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A dimensão individual da autonomia contratual: algumas manifestações

Capítulo I – Caraterização e qualificação jurídica do objeto de estudo

AUTONOMIA CONTRATUAL DO ESTADO

2. A autonomia contratual em sede de emprego público

2.1. A dimensão individual da autonomia contratual: algumas manifestações

i. A regra do procedimento concursal

No Direito do trabalho (privado) a celebração do contrato de trabalho obedece ao princípio da liberdade contratual, expressão da autonomia privada dos sujeitos (artigo 405.º do Código Civil). Com efeito, as partes poderão escolher livremente se e com quem querem celebrar o contrato de trabalho (apesar de os critérios de selecção não poderem ser baseados em factores discriminatórios).

No entanto, a contratação pela Administração Pública encontra-se indissociavelmente ligada ao interesse público e, por isso, a Administração deve, em regra, proceder a um procedimento concursal prévio2930.

Dessa forma, a abertura de um procedimento concursal para preenchimento de postos de trabalho por tempo indeterminado depende da verificação de vários pressupostos. CÁTIA ARRIMAR e PAULO VEIGA E MOURA referem que, em primeiro lugar, é necessário que o posto de trabalho esteja previsto e vago no mapa de pessoal; em segundo lugar, é necessário que, ao abrigo do disposto no artigo 31.º da LTFP, se tenha afectado verba destinada ao recrutamento de pessoal e ela ainda não se tenha esgotado; em terceiro lugar, é imperioso que seja

28 Cfr. NEVES, Ana Fernanda, “O Direito da Função …”, idem, página 440.

29 Por força do imperativo constitucional do n.º 2 do artigo 47.º da Constituição, o acesso à função pública tem, por princípio, de ser precedido da realização de um procedimento concursal, pelo que o preenchimento de lugares previstos no mapa de pessoal e, portanto, as nomeações, os contratos de trabalho em funções públicas e mesmo as comissões de serviço são, em regra, actos consequentes de um prévio procedimento concursal.

30 Cfr. artigo 33.º da LTFP. O procedimento concursal a que se refere este artigo é restrito ao preenchimento de postos de trabalho por tempo indeterminado, reportando-se como tal, apenas às nomeações definitivas e aos contratos de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado. Por força do disposto no n.º 5 do artigo 56.º, a constituição de vínculos precários é igualmente precedida da realização de um procedimento concursal, embora de natureza e conteúdo necessariamente mais simplificado. Relativamente às comissões de serviço, elas são precedidas de um procedimento concursal sempre que a lei impuser tal procedimento, sem prejuízo de a remissão operada pelo n.º 2 do artigo 9.º apontar para que a comissão de serviço seja, em regra, precedida de um concurso.

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comprovada a inexistência de trabalhadores em situação de requalificação para os postos de trabalho que se pretendam preencher, uma vez que esta comprovação é condição para a abertura de procedimento concursal em todas as situações em que o recrutamento não assuma uma certeza interna e condicionada; e em quarto lugar, e embora não decorra directamente da lei, só poderá ser aberto procedimento concursal se não houver trabalhadores em reserva de recrutamento em número suficiente para preencher os postos de trabalho pretendidos31.

Por outro lado, devem ter-se presentes as eventuais exigências que venham a ser efectuadas pela lei que aprove o Orçamento de Estado para cada ano, designadamente em termos de controlo de recrutamento ou de redução de efectivos32.

Ora, esta fase prévia da contratação administrativa (que inexiste no âmbito do Direito laboral privado) limita o campo de escolha da Administração Pública. Contudo, quanto a nós, o procedimento concursal não elimina completamente o poder de escolha da Administração Pública, porém diminui-o uma vez que a máxima liberdade (ou liberdade sem previsão legal) poderia ocasionar arbítrios, inadmissíveis no Direito público.

Temos, assim, que a Administração Pública pode escolher com quem contratar mas, a sua autonomia quanto a este aspecto está limitada pelos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público, da igualdade, da imparcialidade e da transparência.

