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FONTES DE REGULAÇÃO DE EMPREGO PÚBLICO

5. Hierarquia de fontes

Abordadas as fontes que estruturam as relações laborais públicas nos pontos anteriores, importa verificar a forma como as mesmas se articulam entre si.

20 Conforme é questionado e tratado em André de Oliveira Correia, “Os não tão novos horários de trabalho dos trabalhadores das carreiras gerais: perdidos entre a lei e instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”, in Questões Laborais n.º 45, Ano XXI, Coimbra Editora, pág. 367 e ss.

21 Ana Fernanda Neves, “O Direito da Função Pública”, Tratado do Direito Administrativo Especial, Vol. IV, Almedina, 2010, pág. 393.

22 Pedro Madeira Brito, “O reconhecimento legal do direito à contratação coletiva dos trabalhadores da Administração Pública: da negação à consolidação”, Questões Laborais n.º 45, ano XXI, Coimbra Editora, pág. 330. 23 Vide artigo 13.º, n.º 3 a 7, da LGTFP.

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No que concerne à aplicação do Direito Internacional comum, conforme refere Maria do Rosário Palma Ramalho24, estas normas têm uma aplicação imediata na ordem jurídica portuguesa, sendo-lhes reconhecida uma prevalência face às normas infraconstitucionais.

Ao nível do direito europeu a força do mesmo perante a ordem jurídica interna é marcada pelo princípio do primado que reconhece ao mesmo um valor superior ao dos direitos dos Estados- Membros. Em face de princípio de origem jurisprudencial25, o julgador fica impedido de aplicar uma regra nacional contrária a uma disposição europeia considerando-se suspensa a força vinculativa da norma nacional. O primado do direito europeu funciona de forma absoluta sendo reconhecido a todos os atos europeus com força vinculativa, independentemente de constituírem direito primário ou secundário, sujeitando ao mesmo princípio todos os atos normativos e regulamentares, bem como as decisões jurisprudenciais.

No que às normas constitucionais respeita, as mesmas impõem-se às normas infraconstitucionais, sendo o seu desrespeito sancionado com a inconstitucionalidade (v.g. artigo 277.º da C.R.P.). A força das disposições constitucionais impõe-se à atividade jurisprudencial, vedando o artigo 204.º da CRP a aplicação de normas que disponham contra a Constituição e princípios ali consagrados.

Aqui chegados, face às fontes infraconstitucionais existentes importará sobretudo analisar a forma como se articulam a L.G.T.F.P., o C.T. e os I.R.C.T..

A aplicação da L.G.T.F.P. e do C.T. deve ser vista como uma só, isto é, como um bloco legal composto pelas duas normas que se articulam entre si. Conforme resulta assim do artigo 4.º da L.G.T.F.P., em primeiro lugar, aplicar-se-ão as normas constantes desta lei e em tudo o demais que esta não preveja, aplicar-se-á o C.T..

O artigo 4.º, a), da L.G.T.F.P. remete para o C.T. a disciplina da relação entre as leis I.R.C.T., bem como a relação entre aqueles e os contratos de trabalho, pelo que se terá de mobilizar para esta análise o artigo 3.º do C.T..

No que à primeira das mencionadas relações concerne, têm sido definidas pela doutrina26 diferentes categorias de normas, podendo referir-se as seguintes:

a) Normas absolutamente imperativas (as quais não são suscetíveis de ser afastadas por I.R.C.T., mesmo que em sentido mais favorável ao trabalhador),

b) Normas relativamente imperativas (um I.R.C.T. apenas poderá dispor em sentido diferente se mais favorável),

24 In Maria do Rosário Palma Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho, Parte I – Dogmática Geral”, 3.ª Edição, Almedina, 202, pág. 188.

25 Consagrado pelo TJUE no Ac. n.º 6/64 - Costa contra Enel de 15 de julho de 1964.

26 Nomeadamente por Milena Rouxinol, “O Regime da Relação entre Fontes Laborais no Código do Trabalho de 2009” – in O Código do Trabalho – A Revisão de 2009, Coimbra Editora, 2011, pág. 39 e ss.

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c) Normas convénio-dispositivas (as quais admitem afastamento por I.R.C.T. mesmo que em sentido mais desfavorável ao trabalhador).

Refira-se que o n.º 2 do artigo 9.º da Lei 35/2014 veio determinar a substituição automática das disposições de I.R.C.T. que se mostrassem contrárias a norma absolutamente imperativa da L.G.T.F.P., sendo que a base do regime da função pública poderá ser considera como sendo composto de normas imperativas. A proibição do I.R.C.T. contrair norma imperativa decorre também da al. a) do n.º 2 do artigo 355.º da L.G.T.F.P..

Tradicionalmente, e em especial até 2003, a relação entre lei e I.R.C.T. nas relações laborais era pontuada pelo princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, também designado de favor laboratoris, visando admitir o afastamento das normas legais por I.R.C.T. quando tal se verificasse em sentido mais favorável ao trabalhador. A entrada em vigor do CT de 2003, nomeadamente com o n.º 1 do artigo 4.º, veio inverter o paradigma existente até então, constituindo nas palavras de Leal Amado “num verdadeiro atestado de óbito do favor

laboratoris relativamente à contratação coletiva (…)”27. Com efeito, desde o CT de 2003, mantido pela redação da Lei 7/2009, de que o princípio passou a ser o das normas convénio- dispositivas agora consagrado no n.º 1 do artigo 3.º do CT.

