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O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas Historicamente, as relações laborais foram marcadas por uma dicotomia entre emprego

O ÂMBITO PESSOAL DE APLICAÇÃO DOS ACORDOS COLECTIVOS DE TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS: A SUPERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO

1. O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas Historicamente, as relações laborais foram marcadas por uma dicotomia entre emprego

privado e emprego público, com tradução no plano da resolução da conflitualidade entre trabalhadores e empregadores. Embora sem se negar a existência de conflitualidade nas relações de emprego público, de que o exercício do direito à greve sempre foi a tradução mais evidente, um dos factores de diferenciação destas relações relativamente às de emprego privado era a circunstância de o sistema estatutário-legal típico do trabalho em funções públicas remeter para a lei a solução dos eventuais conflitos entre as duas partes da relação laboral1, enquanto as relações laborais privadas encontravam no exercício do direito à contratação colectiva um mecanismo de pacificação entre trabalhadores e empregadores.

A referida dicotomia veio, no entanto, a ser superada pela consagração do direito à contratação colectiva no âmbito das relações laborais públicas. Este direito foi aflorado pela

1 Neste sentido, cfr. SOUSA, Nuno J. Vasconcelos Albuquerque – A Reforma do Emprego Público em Portugal, maxime pp. 222 e 240.

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3.O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas: a superação do princípio da filiação

Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que previa e regulava o contrato individual de trabalho da Administração Pública e, em coerência, incluía preceitos sobre a possibilidade de negociação e celebração de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (IRCT)2. Com o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP)3 aprofunda-se a lógica de regulação da conflitualidade laboral no seio da Administração Pública mediante instrumentos de contratação colectiva aplicáveis aos trabalhadores com contrato individual de trabalho4. Esta previsão foi uma decorrência lógica da aprovação da Lei de Vínculos, Carreiras e Remunerações dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (LVCR)5 – que consagrou o contrato de trabalho quanto aos trabalhadores com funções públicas de natureza administrativa6 7 e incluía já os IRCT como fonte normativa da relação jurídica de emprego público8.

É pacífico entre a doutrina que a consagração constitucional de reserva de convenção colectiva – no sentido em que a lei deve garantir um espaço suficiente para a contratação colectiva das condições de prestação do trabalho – não deve distinguir entre relações de emprego privado e público. Neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira consideram que “o direito de contratação colectiva assiste a todos os trabalhadores. Não estabelecendo o preceito [artigo 56.º da CRP] qualquer discriminação, não pode aquele direito deixar de ser reconhecido a todos […], incluindo, portanto, também os trabalhadores da Administração pública sujeitos a contratos de trabalho”9. Também Ana Fernanda Neves defende ser inequívoco que o direito constitucional à contratação colectiva inclui os trabalhadores da administração pública, desde que com vínculo mediante contrato de trabalho10.

É com a referida dinâmica legislativa que o direito à regulamentação colectiva, que historicamente se situava num espaço de oposição de interesses entre trabalhador e empregador típico da relação laboral privada, invade as relações de emprego público11. E fica

2 Cfr. em particular os artigos 19.º a 21.º.

3 Aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro.

4 Estatuía o artigo 1.º do RCTFP: “O contrato de trabalho em funções públicas […] está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho […]”. Nos artigos 340.º e segs. regulava-se a aplicação do direito à contratação colectiva aos trabalhadores com contrato de trabalho.

5 Lei n.º 12-A/2008, 27 de Fevereiro. 6 Cfr. em particular o artigo 9.º, n.º 3.

7 Cfr. BRITO, Pedro Madeira de – O reconhecimento legal do direito à contratação colectiva dos trabalhadores da Administração Pública: da negação à consolidação, p. 328.

8 Cfr. artigo 81.º, n.º 2 da LVCR.

9 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, p. 746. No mesmo sentido, cfr. SOUSA, Nuno J. Vasconcelos Albuquerque – A Reforma do Emprego Público…, p. 217.

10 Cfr. NEVES, Ana Fernanda – O Direito da Função Pública, maxime p. 392 e 554. No mesmo sentido, cfr. MEDEIROS, Rui; FONTOURA, João Lamy da – Contratação colectiva e universidades públicas, p. 456.