O empregador público move-se num campo de autonomia pública contratual e não de autonomia privada pois, apesar de haver alguma disponibilidade quanto a estas matérias (alguma margem de livre decisão ou, se quisermos, de autonomia face ao regime das normas), sempre existirão algumas restrições em face dos interesses vitais do Estado.

Pelas razões acabadas de apontar, a fixação e a divulgação, pelo júri, dos critérios de avaliação dos candidatos terá de ocorrer em momento prévio à data em que o mesmo júri tenha a possibilidade de acesso à identidade e ao currículo dos candidatos. Tal exigência decorre do princípio da imparcialidade, princípio pelo qual se deve pautar a actuação da Administração. Como se refere em acórdão do TCA Norte “Em matéria de concursos, os princípios norteadores do respectivo procedimento têm uma função essencialmente preventiva quanto à salvaguarda da isenção e imparcialidade da actuação administrativa, princípios de que a Administração se não deve afastar, constituindo o simples risco de lesão da isenção e da imparcialidade da Administração fundamento bastante para a anulação do acto com que culminou tal

31 Cfr. MOURA, Paulo Veiga e; ARRIMAR, Cátia, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, página 191.

32 Veja-se, a este propósito o parecer do Conselho Consultivo da PGR, n.º convencional

PGRP00003334, votado a 26/06/2015. Escreveu-se neste parecer, a respeito da autonomia das Universidades para o recrutamento e promoção do seu pessoal, o seguinte: “De acordo com o disposto no n.º 23 do artigo 35.º da LOE (n.º 23 do artigo 39.º da LOE 2014 e n.º 21 do artigo 38.º da LOE 2015), o regime aí fixado «tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais, especiais ou excepcionais, em contrário, não podendo ser afastado ou modificado pelas mesmas». Observa-se, pois, uma natureza injuntiva nas citadas normas uma vez que, dados os interesses que se visam acautelar (contenção da despesa pública), não é livre a modulação do tipo de vinculação que, eventualmente, se pudesse achar preferível”.

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procedimento, mesmo que em concreto se desconheça a efectiva violação dos interesses de algum candidato/concorrente”33.

É, assim, que só depois de definida a maneira como os candidatos a um concurso devem ser avaliados e classificados é que se poderão iniciar as operações, visto não se poderem iniciar estas operações e só depois disso se determinar qual o peso que as mesmas têm no apuramento da classificação final dos candidatos. A propósito do referido, é jurisprudência consolidada que “não é necessária uma conduta efectiva de violação do princípio da imparcialidade ou de actuação favorecedora de algum dos candidatos, bastando o risco potencial de manipulação dos resultados do concurso, para que se considere verificada a violação desse princípio”34.

ii. A determinação do posicionamento remuneratório

Após o termo do procedimento concursal (ou, aquando da aprovação em curso de formação específica ou da aquisição de certo grau académico ou de certo título profissional, que decorram antes da celebração do contrato), quando esteja em causa posto de trabalho relativamente ao qual a modalidade de vínculo de emprego público seja o contrato, o posicionamento remuneratório do trabalhador recrutado numa das posições remuneratórias é objecto de negociação entre aquele e o empregador público35.

Assim, permite-se a negociação da posição remuneratória por parte dos concorrentes ao procedimento concursal e, reflexamente, a autonomia contratual do empregador público. Esta possibilidade (que aproxima a relação jurídica laboral pública da relação laboral privada) estende o campo de disponibilidade do empregador público na relação laboral, aumentando a sua liberdade de negociação e a sua autonomia de forma particularmente evidenciada3637.

33 Cfr. acórdão do TCA Norte, de 10/12/2010, proc. n.º 01530/06.6BEPRT, publicado em www.dgsi.pt.

34 Cfr. por todos, os acórdãos do STA de 04/03/2009, rec. n.º 504/08, de 22/02/2006, rec. n.º 1388/03 e de 14/04/2005, rec. n.º 429/03, publicados em www.dgsi.pt.

