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Sentença líquida e desnecessidade da ação de cumprimento individual

CAPÍTULO 5 – A DESJUDICIALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO NO PROCESSO

5.7. Sentença líquida e desnecessidade da ação de cumprimento individual

O artigo 2º do Código de Processo Civil consagra o princípio da inércia da jurisdição, segundo o qual é vedado ao Estado-Juiz iniciar de ofício a atividade judicial, salvo as exceções previstas em lei. Portanto, para prestação jurisdicional, exige-se provocação da parte interessada.

401 MARCELA, Marco. Mutirão para poupadores do plano Bresser e Verão e Collor II volta nesta segunda.

Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2019/01/mutirao-para-poupadores-do-plano- bresser-e-verao-e-collor-ii-volta-nesta-segunda.shtml>. Consultado em 21.01.2019.

Essa provocação, ou seja, o ato “pelo qual o autor requer ao Estado

determinada providência jurisdicional” 402 é denominada de demanda, cuja materialização

dá-se pela petição inicial, documento escrito na qual a parte autora descreve a pretensão, demonstrando que a intervenção estatal é necessária, em razão de resistência do réu.

Os requisitos da petição inicial estão descritos no artigo 319 do Código de Processo Civil. De todos, destaque-se aqueles previstos nos incisos III e IV: o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; e o pedido com as suas especificações.

Esses requisitos são importantes não apenas pela possibilidade de

ocasionar o indeferimento da petição inicial, conforme o artigo 330, § 1o, do Código de

Processo Civil, mas porque uma descrição apropriada possibilita que o órgão julgador e o réu compreendam adequadamente o que se pede e o porquê se pede. Permite, especialmente, a prolação de uma sentença efetiva, dado que os termos da demanda

configuram um “projeto de sentença”.403

Os fatos ou complexo de fatos descritos na petição inicial e que fundamentam o pedido são denominados na doutrina de causa petendi. Esta pode ser remota, ou seja, representa a descrição exata do que ocorreu no plano fático; e próxima, isto é, a narração dos fundamentos jurídicos do pedido.

Nessa descrição, não se exige do autor referência ao texto legal, porquanto ainda que haja invocação errônea deste, ao Estado-Juiz é permitido apreciar a pretensão

na conformidade do regramento legal adequado.404 O importante para a compreensão da

disputa levada a julgamento é a descrição dos fatos principais ou essenciais, compreendido como sendo aqueles que, uma vez concebidos, têm “a potencialidade de

atrair a consequência jurídica pretendida pelo autor”.405 Outros fatos que não possuem

402 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do

procedimento. 29ª edição, revista e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 5.

403 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Volume I. 24ª edição. São Paulo: Atlas,

2013, p. 357.

404 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Teoria geral do direito processual

civil, processo de conhecimento e procedimento comum. Volume I. 57ª edição revista, atualizada e

ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 769.

405 AMBRIZZI, Tiago Ravazzi. Fatos principais, fatos simples e fatos supervenientes. Revista de Processo.

esse poder, pois deles não decorre nenhuma consequência jurídica – por isso

denominados fatos simples –, não precisam ser narrados na petição inicial.406

Assim, por exemplo, em uma demanda na qual se discute a responsabilidade de uma instituição financeira pela subtração de valores de uma conta corrente, o agente propulsor da responsabilidade e, portanto, o fato principal, é a falha na prestação de serviços. Sendo essa falha decorrente da ação e/ou omissão de um empregado direto ou de um terceiro prestador de serviço da instituição financeira, tem-se que essa circunstância não gera efeito algum para a solução da demanda, haja vista a responsabilidade objetiva incidente na espécie. Trata-se, pois, de um fato simples.

O pedido, por sua vez, pode ser especificado em imediato e mediato. O pedido imediato corresponde à providência jurisdicional requerida, que poderá consistir, por exemplo, em uma condenação ou declaração; o pedido mediato é o bem da vida requerido, por exemplo, o pagamento de determinada quantia ou que certo contrato é falso.407

Além disso, o pedido deve ser certo e determinado, consoante previsto nos artigos 322 e 324 do Código de Processo Civil. Verdade que ele também pode ser genérico nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados; quando não for possível determinar, desde logo, as consequências do ato ou do fato; e quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva

ser praticado pelo réu (artigo 324, § 1o, do Código de Processo Civil).

Há que se ter em mente, porém, que o pedido genérico é uma exceção e o autor somente dele deve valer-se nas hipóteses legais, pois, invariavelmente, um pedido genérico conduz a prolação de uma sentença genérica e, por consequência, ocasionará uma nova movimentação da máquina judiciária, haja vista a necessidade de liquidação.