Porém, o princípio do favor laboratoris não desapareceu por completo do ordenamento jurídico-laboral nacional, continuando o n.º 3 do artigo 3.º do CT a prever um conjunto de matérias em que, não se tratando normas relativamente imperativas, os I.R.C.T. poderão afastar o regime legal em sentido mais favorável28.

O Acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 338/2010, publicado em Diário da República, 1ª S. nº 216, de 8 de Novembro, pronunciou-se detidamente sobre a constitucionalidade do artigo 3.º do CT, em especial no seu n.º 1, na parte em que a norma em causa permite o afastamento da lei laboral por I.R.C.T.. Conforme o referido acórdão salientava, o artigo 3.º do Código do Trabalho de 2009 era o sucessor do artigo 4.º da versão de 2003 do mesmo código, o qual tinha posto em crise o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador. Contudo, referiu então o mencionado acórdão que n.º 3 do artigo 3.º veio conferir à norma uma redação mitigada prevendo ali ao longo de treze alíneas nas quais era garantido o princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador.

Os Juízes do TC discorreram ao longo do texto do acórdão sobre a consagração constitucional do princípio do tratamento mais favorável, que entenderam existir e resultar do conjunto de direitos constitucionais dos trabalhadores e da “ideia de democracia económica, social e cultural”, sendo nessa medida um princípio capaz de se impor ao legislador e garante da regra da imperatividade relativa da lei, em face das convenções coletivas de trabalho.

Contudo, no referido aresto foi afirmada a necessidade de ser garantida a conciliação dos direitos e garantias individuais dos trabalhadores constitucionalmente consagrados com

27 João Leal Amado, “Contrato de Trabalho”, Coimbra Editora, 4.ª Edição , 2014, pág. 54 e 55.

28 Veja-se o acórdão do Tribunal de Contas n.º 1/2016-26.JAN-1.S/PL, Recurso n.º RO n.º 12/2015, Processo n.º 2078/2015.

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outros direitos ou interesses constitucionalmente relevantes (nomeadamente a livre iniciativa económica privada enquanto liberdade de organização da empresa e da atividade empresarial), bem como daqueles direitos individuais com os direitos coletivos dos trabalhadores (onde se contrata a contratação coletiva) na medida em que ambos fazem parte do elenco constitucional. Alertou também o acórdão que: “(d)e facto, o artigo 3.º, n.º 1, estabelece uma presunção de supletividade da lei em relação aos instrumentos de regulamentação colectiva, mas não transforma todas as normas legais em normas supletivas. Pelo contrário, faz menção expressa à possibilidade de, por interpretação, se concluir que a norma legal tem um carácter imperativo, não podendo, portanto, ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva (veja-se Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, obra cit., p. 125).”

Contudo, o TC ressalva na sua análise que a redação do n.º 3 do artigo 3.º do CT consagra um conjunto de matérias nas quais a lei assegura um estatuto mínimo mesmo em face da contratação colectiva, para depois concluir que “(t)endo em conta os termos da parte final dos n.os 1 e 3 do artigo 3.º, o legislador cumpre claramente o mandato constitucional, consubstanciado no disposto no artigo 59.º, n.º 2, da CRP, de fixação de um núcleo irredutível em que é manifesta a preocupação da protecção dos interesses dos trabalhadores.” Mostra- se, assim, esta questão resolvida na jurisprudência constitucional.

Paralelamente, a L.G.T.F.P. mantém igualmente algumas normas que admitem disposição em sentido contrário mais favorável ao trabalhador, como é o caso do regime de faltas (v.g. artigo 250.º do CT), matéria de igualdade e não discriminação (v.g. artigo 26.º, n.º 2, do CT), e em especial o regime de sucessão de convenções que dispõe no n.º 2 do artigo 503.º do CT que: “a mera sucessão de convenções coletivas não pode ser invocada para diminuir o nível de proteção global dos trabalhadores.

Note-se ainda que, desde que não se esteja perante normas imperativas, admite o n.º 4 do artigo 3.º do CT que as normas legais reguladoras do contrato de trabalho sejam afastadas por contrato individual no qual se determinem condições mais favoráveis para o trabalhador.

Por último, o n.º 2 do artigo 13.º da L.G.T.F.P. admite em sede de fontes que os usos poderão ser atendíveis, sendo que para tanto não poderão contrariar quer as normas legais, quer os I.R.C.T., devendo concomitantemente ser conformes aos princípios de boa-fé e ocupando um lugar menor na hierarquia das fontes das relações jurídicas de emprego público.

6. Conclusão

Verifica-se assim que no âmbito do direito das relações laborais da função pública tem-se vindo a assistir a um conjunto grande de transformações marcadas por uma “privatização” do referido direito, sendo cada vez mais ténues as fronteiras entre aquele direito da função pública e o direito do trabalho. A aproximação destes dois direitos laborais, público e privado, tem influenciado igualmente o regime de fontes que caraterizava o direito da função pública em especial com a aplicação subsidiária do C T para o qual a L.G.T.F.P. remete. Vão-se assim

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esbatendo as diferenças historicamente existentes entre os dois ramos de direito, sendo progressivamente minoradas as especificidades decorrentes da finalidade de prossecução do interesse público que compete ao, outrora, servidor público, levantando-se pois a dúvida sobre se se caminha no futuro para um só direito das relações laborais.

Bibliografia

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5. A «Constituição Laboral» à luz das relações jurídicas de emprego público

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