35 Cfr. artigo 38.º da LTFP.

36 Cátia Arrimar e Paulo Veiga e Moura apresentam uma visão bastante crítica sobre esta matéria. Os autores referem que: “A negociação da posição remuneratória consagrada nesta norma é injusta, pretende “transformar” a Administração Pública num qualquer empregador privado e não é compatível com o princípio constitucional do mérito no acesso à Função Pública (…) [sendo que] a negociação do vencimento pretende colocar a Administração Pública ao nível de qualquer empregador privado, fazendo depender o montante remuneratório das leis da oferta e da procura (…) [e] a Administração Pública não é uma empresa, não tem de ser uma empresa nem pode funcionar como uma empresa, pelo que a sua sujeição a determinados princípios, máxime aos da igualdade e da eficiência, impedirá que o critério de escolha seja o “do mais barato” e seguramente impossibilitará que quem faça o mesmo trabalho e tenha o mesmo ou mais mérito possa auferir um vencimento inferior”. Cfr. MOURA, Paulo Veiga e; ARRIMAR, Cátia, idem, páginas 213 e 214.

37Em acórdão do Tribunal Constitucional decidiu-se que “a fixação das remunerações dos trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho é um campo especialmente aberto à autonomia da vontade (...)”; cfr. acórdão do TC de 9/5/2002, proc. n.º 047720, publicado em www.tribunalconstitucional.pt.

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iii. A forma do contrato de trabalho em funções públicas

Vimos que na liberdade de celebração dos contratos se pode incluir a liberdade de forma da declaração.

Ora, no Direito laboral comum o contrato de trabalho não depende, em regra, de forma especial38. Diferentemente, no Direito laboral público o contrato está sujeito a forma escrita, não vigorando aqui o princípio da livre forma que caracteriza as relações laborais39. Assim sucede no Direito laboral público, por motivos de certeza e segurança jurídica e, ainda, porque há a necessidade de publicitar o vínculo, dando a conhecer à generalidade dos cidadãos a sua existência.

iv. O conteúdo e local da prestação laboral

As partes da relação laboral pública têm disponibilidade, dentro dos limites da lei, quanto ao conteúdo e local da prestação laboral.

Assim, compete ao empregador público fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem. Sendo que, em regra, o trabalhador deve exercer as funções correspondentes ao conteúdo legalmente descrito da categoria ou da carreira, tratando-se de carreira unicategorial, em que se insere40.

Por sua vez, de acordo com o disposto no artigo 83.º da LTFP, o trabalhador deve, em princípio, realizar a sua actividade no local de trabalho correspondente ao posto de trabalho atribuído. Assim, o local de trabalho é um dos elementos que, devendo constar do contrato de trabalho em funções públicas, pode ser consensualmente determinado.

Contudo, esta possibilidade de determinação consensual do local de trabalho não significa que a escolha possa ser efectuada de forma inteiramente livre por qualquer das partes. A lei, não obstante não defina o que se deve entender por local de trabalho, não deixa de referir que esse é o espaço geográfico onde devem ser executadas as funções correspondentes ao posto de trabalho em causa, o que significa que é o posto de trabalho que determina o que se deve entender por local de trabalho, uma vez que é consoante a necessidade que tal posto vise satisfazer que se terá de determinar onde as funções devem ser exercidas.

Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 92.º da LTFP quando haja conveniência para o interesse público, designadamente quando a economia, a eficácia e a eficiência dos órgãos ou serviços o imponham, os trabalhadores podem ser sujeitos a mobilidade. Esta possibilidade realça a autonomia contratual do empregador público que, como vimos, aparece sempre vinculada à necessidade de prosseguir o interesse público. Assim, não se trata aqui de uma possibilidade

38 Cfr. artigo 100.º do Código do Trabalho. 39 Cfr. artigo 40.º da LTFP.

40 Ainda assim, a descrição do conteúdo funcional não prejudica a atribuição ao trabalhador de funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.

