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Falar e refletir à volta da temática da educação de adultos é complexo e abrangente, pelas relações que estabelece entre correntes pedagógicas diversas e perspetivas filosóficas. A década de sessenta, do século XX, foi profícua para a andragogia e educação de adultos, onde as filosofias remanescentes ligadas à educação de adultos moldam conceitos, no sentido de discernir as especificidades que separam a atitude pedagógica da atitude andragógica. As correntes filosóficas adstritas à educação de adultos são várias e de várias mediações: influências humanistas, de cariz pragmático, a educação liberal, outra com alicerces marxistas e, por último, a que mais marcou os pensadores europeus, a pedagogia crítica.

A escola humanista ou o modelo andragógico, tem as suas raízes na Antiguidade Clássica, sobretudo em Aristóteles. Todo o ser humano procura invariavelmente e individualmente a felicidade. O seu ponto máximo é durante a Renascença como reação com o modelo medievalista e religioso, que tendia a negar a individualidade, a atuação ética do Homem, ao afirmar a aceitação e conceptualização deste, como ser capaz da arbitrariedade e individualidade. As perspetivas desta filosofia valorizam e realçam a tónica da educação, que pretendem o desenvolvimento individual de cada um e o alcance da supremacia, no cumprimento do objetivo educativo. Para Aristóteles, o bem supremo era o alcance da felicidade, só possível através da permanente atualização da ação política e moral. Esta abordagem educacional centra-se na aprendizagem autodirigida, tendo como principal teórico Brookfield. Ainda aqui, há a destacar autores que valorizaram o conceito de andragogia, como Malcolm Knowles (com o conceito de andragogia e autonomia do educando), Abraham Maslow ou Carl Rogers.

Vai ser Carl Rogers que cria o conceito mais famoso desta pedagogia de adultos: centra o seu trabalho na terapia da autodireção, favorecendo o autodesenvolvimento. Por outro lado, Maslow hierarquiza as necessidades humanas22 de forma piramidal, estipulando as de autorrealização, no topo. Considera a procura de satisfação como sendo o culminar de desenvolvimento humano. A educação humanista influencia todos os níveis de escolaridade, vendo o ser humano como um ser aberto aos constantes processos de aprendizagem e permeável à mudança, sentindo uma constante e continua necessidade de se atualizar e aprender. Deste modo, todo o processo de ensino-aprendizagem se centra no educando, valorizando-o, relegando para segundo plano os conteúdos a transmitir, que não são um fim em si, apenas um meio, para desenvolver os objetivos educacionais. Neste sentido, o educador é um guia, a ele cabe a condução do processo de ensino-aprendizagem e das experiências consideradas importantes. Nesta conceção filosófica, o adulto é dono e condutor das suas aprendizagens, a ele cabe a gestão dos seus conhecimentos, o que leva Carl Rogers a defender que a aprendizagem feita através descoberta “é a única coisa que se aprende de modo a influenciar significativamente o comportamento” (Rogers, 1985: 249). Mas para que

22 Maslow cria a pirâmide das necessidades humanas, sendo a base preenchida pelas necessidades

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haja aprendizagem efetiva tem de haver predisposição para tal, ou seja, a motivação, já que o ato de aprender tem de partir do sujeito, como atitude voluntária. Embora os humanistas considerem o ser humano um todo e com tendência para aprender, também subsistem algumas fragilidades: “A Andragogia tal como a psicologia humanista, tão somente presume que indivíduos autorrealizados conduzam automaticamente a uma sociedade melhor, isto é, a um melhor ambiente que, por sua vez, facilita a sua autorrealização” (Alcoforado, 2008: 97).

O pragmatismo ou a corrente progressista foi bem aceite nos Estados Unidos da América. Na sua essência, deve-se analisar tudo e resolver todos os problemas, pois é sempre necessário agir, se não se agir não se aprenderá. São principais teóricos Dewey23, Lindeman, ou Kurt Lewin. O contexto do avanço industrial criou uma classe de trabalhadores que tinha de responder às exigências laborais com competência e adaptabilidade constantes, tendo necessidade de acompanhar o desenvolvimento económico e tecnológico, em constante mutação e evolução. Esta corrente foi bem aceite nos inícios do século XX, nos Estados Unidos, com o fenómeno da imigração, sobretudo para as periferias industriais das metrópoles. Neste sentido, houve medidas que se promoveram, no âmbito da educação de adultos, sobretudo ao nível da integração dos trabalhadores: promoção da língua do país de acolhimento e qualificação profissional; promovia-se a democracia, a cidadania, a integração social do indivíduo trabalhador - quanto mais integrado e «formatado» com os ideais aculturados estiver o indivíduo, melhor trabalhador será.