11 Actualmente, com a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, a aplicação do direito à contratação colectiva às relações laborais no seio da Administração Pública assume uma relevância e dignidade reforçadas por via da inclusão da matéria da negociação colectiva nas bases do regime e âmbito da função pública. De facto, quer as normas constantes dos artigos 13.º e 14.º – relativas às fontes específicas do contrato de trabalho em funções públicas – quer as constantes dos artigos 347.º a 386.º – sobre a negociação colectiva e, em particular, sobre os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho – integram o elenco das “normas base definidoras do regime e âmbito do vínculo de emprego público” (cfr. artigo 3.º alíneas b) e l)). Ora, nos termos do artigo 165.º, alínea t) da CRP, a legislação sobre bases do regime e âmbito da função pública insere-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. Concretizando as matérias que devem considerar-se integrantes desta competência relativa, veio o legislador da LTFP, de modo inovador, elencá-las, nelas incluindo as referidas matérias. Assim sendo, os preceitos elencados no artigo 3.º da LTFP, neles se incluindo os relativos às fontes e à negociação

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claro que o dualismo se desloca para o seio destas últimas com a consagração de regimes diferenciados: de um lado o vínculo de nomeação, tendo a lei como fonte normativa exclusiva; de outro, o contrato de trabalho em funções públicas, cujas fontes normativas são, para além da lei, as disposições do contrato e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho12.

Este dualismo mantém-se na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP)13 que consagra o direito à contratação colectiva apenas para os trabalhadores em funções públicas com contrato de trabalho – cfr. artigos 13.º, n.º 1 e 347.º, n.º 3, alínea b) – ficando, portanto, excluídos os trabalhadores com vínculo de nomeação.

A admissibilidade deste dualismo no seio do emprego público é explicada por Gomes Canotilho e Vital Moreira em função da natureza distinta dos dois tipos de vínculo: “no caso do regime da função pública, é evidente que ele se caracteriza essencialmente pela sua «natureza estatutária» (definição legal unilateral da relação de emprego) e não contratual, sendo portanto irredutível e irreconduzível a esquemas convencionais de autoregulação bilateral colectiva. Por definição, não pode haver contratação colectiva em sentido próprio onde não há contrato de trabalho individual”14.

Esta dicotomia não significa, contudo, a negação do direito à negociação colectiva por parte dos trabalhadores nomeados, já que a negociação colectiva tem uma dupla dimensão:

(i) A celebração de acordos sobre as matérias que integram o estatuto dos trabalhadores em funções públicas, a incluir em actos legislativos ou regulamentos administrativos – negociação colectiva em sentido estrito; e

(ii) A celebração de instrumentos de regulamentação colectiva convencional – contratação colectiva (cfr. artigo 347.º, n.º 3, da LTFP). Apenas a última destas dimensões é exclusivamente aplicável a trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas15.

colectiva, têm a natureza de lei de valor reforçado, como decorre da leitura conjugada dos n.ºs 2 e 3 do artigo 112.º da CRP (Cfr. PIRES, Miguel Lucas – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas Anotada e Comentada, p. 56-57). 12 Sobre a fractura assim introduzida no sistema de emprego público, cfr. SOUSA, Nuno J. Vasconcelos Albuquerque – A Reforma do Emprego Público…, p. 238-241. Na opinião deste autor “esta situação é discriminatória para os nomeados que não podem negociar as fontes normativas da nomeação” ao ponto de considerar que esta “falta de gozo de alguns direitos dos trabalhadores pelos nomeados exige certamente algumas compensações económicas, ou dos sistemas de saúde, etc. para estes profissionais nomeados, sob pena do regime da nomeação apenas trazer desvantagens para estes profissionais”. Considera, assim, que o “princípio da igualdade permite que se trate situações desiguais de modo juridicamente desigual.” (idem, p. 241).

13 Aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho.

14 CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada…, p. 746-747. Os mesmos autores acrescentam, no entanto, que “já não será incompatível com o regime da função pública um esquema de negociação colectiva, como mecanismos de participação na actividade administrativa, que habilite a Administração a tomar as decisões pertinentes” (idem, p. 747). No mesmo sentido Paulo Veiga Moura e Cátia Arrimar, explicitam que a razão de ser do reconhecimento do direito à contratação colectiva exclusivamente aos trabalhadores com vínculo de contrato de trabalho prende-se com o facto de o vínculo de nomeação determinar a “adesão a um regime jurídico unilateral e previamente determinado, sem possibilidade de ser disciplinada por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho” (MOURA, Paulo Veiga, ARRIMAR, Cátia, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, p. 110).