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de transferência unilateral, como a que pode ocorrer à luz do Código do Trabalho, por motivo do interesse da empresa. No âmbito da LTFP, a motivação da mobilidade residirá sempre na conveniência para o interesse público. Terão de ser razões de eficiência dos serviços ou de economia para o erário público a justificar o recurso a uma situação de mobilidade. Aliás, é justamente por a conveniência para o interesse público constituir pressuposto da mobilidade que a mesma nunca ocorrerá sem o acordo de um dos serviços públicos envolvidos (seja ele o de origem ou o de destino), pelo que nunca se poderá constituir uma situação de mobilidade

apenas em resultado de um interesse meramente pessoal do trabalhador público41.

v. Horário de trabalho

O horário de trabalho também pode, nos termos da lei, ser consensualmente fixado42. Assim, a sua determinação compete, por princípio, ao empregador público, mas pode ser objecto de acordo entre as partes quando o vínculo de emprego público se constitua por via bilateral.

Deste modo, o empregador público dispõe de autonomia (pública) contratual, na medida em que detém alguma margem para negociar o horário de trabalho com o trabalhador. Porém, essa autonomia, como não poderia deixar de ser, aparece limitada pela necessidade de prossecução do interesse público.

Assim, determina o n.º 2 do artigo 108.º da LTFP que na fixação do horário de trabalho o empregador ou ambas as partes da relação de emprego têm de respeitar o período de funcionamento e de atendimento ao público. Está aqui em causa, com particular evidência, o princípio do serviço aos administrados, segundo o qual os trabalhadores públicos “estão obrigados para com a comunidade beneficiária e financeiramente contribuinte da actividade administrativa, devendo exercer as suas funções na perspectiva da continuidade e do funcionamento do serviço devido43”.

Em consonância com este limite, o legislador enunciou vários pressupostos dos quais depende a possibilidade de adopção de um horário flexível44. Desde logo, não poderá haver inconveniência para o interesse público na adopção de tal horário, não podendo designadamente ficar comprometido o atendimento do público.

Em conclusão, atribuiu-se aos serviços um poder relativamente discricionário na aprovação dos horários de trabalho e, designadamente no estabelecimento de horários flexíveis, porém

41 Por isso, o recurso à mobilidade tem de ser devidamente justificado e fundamentado. Para além da

fundamentação normal dos actos administrativos, o recurso à mobilidade deve ser fundamentado com a enumeração sumária das suas vantagens ou da sua conveniência para o interesse público de algum dos serviços públicos envolvidos, designadamente em termos de eficiência ou economia.

42 O horário de trabalho consiste na “determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário ou dos respectivos limites, bem como dos intervalos de descanso”. Cfr. artigo 108.º, n.º 1 da LTFP.

43 Cfr. NEVES, Ana Fernanda, “O Direito da Função …”, idem, página 420.

44 O horário flexível consiste numa modalidade de horário de trabalho que permite aos trabalhadores públicos gerir o seu tempo de trabalho, escolhendo, dentro de determinados parâmetros, as horas a que iniciam o trabalho, quantas horas prestam diariamente e quando terminam o trabalho. Cfr. artigo 111.º da LTFP.

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esse poder discricionário ou essa margem de livre decisão terá sempre de respeitar o fim último da actividade administrativa (a prossecução do interesse público).

Por outro lado, a necessidade de servir o interesse público, que subjaz a cada uma das funções desempenhadas pelo trabalhador público, impõe que se sublinhe o dever de lealdade a que este está adstrito no que concerne, designadamente, ao seu horário de trabalho. A este respeito o STA teve já a oportunidade de decidir que um médico que termina o seu horário de trabalho e abandona a urgência de um Centro de Saúde, sabendo que durante um determinado período não iria ficar no serviço de urgência outro médico, viola o dever de lealdade45.

vi. Os acordos de limitação da liberdade de trabalho

No termos do disposto nos artigos 77.º e 78.º da LTFP estão previstos acordos de limitação da liberdade de trabalho. Estes preceitos legais consagram duas restrições ao direito à liberdade de trabalho dos trabalhadores públicos, legitimando que estes se vinculem a restringir a sua actividade profissional no pós-emprego público ou a permanecerem durante determinado período de tempo ao serviço do seu empregador.

