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A busca por um cumprimento individual de sentença coletiva efetivo

CAPÍTULO 5 – A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO NO PROCESSO

5.4. A busca por um cumprimento individual de sentença coletiva efetivo

Resumidamente, afirma-se que o século XIX foi o século do predomínio do Poder Legislativo; o XX foi da predominância do Executivo e o XXI é o século da

358 ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada. Revista de Processo, Volume 65. São Paulo:

supremacia do Judiciário.359 É notório o protagonismo do Judiciário na sociedade brasileira dada a formatação da Constituição Federal que, por ser analítica, acaba determinando a atuação do Judiciário nos mais variados campos da vida das pessoas. No ponto, a observação de Luís Roberto Barroso:

A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria.

Entretanto, esse excesso de protagonismo acaba, não raramente, sendo prejudicial ao sistema jurídico, especialmente na concretização dos direitos, pois, possuindo recursos limitados, o Estado-Juiz deixa de ser a solução e tornar-se parte do

problema. 360

Nesse contexto, parece razoável aos atores jurídicos a procura de

mecanismos361 para, sem violar o texto constitucional, principalmente o princípio da

inafastabilidade da jurisdição, “desafogar” o Judiciário ou, como no caso da execução,

eliminar os seus “gargalos”, conforme expressão do Conselho Nacional de Justiça. 362

O Poder Judiciário tem como função a resolução de conflitos de interesses em casos concretos e, no âmbito do processo constitucional “assegurar a solução de conflitos jurídicos de ordem constitucional do Estado bem como o locus privilegiado para

359 FACCHINI Neto, Eugênio. O protagonismo do Judiciário no mundo contemporâneo e algumas de suas

razões. Revista Novos Estudos Jurídicos – Eletrônica, Vol. 23, nº 1, 2018, 126. Disponível em:

<https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/12788/pdf >. Acesso em: 01.12.2018.

360 GUEDES, Néviton. O protagonismo do Judiciário como causa de perda de legitimidade. Disponível

em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-04/protagonismo-judiciario-causa-perda-legitimidade>. Acesso em: 15.06.2018.

361O Código de Processo Civil incentiva essa busca: Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional

ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

362 Justiça em Números 2018: ano-base 2017/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2018, p. 121.

Disponível em:

<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf>. Consultado em 15.02.2019.

a proteção e implementação dos direitos fundamentais” (controle abstrato de

constitucionalidade).363 Atua para fazer a aplicação imparcial do direito. Fora desse

âmbito, a atuação do Judiciário é indevida, seja por não encontrar amparo no texto constitucional, seja por ser a sua atuação desnecessária, o que também viola outro princípio constitucional, o da eficiência.

No Brasil, os atos executivos tem natureza jurisdicional, ou seja, é monopólio do Estado-Juiz a satisfação material do direito subjetivo definido na sentença ou em título executivo extrajudicial. Entretanto, a prestação jurisdicional dessa atividade

executiva não vem sendo prestada com rapidez, segurança e efetividade. 364

Uma das causas dessa morosidade reside na confusão entre atos que são efetivamente jurisdicionais e, portanto, monopólio estatal, e atos que possuem apenas aparência jurisdicional, porquanto, na essência, eles são meros atos administrativos.

Conforme informa Flávia Pereira Ribeiro, houve, no passado, intenso debate acerca da natureza da citação na execução: decisão interlocutória ou despacho de

mero expediente. 365 A questão foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, como

exemplo, cite-se o Recurso Especial nº 1.006.340-PE, Relator Ministro Fernando Gonçalves: “O despacho determinando a citação, no processo de execução, é de mero expediente, sem carga decisória.” Ou seja, a citação na execução assim como intimação para pagar prevista no artigo 523 do Código de Processo Civil são, na essência, atos administrativos e não jurisdicionais, uma vez que não solucionam conflitos e apenas impulsionam o processo.

Nesse sentido, a eliminação desse ato, em especial em se tratando de processo coletivo, não representa violação ao monopólio estatal da jurisdição ou ao devido processo legal. Vale dizer: é perfeitamente constitucional a construção de uma

363 ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011, p. 96.

364 RIBEIRO, Flávia Pereira. Desjudicialização da execução civil. Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2012, p. 146.

365 RIBEIRO, Flávia Pereira. Desjudicialização da execução civil. Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia

decisão judicial na qual a obrigação e o modo de cumpri-la estejam adequadamente delimitados na sentença.

