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A autonomia privada: em especial, a autonomia contratual privada

Capítulo I – Caraterização e qualificação jurídica do objeto de estudo

AUTONOMIA CONTRATUAL DO ESTADO

2. A autonomia contratual

1.1. A autonomia privada: em especial, a autonomia contratual privada

Uma ideia fundamental do Direito privado português reside no princípio da autonomia privada, que tem a sua dimensão mais visível na liberdade contratual12. Assim, no domínio do Direito privado, a produção de efeitos jurídicos (constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas) resulta principalmente, no tocante à actuação humana juridicamente relevante, de actos de vontade – maxime, declarações de vontade – dirigidos precisamente à produção dos referidos efeitos.

A principal manifestação da autonomia privada é a autonomia contratual ou liberdade contratual13. As enunciações doutrinárias das manifestações da liberdade contratual podem, no essencial, resumir-se a duas: liberdade de celebração dos contratos ou liberdade de contratar e liberdade de estipulação ou liberdade de fixação do conteúdo do contrato14.

Vejamos, separadamente, cada uma dessas manifestações.

A liberdade de celebração dos contratos ou liberdade de contratar consiste na faculdade de livremente realizar contratos ou recusar a sua celebração. Por outras palavras, as pessoas têm liberdade de contratar ou de não contratar. O exercício desta faculdade desdobra-se, em

11 Cfr. RAMALHO, Maria do Rosário Palma, “Intersecção entre o Regime da Função Pública e o Regime Laboral – Breves Notas” [Em linha], volume II, Ano 62, Abril 2002 [consul. 20 Dez. 2016], disponível em www.portal.oa.pt. 12 O artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa contém a consagração expressa deste princípio.

13 Note-se que o princípio da liberdade contratual – consagrado no artigo 405.º do Código Civil – está integrado na secção relativa aos contratos como fonte das obrigações.

14 Cfr. COSTA, Mário Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, reimpressão da 12ª edição revista e actualizada, Coimbra, Almedina, 2016, páginas 228 a 241. Cfr. HÖRSTER, Heinrich Ewald, A Parte Geral do Código Civil Português: Teoria Geral do Direito Civil, 10.ª reimpressão da edição de 1992, Coimbra, Almedina, 2016, páginas 57 a 67. Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito das Obrigações, 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2016, volume I, páginas 19 a 48.

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8. A contratualização em sede de emprego público versus autonomia contratual do Estado

segundo lugar, nas faculdades de formular propostas contratuais; de escolher a pessoa do outro contraente; e de aderir às propostas contratuais de outrem. Na liberdade de celebração pode ainda incluir-se a liberdade de forma da declaração.

Por sua vez, a liberdade de estipulação ou liberdade de fixação do conteúdo do contrato significa a possibilidade que os sujeitos têm de determinar os efeitos jurídicos a produzir. Assim, os sujeitos podem celebrar qualquer contrato típico ou nominado; têm a faculdade de aditar aos contratos típicos as cláusulas que melhor convierem aos interesses prosseguidos pelas partes; e podem realizar contratos atípicos, isto é, distintos daqueles que a lei regula, e até mesmo inominados, isto é, contratos que a lei nem sequer nomeia.

1.1.1. Restrições à liberdade contratual nas relações laborais privadas

A liberdade contratual sofre, porém, algumas restrições15, designadamente em sede de relações laborais privadas.

O surgimento do Direito do trabalho, com uma função tutelar – a protecção da parte mais débil da relação laboral – vem limitar a liberdade contratual. Desde logo, quanto à liberdade de modelação do conteúdo contratual, denota-se a substituição da vontade unilateral do empregador pela vontade heterónoma do legislador ou pela real autonomia das partes na contratação colectiva16.

Nas palavras de JOÃO LEAL AMADO “numa relação de poder como é, tipicamente, a relação laboral, a liberdade contratual não existe, no plano substantivo, e não pode deixar de ser fortemente condicionada, no plano normativo [uma vez que] ao contrário do universo civil, o mundo do trabalho assalariado não é, com efeito, o mundo da «composição espontânea ou paritária de interesses» ”17.

Ao contrato de trabalho privado é aplicável o princípio da autonomia privada, nos termos gerais já por nós analisados, isto é, a liberdade de celebração e liberdade de estipulação, pelo que as partes podem escolher livremente se e com quem querem celebrar o contrato de trabalho e quais as cláusulas que nele querem introduzir. Porém, a autonomia privada nas relações laborais privadas encontra-se, de certa forma, restringida. Desde logo, a liberdade de celebração é limitada por diversas imposições legislativas, como o dever de tratamento igualitário dos candidatos a emprego18 ou a obrigação de manutenção do mesmo nível de emprego na empresa em caso de despedimento por inadaptação19. Por sua vez, a liberdade de

15 Como especifica o n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil, a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos exerce-se “dentro dos limites da lei”. Assim, a liberdade de celebração e a liberdade de estipulação conhecem necessariamente limitações noutros domínios. Contudo, importa aqui destacar, em face do âmbito deste estudo, as restrições à liberdade contratual nas relações laborais.

16 Diferentemente, no período liberal, anteriormente à existência do Direito do trabalho, vigorava uma visão “híper- contratualista” da relação de trabalho privada e, por isso, o regime jurídico do trabalho era pautado, quase sem restrições, pelo princípio da autonomia da vontade.

17 Cfr. AMADO, João Leal, Contrato de Trabalho: Noções Básicas, Coimbra, Almedina, 2016, páginas 19 a 22. 18 Cfr. artigo 24.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

19 Cfr. artigo 380.º do Código do Trabalho.

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estipulação vem sendo muito limitada, uma vez que usualmente as normas laborais apenas podem ser derrogadas pelos contratos de trabalho quando estes estabelecem condições mais favoráveis para os trabalhadores2021.

No emprego público a autonomia ainda é mais limitada do que no emprego privado, porque o empregador público actua num contexto de autonomia contratual pública. Analisaremos, por isso, de seguida, em que é que consiste a autonomia contratual pública.

1.2. A autonomia contratual do Estado: confronto com a autonomia contratual privada

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