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A dimensão individual da autonomia contratual: algumas manifestações i A regra do procedimento concursal

Capítulo I – Caraterização e qualificação jurídica do objeto de estudo

AUTONOMIA CONTRATUAL DO ESTADO

2. A autonomia contratual

3.1. A dimensão individual da autonomia contratual: algumas manifestações i A regra do procedimento concursal

ii. A determinação do posicionamento remuneratório iii. A forma do contrato de trabalho em funções públicas iv. O conteúdo e o local da prestação laboral

v. O horário de trabalho

vi. Os acordos de limitação da liberdade de trabalho vii. A extinção por mútuo acordo

3.2. A dimensão colectiva da autonomia contratual Conclusões

Bibliografia Jurisprudência Pareceres

Palavras-chave: Vínculo de emprego público, contrato de trabalho em função pública, contrato administrativo, negociação, autonomia pública.

Introdução

O presente trabalho visa empreender um breve estudo sobre o sentido e alcance da autonomia da Administração Pública no âmbito da contratualização em sede de emprego público.

Em concreto, pretende-se saber se o empregador público actua com a autonomia de que dispõe o empregador privado ou se essa autonomia é limitada e, em caso afirmativo, de que forma.

A procura de uma resposta para tal questão implica, num primeiro momento, uma referência à aproximação ao regime laboral comum e à possibilidade de existir contratualização em sede de emprego público e, num segundo momento, a determinação do sentido e alcance da autonomia contratual do Estado por contraposição à autonomia contratual privada.

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8. A contratualização em sede de emprego público versus autonomia contratual do Estado

Tal enquadramento será recuperado numa terceira parte onde se procederá à análise de alguns institutos da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante LTFP),1 a fim de se encontrar uma solução adequada para a mencionada questão. Para o efeito, nesta parte, a nossa análise partirá da distinção da dimensão individual e colectiva da autonomia contratual em sede de emprego público.

1. A aproximação ao regime laboral comum e a possibilidade de contratualização em sede de emprego público

Actualmente, a LTFP define o vínculo de emprego público como “aquele pelo qual uma pessoa singular presta a sua actividade a um empregador público, de forma subordinada e mediante remuneração”2.

Ora, a constituição da relação jurídica de emprego público pode resultar de contrato de trabalho em funções públicas, nomeação ou comissão de serviço3.

Desde a entrada em vigor da Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (LVCR),4 a forma, por excelência, de constituição da relação jurídica de emprego público deixou de ser a nomeação. Assim, desde então, a regra passou a ser a da constituição do vínculo mediante a celebração de contrato de trabalho em funções públicas5. Concomitantemente, a nomeação ficou restrita às relações que impliquem o exercício de poderes de autoridade ou de ius imperium6. Por sua vez, a comissão de serviço está reservada a cargos não inseridos em carreiras, designadamente cargos dirigentes, e a funções exercidas com vista à aquisição de formação específica, habilitação académica ou título profissional por trabalhador com vínculo de emprego público por tempo indeterminado7.

A relação jurídica de nomeação constitui-se por acto administrativo. Uma vez praticado este acto, o trabalhador tem de o aceitar (expressando, desta forma, a sua vontade de fazer parte da relação de emprego com o empregador público)8. Do acto administrativo de nomeação resultam um complexo de direitos e obrigações - pré-determinados por normas unilaterais de carácter público – para cada um dos sujeitos da relação jurídica. Nessa medida, a relação jurídica de emprego público distingue-se, facilmente, da relação jurídica laboral própria do Direito privado, pois esta última nasce de um acto jurídico de carácter privado – um contrato – em que são as próprias partes que negoceiam todas as condições de trabalho, sem que uma delas possa, unilateralmente, alterá-las.

1 Cfr. Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho. 2 Cfr. n.º 2 do artigo 6.º da LTFP. 3 Cfr. n.º 3 do artigo 6.º da LTFP.

