e atualizar a língua e interpretar o sentido do texto; quando o leitor entra em contacto com o texto tenta atribuir significado aos signos e ao código linguístico, para, de seguida, de acordo com as suas motivações, interesses, sensações e conhecimentos dar um novo significado textual; é um processo complexo, influenciado por numerosos fatores linguísticos, cognitivos e sociais, mas, apesar da sua complexidade, é em grande medida, dependente da linguagem oral. É uma atividade fundamental, para que o indivíduo se sinta capaz de comunicar com os outros e com o mundo, entender a realidade que o rodeia e para que concretize o desenvolvimento cultural, pessoal e social, sendo que esta posição de cariz humanista, da leitura, lhe associa o pendor prático e utilitário da leitura: o indivíduo tem de responder às exigências constantes da sociedade da informação, tornando a leitura cada vez mais exigente e complexa (Sousa, 2004). Alarcão (1991: 61) afirma que “o leitor identifica e constrói unidades de significação a partir de estímulos-sinais que o texto lhe oferece; mas, por outro lado, põe em ação estruturas mais globais que o levam a mobilizar os conhecimentos que tem relativamente ao tema, a desenvolver expectativas, a formular hipóteses, a fazer inferências”. Estas unidades de significação implicam, por parte do leitor, compreensão, apropriação do sentido do texto e uma interação entre leitor/texto. Neste sentido, Lerner (1989:360) considera que “a leitura é um processo linguístico na medida em que ler constitui um modo de obter significado através da linguagem.”, o que implica que para se ser um bom leitor é imperioso dominar a língua, em todas as vertentes, para que possa também haver uma boa compreensão do sentido do texto.

Ler é um ato que se treina, pois ninguém nasce leitor, “ni nacemos lectores ni nacemos no lectores: nos hacemos lo uno o lo outro com el paso del tiempo” (Cerrillo,

Lanarraga &Yubero, 2002: 36), mas podemos construir-nos enquanto leitores, já que a

competência que usamos na aquisição e compreensão de um texto é semelhante à usada na compreensão da linguagem oral, tais como o vocabulário, conhecimentos inerentes ao indivíduo e capacidade de raciocínio verbal (Morais, 1997; Azevedo, 2006). Estes fatores vão estar na base de uma proficiente leitura, ou seja, da capacidade de o leitor processar as palavras que lê, descodificá-las, dar-lhes sentido e coerência textual pois sempre que

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“aprender a ler é aprender a reconhecer e a identificar palavras, ou seja, descodificá-las” (Azevedo, 2006: 132). Ler é pois um ato cognitivo, é descodificar e extrair significado da escrita. Smith (1986) remete para os processos psicológicos que lhe estão associados e que são desenvolvidos durante toda a vida do leitor, onde é criada uma interação entre o leitor e o texto, uma certa hermenêutica essencial, onde o indivíduo tem necessidade de saber o texto, dar-lhe e construir-lhe significado; Sim-Sim (2004:17) refere, a propósito desta dialética interpretativa, que “ler é hoje fundamentalmente aceder ao conhecimento através da reconstrução da informação contida no texto, o que implica uma íntima e permanente interação entre o leitor e o texto. O leitor tornou-se um construtor de significado e a leitura transformou-se na grande porta de acesso ao poder do conhecimento, é essa a base do conceito de literacia plena, uma supracapacidade promotora de transformação pessoal e social.” A leitura é criativa, dinâmica interagindo entre o leitor e o texto, atribuindo-lhe significados, resultantes da capacidade de interpretação, das suas crenças, informações, competências de representação. A significação de um texto nunca está terminada, ou acabada (Ceia, 1995b: 47), ela tem continuidade na extensão das inferências textuais de sentido e com base nas interpretações contextuais.