Dewey, como teorizador progressista, considera que “só numa sociedade democrática a educação se generalizará e que só através da educação é possível a construção e a consolidação da democracia” (Bergano, 2002: 54). Este pensador revoluciona as teorias da educação ao propor a “centralização do ato educativo na aprendizagem dos alunos e porque enunciavam a assunção convicta de que apenas existe aprendizagem, quando existe atividade e experimentação” (Alcoforado, 2008: 89). Para o pragmático Dewey, será o professor que deverá confirmar se estão criadas todas as condições para o adulto aprender, partindo das suas experiências e, mais tarde, usando-as, novamente, para progredir e conceber formas de continuar a aprender ao longo da vida. Para a educação de adultos, a corrente progressista atribui grande valor às instituições extraescola: a família, as comunidades, as organizações, o trabalho são nichos de potenciais meios educativos, transmitindo e concorrendo para a educação, para os valores, para o conhecimento. Neste contexto, o educando ocupa um lugar de destaque no processo educativo, os seus interesses e experiências são valorizadas, tendo o educador como organizador e avaliador do processo. Em suma, aprendia-se através da experiência e criavam-se bases para desenvolver a aprendizagem ao longo da vida.

Dewey entendia a educação como uma chave para a evolução do indivíduo e progressão da sociedade. Para este pensador, todas as pessoas são capazes de aprender e progredir ao longo da vida, fazendo uso das experiências individuais, sendo por isso condições

23 Apesar do filósofo com ideia progressistas, John Dewey, nos anos 60, não escrever nada acerca da

educação de adultos, está na génese do pensamento sobre a educação de adultos. Acreditava que a melhoria de qualificações acrescentaria algo à sociedade, dando origem a uma mudança social. Assim, as situações de vida (pessoais, profissionais, sociais) seriam potenciais nichos educacionais.

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potenciadoras de educação e progressão. Porém, com Knowles ficou popular a andragogia, por centrar o processo educativo no aprendente, distanciando-se da pedagogia que encara o aprendente como um sujeito completamente dependente do professor, pois é ele que decide que conteúdos devem ser apreendidos e de que forma. Por seu turno, na andragogia, o aprendente tende a autodireccionar a aprendizagem, para a focar em si próprio e, desta forma, exteriorizar as competências e saberes adquiridos. Cria-se, assim, uma autonomia centrada no sujeito que aprende e que tende a mostrar o que sabe, através das experiências acumuladas. O único papel do professor/ educador será o de ajudar, como refere Jarvis (2001), os aprendentes a descobrir as suas necessidades de aprendizagem, de modo a poderem melhorar as suas competências.

A educação liberal é aquela que maior tradição tem no mundo ocidental, remontando as origens à Antiguidade Clássica, bebendo nos métodos da Idade Média e contributos dos pensadores cristãos. Os principais teorizadores foram Mortimer Adler, Mark Van Doren, entre outros, defendendo a premissa de que deve ser valorizada a simples procura do conhecimento, não interessando a utilidade da mesma, só importando a aquisição do conhecimento. Preconiza-se uma educação intelectual e racional, que aspira destacar o indivíduo possuídor do maior número de informação, para que ascenda ao estádio da sabedoria. O objetivo do educador liberal é fomentar a informação e conhecimento, para levar ao completo entendimento, discussão de factos e a capacidade de comunicação, devendo existir um verdadeiro entendimento dos factos. Esta corrente pode contribuir para o desenvolvimento da educação de adultos, na melhoria de valores e no exercício para a cidadania.

A educação behaviorista, ou comportamental, é aquela que talvez seja a mais recente, em termos cronológicos: nasceu na década de vinte, do século XX, com Watson; baseando-se nos trabalhos de Francis Bacon 24 e John Locke, onde o empirismo científico assume papel relevante. Mais tarde, o positivismo do século XX fez da filosofia behaviorista, uma parte integrante da Psicologia, tendo como principais impulsionadores, além de Watson ainda Thorndike25: todo o comportamento é uma resposta face a um estímulo, em dada situação. Esta corrente destacou o Homem como sendo controlado e condicionado pelo ambiente envolvente, numa perspetiva educacional. Cabe pois, ao educador criar todas as condições para a promoção da aprendizagem e para que o educador tenha o comportamento desejado. Nesta filosofia, o educando tem um papel bastante ativo, pois ele tem de atuar para demonstrar a mudança de completamento e consequente aprendizagem. Desta forma, os seguidores do behaviorismo defendem que os resultados da aprendizagem podem, assim, ser aferidos de forma precisa, tornando operacionais e mensuráveis os objetivos delineados.

24 Francis Bacon (1561-1626) pretendeu criar um novo método de estudo dos fenómenos. Tudo se devia

basear na observação e experimentação, usando para tal o método indutivo.

25 Para Thorndike, a aprendizagem é um processo associativo onde o organismo perante um estímulo faz

a conexão entre ele e a resposta, ou seja, a aprendizagem seletiva. Para Abreu (1979: 13), a aprendizagem seletiva é o processo onde as respostas têm como representação a satisfação das carências do organismo, que constituem a situação (S), onde foram executadas respostas (R), perante elos ou conexões (S-R), mais fortes do que as respostas fracassadas.