4 Referimo-nos à Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro. 5 Cfr. artigo 7.º da LTFP.

6 Cfr. artigo 8.º da LTFP. 7 Cfr. n.º 1 do artigo 9.º da LTFP.

8 A vontade do trabalhador é condição de eficácia (suspensiva) da nomeação.

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8. A contratualização em sede de emprego público versus autonomia contratual do Estado

No âmbito da relação jurídica laboral constituída por nomeação, ao particular não é reconhecido o poder de alterar o conteúdo da relação jurídica, sendo a manifestação de vontade do empregador público determinante. Por outro lado, a situação jurídica do trabalhador tem um conteúdo geral, antecipadamente estabelecido na lei. Temos, assim, uma dupla indisponibilidade quanto ao conteúdo da relação laboral pública: ao empregador cabe a primeira manifestação de vontade na constituição da relação jurídica de emprego, cujo regime jurídico está praticamente todo definido na lei não o podendo, em regra, negociar com o trabalhador (que é apenas chamado a aceitá-lo ou não).

Contudo, como refere ANA FERNANDA NEVES é “notória a evolução no sentido da negociação da generalidade deste regime jurídico, em face do número de normas jurídicas aplicáveis em comum às relações de emprego no sector privado”. Segundo a autora, a relação laboral pública pode ser, de alguma medida, susceptível de ser contratualizada pelo empregador e, assim, há “um distanciamento da designada teoria unilateral na explicação da natureza jurídica da relação de emprego titulada pela nomeação, numa aproximação à teoria contratual (…) ”9. Acresce que, como vimos, a relação de emprego público passou, em regra, a constituir-se mediante a celebração de contrato de trabalho.

O contrato de trabalho em funções públicas consiste num acto bilateral celebrado entre um empregador público e um particular, nos termos do qual se constitui uma relação de trabalho subordinado. Na constituição da relação jurídica de emprego público por contrato de trabalho, a produção de efeitos jurídicos vinculativos é imputada à vontade conjunta das partes, embora, como vamos ver mais adiante, seja limitada a capacidade de determinar o seu conteúdo.

O contrato de trabalho em funções públicas dá lugar a uma relação jurídica de natureza mista, de feição essencialmente privada. Aos respectivos trabalhadores é garantido o direito à contratação colectiva e às partes é reconhecida capacidade dispositiva quanto ao conteúdo da relação jurídica laboral.Com a constituição da relação de emprego público, em regra, mediante a celebração de contrato de trabalho, verifica-se uma aproximação substancial ao regime jurídico laboral privado10: o regime de puro Direito público (caracterizado, essencialmente, pela existência de funcionários providos por acto administrativo de nomeação) dá lugar ao monopólio do contrato de trabalho em funções públicas (em que são as próprias partes a negociar as condições de trabalho). Assim, esta aproximação vem permitir uma maior contratualização das respectivas relações de trabalho.

Porém, o contrato de trabalho privado e o contrato de trabalho em funções públicas não deixam de estar eminentemente marcados por idiossincrasias distintas, na medida em que brotam de diferentes ramos do Direito: o primeiro do Direito privado e o segundo do Direito público. Nos dois casos, o objecto do vínculo envolve a prestação de um trabalho; o trabalhador encontra-se numa posição de subordinação perante o empregador; é o

9 Cfr. NEVES, Ana Fernanda, “O Direito da Função Pública”, in Tratado de Direito Administrativo Especial, Coimbra, Almedina, 2010, volume IV, página 448.

10 Cfr. MARTINS, Alda, “A Laboralização da Função Pública e do Direito Constitucional à Segurança no Emprego”, in Revista Julgar, Coimbra, Almedina, 2009, n.º 7, páginas 163 a 184.

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8. A contratualização em sede de emprego público versus autonomia contratual do Estado

empregador que, em cada momento, determina o conteúdo da prestação e vai direccionando a actividade do trabalhador à satisfação das suas necessidades11.

Na relação jurídica laboral privada sobressaem interesses particulares, ao passo que subjacente ao vínculo de emprego público e norteador do seu regime está a ideia de interesse público. Os especiais interesses que subjazem à relação jurídica de emprego público não podem deixar de ter reflexos no grau de autonomia do empregador público. Como se verá, não obstante este caminho de “privatização da relação jurídica de emprego público” – com o acentuar da disponibilidade das partes -, o empregador privado tem uma autonomia contratual menos limitada do que o empregador público.

Hoje, existindo uma maior contratualização da relação laboral pública, coloca-se a questão de saber quais os termos em que o empregador público pode acordar as condições de trabalho com o trabalhador. Para responder a esta questão, importa reflectir sobre a ideia de autonomia contratual, o que se fará de seguida.

1. A autonomia contratual

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