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A natureza multifacetada da contratação colectiva e da liberdade sindical

O ÂMBITO PESSOAL DE APLICAÇÃO DOS ACORDOS COLECTIVOS DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS: A SUPERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO

4. A natureza multifacetada da contratação colectiva e da liberdade sindical

Para confronto com as posições enunciadas a propósito da relevância constitucional da autonomia colectiva concretizada no direito à contratação colectiva, importa agora enunciar alguns aspectos que evidenciam a natureza multifacetada da contratação colectiva e da liberdade sindical.

Em primeiro lugar, sublinha-se que a CRP remete para o legislador ordinário a concretização do direito à contratação colectiva, a legitimidade das associações sindicais no âmbito do exercício desse direito da contratação colectiva e a eficácia das normas dos IRCT. Sobre este último ponto, destaca-se que, nos termos do artigo 56.º, n.º 4 da CRP, cabe à lei definir a eficácia das normas das convenções colectivas, incluindo a eficácia pessoal.

Por outro lado, não podemos desprezar a circunstância de a liberdade sindical conter não apenas uma vertente positiva, mas também uma vertente negativa que se concretiza no direito à não filiação sindical. Nesta medida, o trabalhador não sindicalizado ocupará um espaço de tensão entre o direito à contratação colectiva – não esquecendo que este direito visa precisamente acautelar a parte desprotegida na relação laboral – e o direito à liberdade sindical na sua vertente negativa55.

A resolução desta tensão poderá estar precisamente na construção de mecanismos de extensão da aplicação subjectiva dos ACT que ponderem adequadamente os direitos em confronto. Nesta linha de raciocínio refere António Nunes de Carvalho que “num ordenamento

54 MOURA, J. Barros – A convenção colectiva entre as fontes de direito…, p. 120-123.

55 No entanto, pode ainda questionar-se a amplitude da vertente negativa da liberdade sindical no sentido de se esta “consiste simplesmente na liberdade de não pertencer a um sindicato, e de não ser obrigado a pagar quotas sindicais, ou se o seu conteúdo não será muito mais amplo, abrangendo […] o direito de não ser prejudicado pelos resultados negociais, em sede de contratação colectiva, a que cheguem as associações sindicais a que não se pertence” (GOMES, Júlio – O Código do Trabalho de 2009…, p. 169-172).

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DIREITO DAS RELAÇÕES LABORAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas: a superação do princípio da filiação

juslaboral dominado pelo princípio da liberdade sindical – princípio do qual a liberdade de não filiação é uma das vertentes – não parece lícito afirmar-se que a inscrição do trabalhador numa associação sindical é condição sine qua non para a possibilidade de aceder a uma regulamentação colectiva das condições laborais”56.

Uma terceira ideia que importa destacar é aquela segundo a qual o direito colectivo do trabalho, embora construído com o objectivo de assegurar protecção social ao contraente débil, tem outras funções sociais. Neste sentido, Monteiro Fernandes, defende que a convenção colectiva “não pode […] ser vista como um instrumento utilizável somente em sentido incremental; tem esse papel ao lado de outros, como seja o de ajustar as regras de organização e utilização da força de trabalho mediante a articulação de flexibilidades – aquela de que precisa o empregador e aquela que é vital para o trabalhador”57. Nesta medida, na contratação colectiva “convergem o interesse dos trabalhadores (pela eliminação da concorrência entre eles, pelo acréscimo do seu poder negocial, pela diminuição de desigualdades de estatuto dentro da mesma profissão ou actividade) e o dos empregadores (pela tendencial uniformização de custos imputáveis ao factor trabalho, pela relativa estabilização destes, permitindo ou facilitando o planeamento, e ainda pela possibilidade de fazer valer as condições concretas de capacidade económica da empresa na determinação dos mesmos custos). Finalmente, constitui um factor de equilíbrio social, uma vez que se traduz na implantação de uma trégua ainda que transitória, quer nos conflitos declarados através de meios de luta laboral, quer nos que se mantenham latentes”58.