15 Sobre a compatibilidade da negociação colectiva em sentido estrito com as relações laborais públicas com vínculo de nomeação, cfr. a posição de Gomes Canotilho e Vital Moreira citada na nota anterior.

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3.O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas: a superação do princípio da filiação

O instrumento típico de contratação colectiva é o acordo colectivo de trabalho (ACT)16. Este instrumento tem, à partida, eficácia subjectiva limitada aos trabalhadores e empregadores representados pelas partes outorgantes. É o que decorre do artigo 370.º, n.º 2 da LTFP, segundo o qual, do lado dos trabalhadores, os ACT são aplicáveis aos filiados nas associações sindicais outorgantes17. Deste preceito, sem mais, resultaria, quanto ao âmbito de eficácia pessoal do ACT, a aplicação do princípio da filiação.

Quando, como acontece no actual Código do Trabalho (CT)18, se consagra o princípio da filiação em matéria de âmbito de aplicação de IRCT, estabelece-se que a filiação no sindicato subscritor do ACT é condição da aplicação subjectiva do seu conteúdo19. No entanto, a legislação laboral tende a consagrar excepções ao princípio da filiação. A principal dessas excepções é a típica extensão do âmbito de aplicação subjectiva dos ACT mediante regulamentos administrativos – os regulamentos de extensão. O actual CT denomina tais mecanismos de portarias de extensão20 e prevê a possibilidade da sua emissão “mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere”2122.

No entanto, no âmbito da LTFP, a consagração do princípio da filiação por via do artigo 370.º, n.º 2, é meramente aparente, já que o n.º 3 do mesmo artigo vem estender a aplicação do ACT “aos restantes trabalhadores integrados em carreira ou em funções no empregador público a que é aplicável o acordo coletivo de trabalho”. Ou seja, a LTFP consagra um mecanismo legal de extensão das condições de trabalho convencionadas em ACT a trabalhadores não sindicalizados bem como a trabalhadores filiados em associações sindicais não outorgantes, desde que sejam trabalhadores integrados em carreira ou em funções no empregador público – consoante se trate de acordo colectivo de carreira ou acordo colectivo de empregador público – a que seja aplicável o ACT.

A LTFP vem, então, consagrar um mecanismo inovador de extensão da eficácia do ACT que rompe com o princípio da filiação, na medida em que, na prática, faz desaparecer a necessidade de filiação no sindicato subscritor como condição de eficácia subjectiva do

16 Em matéria de contratação colectiva, a LTFP prevê no artigo 13.º como IRCT convencionais: (i) o acordo colectivo de trabalho, nas modalidades de acordo colectivo de carreira, geral ou especial – aplicável no âmbito de uma carreira ou conjunto de carreiras, independentemente dos órgãos ou serviços onde os trabalhadores exerçam funções – e o acordo colectivo de empregador público – aplicável no âmbito de um órgão ou serviço onde o trabalhador exerça funções (n.ºs 3 e 5 a 7); (ii) o acordo de adesão (n.º 3) e (iii) a decisão de arbitragem voluntária (n.º 3); e como IRCT não convencionais a decisão de arbitragem necessária (n.º 4).

17 É este o teor do preceito: “O acordo coletivo de trabalho aplica-se aos trabalhadores filiados em associação outorgante ou membros da associação sindical filiada na união, federação ou confederação sindical outorgante”. 18 Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

19 É o que decorre dos preceitos contidos no artigo 496.º do CT, precisamente sob a epígrafe “Princípio da filiação”. 20 Cfr. artigos 514.º e segs.

21 Artigo 514.º, n.º 2, do CT.

22 No actual CT estão consagradas outras excepções ao princípio da filiação: (i) a faculdade do trabalhador não sindicalizado optar pela aplicação de uma convenção colectiva celebrada no âmbito da empresa e mesmo a possibilidade de optar pela aplicação de uma delas quando exista mais do que uma no seio da empresa (cfr. artigo 497.º, n.º 1, do CT); (ii) a possibilidade de o IRCT que institua os regimes de adaptabilidade do período de trabalho ou de banco de horas prever que o empregador possa aplicar esse(s) regime(s) ao conjunto dos trabalhadores de uma equipa, secção ou unidade económica caso, pelo menos, 60 % dos trabalhadores dessa estrutura sejam abrangidos por esse IRCT (cfr. artigos 206.º, n.º 1 e 208.º-B, n.º 1, do CT).