Durante muito tempo, entendeu-se a leitura como o simples domínio de símbolos gráficos e a sua reciprocidade com os respetivos sons, aliando-se ao conhecimento das regras de pontuação, a condição essencial para um leitor competente. Ler é algo mais do que um conceito, encerrando nele várias perspetivas. Consiste, assim, em descodificar a linguagem expressa em sinais gráficos convencionais, extraindo deles um significado. Mas, para Linuesa & Gutiérrez (1999),” ler consiste em transformar gráficos em significados”; Ribeiro (2005:19), baseando-se nas palavras de Mialaret, considera que “saber ler é ser capaz de transformar uma mensagem escrita numa mensagem sonora segundo leis bem precisas; é compreender o conteúdo da mensagem escrita, julgar e apreciar o seu valor estético”. A tentativa de encontrar uma definição concreta, para o ato de ler, é uma ambição hercúlea e sem fim à vista, pela natureza do processo de leitura. Cadório (2001: 17-18) mostra a abrangência de trabalhos na área “ ler é compreender”. Assim, ler é uma atividade cognitiva complexa, mediante a qual o leitor pode atribuir significado a um texto escrito, não consistindo única e exclusivamente em decifrar um código mas, além disso e fundamentalmente, supõe a compreensão da mensagem que transmite o texto. De facto, ler é obter sentido do impresso (em sentido construtivo), obter sentido da linguagem escrita, sendo um processo de efeitos vários, de carácter dinâmico entre o texto e o leitor. Autor e leitor participam no jogo da fantasia, já que no processo de leitura tem que se implicar a transação entre o leitor e o escritor, através do texto. Ler é, assim, um processo de perceção, interpretação e avaliação do material impresso, tornando-se a leitura num processo altamente complexo, ao implicar a constante interação do processo percetivo, cognitivo e linguístico que, por sua vez, interagem com a experiência e os conhecimentos prévios do leitor, os objetivos da leitura e as características do texto, como refere Sardinha (2005).

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Demandando a essência do ato de ler, Soares (1991) considera-o um ato de interação verbal entre indivíduos - leitor e autor, cada um revelando a visão que tem do mundo, de acordo com as associações que faz, as informações que obtém, o que leva Sequeira (1989b: 54) a afirmar que “a leitura é um processo ativo, auto dirigido por um leitor que extrai do texto um significado que foi previamente codificado por um emissor”. Tal posição, ao subentender uma relação natural entre o sujeito que lê e o objeto que é lido, pois o leitor, usa a sua experiência e competências, culturais e linguísticas, vai ainda permitir descodificar e atribuir significado ao texto, estabelecendo, deste modo, uma relação dinâmica com o processo de leitura envolvendo-se, enquanto leitor e aos conhecimentos que extrai da sociedade. Esta posição é partilhada por Sousa (1999: 58), que encara a leitura como “uma atividade que se assemelha ao modo como interpretamos a nossa existência uma vez que ao lermos continuamente construímos representações ou interpretações com base nas quais especulamos e formulamos hipóteses sobre o que pode acontecer a seguir, mantendo ou retificando as interpretações do que ficou para trás à luz do que lemos agora.” Este autor realça a relação dinâmica entre leitor e texto, que interpreta o texto sempre a partir das suas experiências de vida e da receção que faz do texto enquanto leitor. Contudo Jolibert (1989) considera que o ato de ler, além de complexo, assente em três vertentes do conhecimento: o conhecimento lexical, o conhecimento linguístico do próprio funcionamento inerente à língua escrita e por fim no conhecimento da teoria da aprendizagem a que o próprio ato se reporta” (Jolibert, 1989: 15).

Sim-Sim (1997:27) entende a leitura como um processo interativo e dinâmico “entre o leitor e o texto, através do qual o primeiro reconstrói o segundo”, o texto só existe porque o leitor e faz existir, atribui-lhe significado, a partir nas experiências e perspetivas, criando-se deste modo, uma nova conceção de leitura e ato de ler, onde o leitor reconstrói o significado do texto, descodificando grafemas72 e deles ser capaz de retirar informação, construindo, deste modo, o conhecimento. Amor (2001:91) defende que, para que se crie um universo de significação e relação entre leitor/ texto, tem de existir “um processo dinâmico e uma atividade global do indivíduo, sem limites em si e na rede de relações que estabelece com outros modos de comunicação, compreendê-lo e valorizá-lo implicará tanto promover a sua aprendizagem sistemática como reconhecer o papel das aprendizagens assistemáticas extraescolares, de base vivencial, funcional que o próprio meio sociocultural determina”.

Em suma, podemosafirmar que as posições dos autores supracitados apontam para a não distinção entre o ato de ler e a leitura, implicando, ainda assim, a compreensão daquilo que se lê sem a qual o ato não se realiza em plenitude. De qualquer modo, sem ser no entanto um processo recursivo, todas as fases são necessárias tendentes à sua complementarização.

72 O grafema (provem do grego ‘γραφη’, que designa escrita, arte de escrever e ‘εμαι’, estar sentado,

permanecer imóvel, o que literalmente podemos traduzir por ‘escritura imóvel’), sendo uma unidade mínima da escrita.

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