Em sintonia com esta perspectiva, Maria do Rosário Palma Ramalho defende que será inspirada na pluralidade funcional da convenção colectiva que assentará a admissibilidade constitucional dos regulamentos de extensão, já que se deve tomar em consideração, “o objectivo que prosseguem (a uniformização da disciplina dos vínculos laborais num determinado sector profissional ou área de actividade) e, sobretudo, a forma como prosseguem esse objectivo (ou seja, não através da criação ex nuovo de uma regulamentação, mas através da extensão do âmbito de incidência de um regime convencional colectivo já existente)”59.

Por fim, um quarto aspecto a evidenciar é o de que os mecanismos de extensão do âmbito subjectivo de aplicação dos ACT, quer os regulamentos de extensão quer o agora consagrado na LTFP, podem ser entendidos como um instrumento de promoção da igualdade de condições de trabalho entre os trabalhadores (filiados e não filiados) da mesma carreira ou do mesmo empregador. De facto, o princípio da igualdade tem consagração constitucional não apenas no

56 CARVALHO, António Nunes de – Regulamentação de Trabalho por Portarias de Extensão, p. 446-447. 57 FERNANDES, António Monteiro – A convenção colectiva segundo o Código do Trabalho, p. 93. 58 FERNANDES, António Monteiro – Direito do Trabalho…, p. 724.

59 RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Direito do Trabalho, p. 289. Maria do Rosário Palma Ramalho enfatiza que “apesar de constituírem uma auto-regulação de interesses, as convenções colectivas não se confundem com os contratos de trabalho e a autonomia colectiva que nelas se exerce não corresponde a uma forma simples de autonomia privada (ou à «soma» das autonomias negociais manifestadas nos contratos de trabalho), revestindo antes uma profunda singularidade. A singularidade da autonomia colectiva, revelada em aspectos tão diversos como a possibilidade […] de poder ser objecto de extensão administrativa” (idem, pp. 230-231).

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3.O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas: a superação do princípio da filiação

artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) mas, especificamente no que respeita a direitos dos trabalhadores, no seu artigo 59.º, n.º 1, alínea a)60.

A par da igualdade de condições de trabalho entre trabalhadores, e relacionada com o carácter multifuncional das convenções colectivas, sobressai a importância de uniformização de regras do seio da mesma organização. Tal como refere Bernardo Lobo Xavier, “a organização do trabalho tem necessariamente de se pautar por regras gerais e uniformes pelo menos quanto a certos domínios (organização dos tempos, concatenação das tarefas e funções através da categorias profissionais). Tratando-se de regras que necessitam de ser aplicáveis, sem excepção, a todos os membros da organização, o mecanismo da contratação colectiva só terá idoneidade se – ao menos na prática – encontrar execução maximamente abrangente […]”61. É neste sentido que o autor afirma que “a necessidade de padronização é colocada em cheque pelo princípio da […] filiação”62, defendendo que “é ostensiva a incapacidade de padronização […] das condições de trabalho, se a CCT só se aplicar aos filiados”63.

Bernardo Lobo Xavier realça ainda que a ruptura com o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador (a que já se fez referência) robustece o argumento da necessidade de padronização no seio da organização. É que, num sistema de relação entre fontes de regulação que permite que as normas do IRCT, comparativamente com as legais, possam dispor em sentido menos favorável ao trabalhador, “os sindicatos podem em contratação colectiva abdicar de disposições legais favoráveis, a troco de outras regalias ou para evitar males maiores […]. Simplesmente, como a convenção […] só «obriga» os filiados, os trabalhadores sem filiação sindical conservarão forçosamente as regalias legais, e verificar-se-á aparentemente uma dualidade inaceitável de estatutos”64.

5. A admissibilidade da extensão da eficácia subjectiva dos acordos colectivos de trabalho

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