406 AMBRIZZI, Tiago Ravazzi. Fatos principais, fatos simples e fatos supervenientes. Revista de Processo.

Volume 238. Edição eletrônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

407 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do

É certo, porém, que o Código de Processo Civil vigente (artigo 491) determina a prolação de sentença líquida, ainda que o pedido seja genérico. Trata-se de verdadeiro direito subjetivo do jurisdicionado. Todavia, a experiência demonstra que se o autor não perseguir e exigir a liquidez, o juiz raramente terá condições de fazê-lo, seja

em razão da falta de conhecimento específico, seja em razão da falta de estrutura.408

A adequada descrição da causa de pedir e do pedido com as suas especificações também é importante em razão do princípio da congruência, expressamente previsto nos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil. A respeito do princípio da congruência, expõem Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini:

Os arts. 141 e 492 do Código de Processo Civil de 2015 expressam o pedido da congruência ou da correspondência entre o pedido formulado pelo autor e a sentença proferida pelo juiz. Ou seja, em razão da adoção, entre nós, do princípio dispositivo, é vedado à jurisdição atuar sobre aquilo que não foi objeto de pedido de tutela jurisdicional do legitimado ativo. Por isso, é o pedido (tanto o imediato quanto o mediato) que limita a extensão da declaração jurisdicional que deverá, portanto, a ele ser jungida.

[...].

É evidente que a limitação da sentença também diz respeito indiretamente à causa de pedir, pois, ao analisar o pedido, necessariamente deverá o julgador ter em vista os fatos e fundamentos que dão sustentáculo. Se a causa de pedir não integra o pedido, certamente o identifica. Assim, também é vedado ao juiz proferir sentença fundada em outra causa de

pedir que não a constante da petição inicial.409

408 Como exemplo do afirmado, confira-se o Processo n o 1096650-35.2013.8.26.0100, que tramitou na 22ª

Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (SP). Nesse processo, o juiz, inicialmente, prolatou uma sentença líquida, mas em desconformidade com os termos deduzidos nos autos. A sentença foi anulada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O mesmo juiz, então, prolatou uma nova sentença, repetindo os termos da anulada, mas agora ilíquida e determinou a sua liquidação por arbitramento. Ou seja, seis anos de processo e o Estado-Juiz não foi capaz de prolatar uma sentença com valor certo. Em tempo, tratava-se de ação na qual se discutia a alienação indevida de ações. Logo, para o cálculo do valor devido, suficiente saber a quantidade de ações alienadas em desconformidade com a legislação aplicável, os proventos gerados por essas ações, o índice de correção e o termo inicial dos juros de mora. Para determinação do valor, não havia qualquer complexidade. Porém, nem mesmo o autor, mesmo com todas as ferramentas atualmente disponíveis, deu-se ao trabalho de quantificar o valor reclamado. Sendo a sentença confirmada pelo Tribunal, no mínimo, haverá mais uns dois ou três anos de atividade judicial, haja vista a necessidade de liquidação por arbitramento. A ineficiência salta aos olhos.

409 WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição

jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). Volume 2. 16ª edição reformulada e

Em relação a esses comentários, acrescenta José Carlos Barbosa Moreira que o fundamento último do princípio da correlação é a garantia do contraditório:

O exercício amplo do direito de defesa implica necessariamente para o réu um mínimo de previsibilidade. É preciso que ele saiba, ao ser convocado a juízo, ou possa verificar com os dados de que dispõe, quais as suas chances, tanto para o melhor, quanto para o pior. É preciso que ele possa avaliar desde logo qual a pior coisa que lhe pode acontecer na hipótese de derrota.

[...].

É pela razão exposta que se quer que o pedido seja certo e determinado, e é por isso que se quer também que a

sentença se atenha a esse pedido certo e determinado.410

Essa doutrina referente aos contornos do pedido e da causa de pedir, extraída do processo individual, não encontra divergências substanciais relativamente ao

processo coletivo, salvo as próprias peculiaridades inerentes ao processo coletivo.411

Por certo, o processo coletivo possui complexidades distintas daquelas enfrentadas no processo individual. Essas complexidades, contudo, não eximem o autor ideológico de, ao provocar o Estado-Juiz, descrever adequadamente a causa de pedir e realizar pedido certo e determinado.

Por óbvio, não se está a exigir de o autor ideológico adentrar em minudências semelhantes àquelas deduzidas por autores em ações individuais. Entretanto, dele se exige uma descrição fática tendente a compreender a pretensão coletiva e isso é importante ao menos por duas razões: a) não tendo o autor coletivo condições de descrever corretamente os fatos constitutivos, isso significa que ele desconhece a discussão posta em juízo e, portanto, não é um representante adequado; e b) em se tratando de direitos individuais homogêneos, não sendo possível a identificação precisa dos fatos comuns, isso quer dizer que não se trata de ação coletiva, pois os fatos são heterogêneos.