O artigo 77.º da LTFP disciplina a possibilidade de o trabalhador se obrigar a limitar a sua actividade profissional após o fim da relação de emprego público. Porém, só o poderá fazer se verificados os pressupostos constantes do n.º 2 do referido preceito legal, isto é, quando actividade em causa, a ser exercida posteriormente, seja efectivamente susceptível de causar prejuízo significativo ao interesse público e desde que aceite subscrever o acordo escrito onde conste tal pacto de permanência e seja ressarcido pela limitação à liberdade de trabalho a que se vincula.

Assim, diferentemente do que ocorre no artigo 137.º do Código do Trabalho, o pacto de não concorrência serve o interesse público. Por outro lado, a fixação do montante da compensação deverá ter em conta os imperativos de igualdade, imparcialidade e transparência que regem a actividade administrativa e o erário público.

No que diz respeito ao pacto de permanência, disciplina-se no artigo 78.º da LTFP a hipótese de o trabalhador público se vincular a permanecer ao serviço da sua entidade empregadora durante um período de tempo, que pode ser fixado até três anos.

O pacto de permanência (cujo fim justificativo é a compensação de despesas extraordinárias feitos pelo empregador) apesar de consubstanciar uma possibilidade que está na disponibilidade do empregador público, não o dispensará de atender aos interesses estaduais e de ter em conta as necessárias preocupações com o erário público e de estabelecer o acordo sempre que os interesses do Estado o impuserem.

45 Cfr. acórdão do STA, de 25/11/2003, proc. n.º 01857/02, publicado em www.dgsi.pt.

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Em conclusão, também aqui se evidencia, mais uma vez, que a entidade patronal pública se move num domínio de autonomia pública e não de autonomia privada.

vii. A extinção por mútuo acordo

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 289.º da LTFP são causas comuns de extinção do vínculo laboral público a caducidade; o acordo; a extinção por motivos disciplinares; a extinção pelo trabalhador com aviso prévio; e a extinção pelo trabalhador com justa causa.

Importa-nos aqui analisar, em concreto, a extinção por mútuo acordo.

A cessação do contrato de trabalho pode resultar de acordo escrito celebrado entre empregador público e trabalhador, desde que reunidos os seguintes requisitos:

− Existência de comprovada obtenção de ganhos de eficiência e redução permanente de despesa para o empregador público, designadamente pela demonstração de que o trabalhador não requer substituição;

− Demonstração da existência de disponibilidade orçamental, no ano da cessação, para suportar a despesa inerente à compensação a atribuir ao trabalhador;

− Prévia autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública e do membro do Governo que exerça poderes de direcção, superintendência ou tutela sobre o empregador público46.

Assim, este acordo de extinção do vínculo de emprego público não é um acordo livre, diferentemente do acordo celebrado entre o empregador privado e o trabalhador. O empregador privado tem disponibilidade de extinguir o vínculo dentro de um contexto de autonomia privada, ao passo que o empregador público age num contexto de autonomia pública. Temos, assim, mais uma vez, a autonomia do empregador público coarctada pela indicação do legislador.

Em conclusão, no sector privado, a extinção por mútuo acordo resulta da convergência de vontade do trabalhador e do empregador e exprime fundamentalmente a aplicação do princípio da autonomia da vontade47. Em contrapartida, no sector público, a admissibilidade de extinção do vínculo de emprego por acordo é bastante mais exigente pois, no quadro da LFTP, a sua celebração exige a verificação dos requisitos referidos e tem como pressuposto a vinculação do empregador público ao não agravamento da despesa pública.

46 Cfr. artigos 295.º, n.º 1, al. a), 295.º, n.º 1, al. b) e 295.º, n.º 2, da LTFP.

47 Cfr. LOPES, Sandra, Cessação do Vínculo de Emprego Público: a conjuntura jurídica dos contratos, Coimbra, Almedina, 2016, páginas 85 a 89 e 100 a 102.

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