Outra possível causa desse “gargalo” reside no modo benevolente como o Judiciário trata o devedor no cumprimento de sentença. O devedor, nos termos do artigo 523 do Código de Processo Civil, não é intimado para oferecer defesa ou coisa que o valha. A sua intimação ocorre com o único objetivo de, não sendo pago o débito,

confirmar o inadimplemento.366

O inadimplemento, a rigor, não deveria depender de confirmação, porquanto o devedor tem pleno conhecimento da obrigação definida na sentença. Logo, bastaria ao credor dirigir-se ao Estado-Juiz e informar que o débito não foi quitado e, por consequência, requereria desde logo a expedição do mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação. Todavia, não é isso que ocorre, uma vez que a intimação é necessária, consoante a literalidade da lei processual.

Para o processo civil individual, não parece ser possível fugir dessa lógica, haja vista o iter expressamente definido na lei. Para o processo coletivo, contudo, não há norma expressa nesse sentido. Logo, constitucionalmente adequado ao Estado-Juiz, no momento da prolação da sentença coletiva, regular a forma e o modo de cumprimento da obrigação, dispensando-se essa intimação; pode, inclusive, nomear um terceiro, não necessariamente membro do Judiciário, para fiscalizar o cumprimento da obrigação definida na sentença, tudo às expensas do devedor.

Imagine-se uma ação civil pública na qual o autor ideológico alegue que determinado produto foi vendido com um preço de R$ 1,00 acima do correto. O judiciário acolhe essa pretensão. Por certo, essa sentença coletiva, haja vista os valores envolvidos, não produzirá cumprimento individual algum. Todavia, nada impede, mas antes se recomenda, que a própria sentença regule o ponto. Por exemplo, pode-se definir que basta ao consumidor dirigir-se ao fornecedor com a nota fiscal de compra para receber o valor de R$ 1,00 pago a maior no dia da compra, sob pena de pagar uma multa diária de R$

366 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 29ª edição revista

1.000,00 ou outra medida coercitiva apta a estimular o cumprimento da decisão judicial, tudo nos termos do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil.

Essa dinâmica, a de determinar que o devedor cumpra extrajudicialmente a obrigação definida na sentença, é factível para todas as espécies de obrigações: dar, coisa certa ou coisa incerta; fazer e não fazer, tudo independentemente do valor econômico envolvido. Basta, observado o contraditório, a regulação efetiva desse ponto na decisão judicial que julgar procedente a pretensão.

Na prática, em decisões dessa espécie, haverá apenas adequação da tutela jurisdicional pleiteada ao caso concreto. Não ocorrerá inovação legal ou violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, porquanto presumível que para se chegar a esse resultado, houve pleno debate (melhor: efetivo contraditório) durante a fase de conhecimento.

A respeito da possibilidade do desenvolvimento de mecanismos para prestação de uma tutela efetiva e adequada, expõe Donaldo Armelin:

Realmente, presentes diferenciados objetivos a serem alcançados por uma prestação jurisdicional efetiva, não há porque se manter um tipo unitário desta ou dos instrumentos indispensáveis a sua corporificação. A vinculação do tipo de prestação à sua finalidade específica espelha a atendibilidade desta; a adequação do instrumento

ao seu escopo potencia o seu tônus de efetividade.367

Ressalte-se que as partes no processo judicial não são seres inertes, inanimados, mas o inverso, pois devem atuar para o adequado desfecho do processo, isto é, construção da melhor forma de a decisão judicial se tornar efetiva:

[...] as partes não são figurantes passivos da relação processual, mas agentes ativos com poderes e deveres para uma verdadeira e constante cooperação na busca e definição do provimento que, afinal, pela voz do juiz, virá pôr fim ao conflito jurídico. Aliás, ninguém mais do que as partes têm, na maioria das vezes, condições de eleger, ou pelo menos

367 ARMELIN, Donaldo. Tutela jurisdicional diferenciada. Revista de Processo, Volume 65. São Paulo:

tentar eleger, o melhor caminho para pacificar e harmonizar as posições antagônicas geradoras do litígio, endereçando- as para medidas consentâneas com a efetividade esperada

da prestação jurisdicional.368

A construção desse modelo torna o processo coletivo mais efetivo porque concentra todo o conflito na fase de conhecimento, evitando-se ao máximo a judicialização do cumprimento individual de sentença coletiva. Não que não possa haver conflito na fase de satisfação, mas certamente não será um conflito relacionado ao termo inicial ou ao modo de se cumprir a decisão judicial, dada a definição e o amplo debate na fase de conhecimento.