410 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Correlação entre o pedido e a sentença. Revista de Processo. Volume

83. Edição eletrônica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

411 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

A doutrina de Ricardo de Barros Leonel parece não divergir do quanto aqui afirmado. Confira-se:

Deste modo, no processo coletivo não há uma especificação tão intensa dos fatos, a ponto de se identificar com uma situação individual ou específica. Mesmo nas ações em defesa de interesses individuais homogêneos: basta a descrição e o nexo entre ambos, sendo impossível a especificação da narrativa com relação a cada um dos possíveis lesados. A descrição fática deve ser formulada no limite da suficiência para a demonstração da situação material mais ampla, decorrente da própria essência dos

interesses metaindividuais.412

Observe-se que, embora não seja exequível especificar o dano dos possíveis lesados, é perfeitamente admissível estabelecer critérios na sentença para que esse dano seja liquidado sem a necessidade de uma futura ação de cumprimento individual de sentença coletiva, pois basta ao autor ideológico identificar a causa comum de forma adequada e ao Estado-Juiz investigá-la apropriadamente durante a instrução.

Não se olvida que as lides coletivas possuam complexidade nem sempre identificáveis no momento da distribuição da petição inicial. Entretanto, é de se imaginar que o autor ideológico, antes de distribuir a ação, realizou uma investigação ampla dos fatos que dão ensejo à propositura da ação.

Dessa forma, o autor ideológico deve ser capaz de identificar o grupo que será afetado pela sentença judicial. Não se exige identificação personalíssima, um a um dos indivíduos. Contudo, não deve haver dificuldade para o autor ideológico identificar a causa comum e, portanto, as pessoas que podem ser beneficiadas com a sentença.

Exemplos que podem facilitar a compreensão do afirmado: pessoas que compraram um carro de uma determinada marca, em um determinado período, que apresenta falhas no sistema de freios; ou pessoas que compraram um determinado produto em um certo supermercado, cujo peso discriminado na embalagem estava em

412 LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. 4ª edição, revista, ampliada e atualizada.

desconformidade com a realidade; ou, ainda, pessoas que realizaram empréstimo na qual foi cobrada uma tarifa de prestação de serviço tida como ilegal.

Em todos esses exemplos, é perfeitamente possível a individualização do grupo. Logo, a defesa do réu também será produtiva, pois saberá, de antemão e sem surpresas, qual o universo de pessoas que eventualmente poderá ser beneficiado pela sentença. Garante-se, pois, um efetivo contraditório.

Verifique-se, ainda, que uma vez identificado o grupo, exige-se a adequada descrição fatos principais tendentes a verificação da consequência jurídica pretendida pelo autor ideológico. No exemplo do carro, a falha nos freios. Esta será a investigação a ser realizada durante a instrução.

Pode ocorrer, porém, que durante a instrução, chegue-se ao resultado de que a falha não estava no sistema de freios, mas no sistema elétrico. Em tal hipótese, dada a causa de pedir (falha no sistema de freios), a pretensão coletiva deve ser julgada improcedente.

Não se desconhece que parte da doutrina413 sustenta ser possível a

alteração da causa de pedir após a estabilização da demanda. Há, inclusive, o Projeto de

Lei no 5.139/2009, que expressamente permite a alteração do pedido e da causa de

pedir.414 Contudo, trata-se de projeto e não de lei vigente. Logo, de lege lata, impossível

a alteração do pedido e da causa de pedir sem violação do devido processo legal.415 No

ponto, a ponderada síntese de Patrícia Miranda Pizzol:

A alteração fica sujeita ao limite temporal da decisão de saneamento e organização do processo? Não havendo regra especial no microssistema, aplica-se, a princípio, o disposto

413 ARENHART, Sérgio Cruz. Processos estruturais no direito brasileiro: reflexões a partir do caso da

ACP do carvão. Revista de Processo Comparado. Volume 2. Edição eletrônica. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2015.

414 Artigo 16. Nas ações coletivas, a requerimento do autor, até o momento da prolação da sentença, o juiz

poderá permitir a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que realizada de boa-fé e que não importe em prejuízo para a parte contrária, devendo ser preservado o contraditório, mediante possibilidade de manifestação do réu no prazo mínimo de quinze dias, facultada prova complementar.