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3.O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas: a superação do princípio da filiação

conteúdo do ACT. A verdadeira inovação consiste não na consagração de um mecanismo de excepção ao princípio da filiação – pois, como se viu, a legislação laboral tende a incluir diversas excepções a esse princípio, em especial através da possibilidade de emissão de regulamentos de extensão –, mas sim no facto de essa extensão operar por via legal – portanto, sem mediação de qualquer ponderação administrativa – e mediante aceitação tácita dos interessados. A inovação é significativa, já que a típica extensão por via regulamentar consubstancia o exercício de um poder discricionário por parte da administração, enquanto o mecanismo previsto no artigo 370.º, n.º 3, da LTFP faz estender a eficácia do ACT independentemente de qualquer vontade administrativa; embora, como veremos, tal extensão fique na dependência da vontade do trabalhador não filiado ou do sindicato não outorgante.

A extensão da eficácia do ACT, embora opere por mera previsão legal, ocorre por via da aceitação tácita por parte do trabalhador ou do sindicato não outorgante. De facto, a extensão da eficácia só não opera no caso de oposição expressa a exercer no prazo de 15 dias a contar da data de entrada em vigor do acordo colectivo (cfr. artigo 370.º, n.º 4 da LTFP). No caso de trabalhadores não sindicalizados, o direito de oposição cabe ao próprio trabalhador; no caso de trabalhadores filiados, mas em sindicato não outorgante do acordo, o direito de oposição cabe à associação sindical interessada e com legitimidade para celebrar um ACT relativamente aos seus filiados (cf. artigo 370.º, n.º 3, parte final)23. Com o decurso do prazo de oposição sem que este direito seja exercido, dá-se a aceitação tácita da extensão de eficácia subjectiva aos trabalhadores não sindicalizados e aos trabalhadores filiados em sindicato não outorgante do ACT2425.

Portanto, a LTFP atribui ao trabalhador não sindicalizado a decisão de se sujeitar ou não às disposições do ACT. No entanto, o trabalhador não sindicalizado apenas é chamado a exercer uma opção expressa se lhe for aplicável mais do que um acordo no âmbito do empregador público, caso em que deve indicar por escrito ao empregador o acordo colectivo que pretende ver-lhe aplicado (artigo 370.º, n.º 5). Na falta dessa indicação expressa ser-lhe-á aplicável o ACT que abranja o maior número de trabalhadores no âmbito do empregador público (artigo 370.º, n.º 6)26.

23 Cfr., a título de exemplo, a oposição do STAL à aplicação do Acordo Colectivo de Trabalho n.º 1/2009 – Acordo Colectivo de Carreiras Gerais – publicado em DR 2.ª série, parte J3, n.º 188, de 28 de Setembro de 2009, aos trabalhadores seus associados (publicado pelo Aviso n.º 13346/2014, DR Série II, J3, n.º 232, de 1 de Dezembro de 2014).

24 Cfr. BRITO, Pedro Madeira de – A superação do princípio da filiação na contratação coletiva especial do setor público, p. 226.

25 Embora o mecanismo de extensão seja consagrado na perspectiva do trabalhador, a verdade é que constitui igualmente um mecanismo que estende a aplicação aos empregadores não outorgantes; e tal extensão opera independentemente da vontade do empregador, já que este não pode exercer qualquer direito de oposição. Em todo o caso, como refere Pedro Madeira de Brito, na administração pública o princípio da filiação não se aplica do lado do empregador, pois “o âmbito de aplicação subjetivo não é recortado do lado do empregador nos mesmos termos do Código do Trabalho. Com efeito, não existe do lado do empregador a aplicação do princípio da filiação: o empregador é abrangido pelo acordo coletivo porque o outorga (acordo coletivo de entidade empregadora pública) ou porque está no âmbito de aplicação do mesmo, como é o caso do acordo coletivo de carreira (artigos 13.º, n.º 6, 364.º e 370.º)” (BRITO, Pedro Madeira de - A superação do princípio da filiação…, p. 224).