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Outra escola - a educação radical ou crítica, que para Finger e Asún será a mais importante escola do pensamento da educação de adultos, ao assumir que o “progresso humano é resultado da relação dialética entre, por um lado, a evolução da infraestrutura – os meios de produção, o desenvolvimento económico e o progresso técnico-científico – e, por outro lado, a evolução da superestrutura – as relações (de poder), as instituições, as ideologias e as normas culturais” (Finger e Asún, 2003: 73). A educação radical ou crítica, nasce da década de setenta, do século XX, como reação ao contexto político da América Latina e nos movimentos das campanhas de alfabetização brasileiras e chilenas. Teve em Paulo Freire o principal teorizador, com a publicação da obra Pedagogia do Oprimido. À luz da perspetiva radical, pretende que os concidadãos se consciencializem das políticas e, posteriormente, se mostrem capacitados para terem papel ativo nas transformações sociais. Neste contexto, a educação encerra modelos utópicos, de igualdade social, pretendendo gerar mudanças ao nível económico e social, aproximando-se do socialismo marxista (quando questiona a verdadeira função da escola, considerando-a uma forma requintada de influência perniciosa, nas sociedades industrializadas), ou até mesmo, da tradição anarquista (opondo- se à escola pública, enquanto instituição com determinadas atividades sociais). Apenas se quer formar indivíduos livres, capazes de escolhas responsáveis e com participação ativa na sociedade, com vista não só ao desenvolvimento individual, mas também ao da própria comunidade, ao valorizar a transformação social, só possível através da aquisição de saber/educação.

A corrente de pensamento que talvez tenha marcado mais a educação de adultos foi a pedagogia crítica, que se inspira na Escola de Frankfurt26. Neste sentido, os seus defensores não se preocupam com a forma como os conhecimentos são transmitidos, mas sim com o processamento que deles se faz, ou seja, os recetores devem ser estruturadores críticos do conhecimento adquirido. Este processo facilita e desbrava caminhos, visando a autonomia e a configuração de uma identidade própria e inalienável. Baseando-se nos traços racionais e progressista dos iluministas, o Homem é incentivado a pensar, a equacionar, a desbravar o caminho do conhecimento e da tradição do conhecimento. Esta escola propunha a substituição da razão experimental pela interpretação hermenêutica, ambicionando o Homem, não a uma explicação racionalista do conhecimento, mas à participação ativa no conhecimento para o pode validar. Passado o pessimismo característico da primeira fase desta corrente, surge Jürgen Habermas, também pertencente à escola de Frankfurt e que propõe uma epistemologia alternativa à positivista, desenvolvendo a teoria da ação comunicativa. Esta teoria pretendia validar a interação criada pelo diálogo entre indivíduos, para surgirem condições emancipatórias a vários níveis, que levem ao desenvolvimento individual e coletivo.

26 Na escola de Frankfurt, na 1ª metade do século XX, reuniu-se um grupo bastante especial de

professores e pensadores – Adorno, Marcuse, Fromm, Horkheimer, todos eles críticos do Iluminismo, aproximando, por isso, as suas teorias do marxismo e culpabilizando os avanços tecnológicos do empobrecimento do ser humano, porque “trocavam as anteriores verdades reveladas por um culto ao progresso, que tudo sacrifica, em nome de uma racionalidade científica supra-humana, contribuindo para a construção de uma sociedade unidimensional” (Alcoforado, 2008: 98).

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Todas as correntes são importantes, tendo contribuído cada uma à sua maneira para a creditação e aceitação holística da educação de adultos. Se por um lado, a filosofia humanista valoriza o conceito de andragogia, como sendo o modelo ideal para a educação de adultos e aprendizagem autodirigida, a corrente pragmática prevê a responsabilização do trabalhador, por ser detentor de uma maior formação, adaptando-se, continuamente, a novas situações. Neste sentido, uma maior formação e integração na sociedade contribuem para uma democratização da sociedade, no acesso ao saber e à igualdade de oportunidades, onde todos os contextos de ação dos adultos são reconhecidos. Já a corrente liberal pretende, num contexto dialético, a aquisição de conhecimentos e, por conseguinte, a informação e aquisição de capacidades reconhecidas a vários níveis, defendendo que a formação é essencial, para qualquer pessoa e pretendendo-se, com tal axioma, a democratização do ensino e dos percursos escolares. Ao invés, a corrente behaviorista, pretendendo entender o Homem determinado pelo ambiente em que se encontra inserido, prevê que o educando aja de acordo com determinadas respostas e perante estímulos, com vista à alteração de uma situação. Para vários autores, a corrente mais adaptada à educação de adultos será a corrente radical ou crítica, por se assumir como “um processo que facilitará a construção de caminhos próprios, que conduzirão ao desenvolvimento e à autonomia, visando a construção de uma cidadania plena” (Caramujo, 2003: 29).

1.1.3 – O papel das Conferências Internacionais de Educação de Adultos na

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