26 A propósito de solução idêntica consagrada no art. 497.º, n.º 1, do CT, sublinha Júlio Gomes que “enquanto os trabalhadores filiados numa associação sindical ficam vinculados pela convenção colectiva que essa associação sindical outorgue, e isto mesmo que tendo estado inscritos no início do processo negocial se desfiliem entretanto […], os trabalhadores não filiados podem optar pela convenção colectiva que mais lhes agrada, caso sejam

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3.O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas: a superação do princípio da filiação

A consequência imediata da ruptura com o princípio da filiação é a desnecessidade de aprovação de regulamentos de extensão (anteriormente previstos no artigo 2.º, n.º 4 do RCTFP como IRCT não negocial), pelo que, em coerência com esta solução, o legislador não só retirou do elenco dos IRCT os regulamentos de extensão (cf. artigo 13.º da LTFP), como previu, em matéria de âmbito de aplicação subjectivo, a aplicação do disposto na LTFP aos ACT vigentes à data da entrada em vigor da LTFP (cfr. artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 35/2014) e ainda a revogação dos regulamentos de extensão emitidos ao abrigo da legislação revogada (cfr. n.º 3 do mesmo artigo)27.

Importa ainda ter em consideração a vigência temporal da extensão do âmbito subjectivo, sendo necessário distinguir consoante estejam em causa trabalhadores não sindicalizados ou trabalhadores filiados em sindicatos não outorgantes. Quanto ao trabalhador não sindicalizado, a sujeição a um ACT, por via da extensão prevista no artigo 370.º28, é irrevogável até ao final do prazo constante do ACT ou, sendo o acordo objecto de alteração, até à entrada em vigor desta ou, no caso de o ACT não ter prazo de vigência, até ao prazo mínimo de um ano (cfr. n.º 4, conjugado com os n.ºs 2 e 3, do art. 371.º da LTFP).

A LTFP não contém previsão semelhante quanto aos trabalhadores filiados em sindicatos não outorgantes, pelo que serão aplicáveis, devidamente adaptadas, as regras de determinação temporal da filiação (cfr. artigo 371.º da LTFP). Assim, os ACT serão eficazes relativamente aos trabalhadores filiados nas associações não signatárias (mas que não exerceram o direito de oposição), quer no momento do início do processo negocial quer no decurso da vigência dos ACT, desde o momento da extensão até, mesmo em caso de desfiliação dos trabalhadores, ao final do prazo constante do ACT ou, sendo o acordo objecto de alteração, até à entrada em vigor desta ou, no caso de o ACT não ter prazo de vigência, até ao prazo mínimo de um ano (cfr. n.ºs 1 a 3 do artigo 371.º da LTFP).

Mas, a diferença significativa é que, no caso dos trabalhadores filiados em sindicato não outorgante, este pode fazer cessar a aplicação do ACT, objecto de extensão, mediante a aprovação de um ACT próprio. De facto, como refere Pedro Madeira de Brito, “o sindicato, desde que tenha legitimidade, pode sempre vir a iniciar negociações e a celebrar acordo coletivo com o empregador público ao abrigo da sua autonomia coletiva. Deste modo, está em aberto a possibilidade do sindicato iniciar um processo de negociação coletiva com vista a estabelecer as condições de trabalho através de acordo coletivo próprio” 29.

aplicáveis várias no âmbito de uma empresa” (GOMES, Júlio Manuel Vieira – O Código do Trabalho de 2009 e a Promoção da Desfiliação Sindical, p. 178-179).

27 Para tanto previu-se um prazo mais alargado – 60 dias – do que o previsto na LTFP para exercício do direito de oposição por parte do trabalhador não sindicalizado ou da associação sindical não subscritora relativamente aos seus filiados, bem como para o exercício do direito de opção por parte do trabalhador não sindicalizado, no caso de ser aplicável mais do que um acordo colectivo no âmbito do empregador público (cfr. n.º 2 do mesmo artigo). 28 A letra do n.º 4 do artigo 371.º refere “A opção do trabalhador não sindicalizado pela sujeição a um acordo coletivo” quando na realidade o trabalhador só exerce uma opção no caso de ser aplicável mais do que um acordo colectivo no âmbito do empregador público (cfr. artigo 370.º, n.º 5, da LTFP), pois sendo aplicável um único ACT a extensão dá-se por aceitação tácita, como se referiu.

29 BRITO, Pedro Madeira de – A superação do princípio da filiação…, p. 226.

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3.O âmbito pessoal de aplicação dos acordos colectivos de trabalho em funções públicas: a superação do princípio da filiação

Ou seja, no caso dos trabalhadores filiados em sindicato não outorgante, a posterior

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