415 Em sentido contrário, porém, cite-se o Recurso Especial no 1.279.586-PR, Relator Ministro Luis Felipe

Salomão. Neste processo, o relator, seguido pelos Ministros Marco Buzzi e Antonio Carlos Ferreira, decidiu pela possibilidade da alteração do pedido e da causa de pedir em ação coletiva após a estabilização da demanda. Votaram pela impossibilidade: Ministra Maria Isabel Gallotti e Ministro Raul Araújo.

no CPC. Vale lembrar, contudo, que nada impede que o Ministério Público ou outro legitimado, sendo-lhe vedada a alteração do pedido ou da causa de pedir, ingresse com ação

própria, a qual será, por força do disposto no art. 2o,

parágrafo único, da LACP, processada e julgada pelo mesmo juízo, em razão da prevenção. Dessa forma, talvez fosse melhor que o microssistema contivesse uma regra admitindo a alteração do pedido ou da causa de pedir após a decisão de saneamento, desde que observado o

contraditório e ampla defesa. 416

No mais, permitir a alteração da causa de pedir ou do pedido após a estabilização da demanda significa admitir que os autores ideológicos não fizeram o seu trabalho de investigação de forma satisfatória, transferindo esse ônus ao Judiciário. Nos dias atuais, são raras as situações nas quais não seja possível uma pertinente investigação. Observe, inclusive, que nem mesmo a questão financeira se constitui em um obstáculo, porquanto havendo dúvida a respeito da “falha mecânica”, o autor ideológico poderá valer-se da ação prevista no artigo 381 do Código de Processo Civil (produção antecipada de provas).

Definido o grupo beneficiado pela sentença coletiva e confirmado o fato constitutivo, importa estabelecer a forma e o modo de como a tutela judicial será efetivada em concreto. Para tanto, há duas opções: a) a tradicional, com centenas, quiçá, milhares de ações de cumprimento individual; ou b) definição específica na sentença.

Pelo caminho tradicional, em síntese, o indivíduo ao ajuizar o cumprimento deverá provar: a) que faz parte do grupo beneficiado; e b) o bem da vida que a sentença lhe outorgou, uma indenização em dinheiro, por exemplo.

Ora, esses dois fatos, dado o debate estabelecido durante a tramitação da sentença coletiva, são conhecidos do réu. Logo, exigir o ajuizamento de diversas ações de cumprimento individual de sentença é contraproducente, beneficia em demasia o réu e congestiona o Judiciário de forma indevida.

416 PIZZOL, Patrícia Miranda. Tutela coletiva: processo coletivo e técnicas de padronização das decisões.

Ocorre prestação jurisdicional indevida porquanto o Estado-Juiz somente deve ser acionado em caso de conflito. Não havendo conflito, o Estado-Juiz não deve ser provocado. Na hipótese da ação de cumprimento individual de sentença coletiva, o conflito é aparente, pois se o autor do cumprimento faz parte do grupo e o valor está em conformidade com os termos especificados na sentença, o réu, ao menos aquele que age de boa-fé, não apresentará resistência e, nessa hipótese, a movimentação da máquina judiciária será indevida, porquanto ele funcionará como mero agente de cobrança.

Destarte, é perfeitamente possível que a sentença que reconheceu a procedência da pretensão coletiva especifique a forma e o modo como os cumprimentos individuais serão efetivados pelo réu.

O ideal, porém, é que quanto a essa forma e modo sejam realizados debates anteriormente à prolação da sentença. Aliás, o ideal seria que o autor ideológico especificasse na petição inicial como o cumprimento efetivo deveria ser realizado, mas não o fazendo, nada impede que isso seja realizado durante a instrução do processo, pois não se trata de discussão relacionada ao fato constitutivo do direito alegado, mas apenas do estabelecimento e mecanismos para a efetivação da tutela jurisdicional.

O Estado-Juiz não deve fazê-lo na sentença, pois invariavelmente ele não possui condições, técnicas e/ou fáticas, para tanto. Logo, durante a instrução e nos termos do artigo 10 do Código de Processo Civil, as partes devem debater sobre o tema. O autor ideológico deve informar como o cumprimento deve ocorrer e o réu deve concordar ou apresentar alternativas ao pleito autoral. O Estado-Juiz, por sua vez, e de forma fundamentada, definirá como o cumprimento ocorrerá, mas adstrito aos termos dos debates estabelecidos pelas partes. Trata-se, pois, da construção de um procedimento adequado e diferenciado tendente a efetiva satisfação do direito material.

Observe que, nessa construção, o Estado-Juiz não se limita a resolver o mérito do processo. Seu escopo vai além, uma vez que ele se compromete na implementação material da obrigação definida na sentença. Sua atuação será assemelhada

àquela que ocorre nos chamados processos coletivos estruturais. 417 Assim, por exemplo,

417 Conforme Edilson Vitorelli, o “processo estrutural é um processo coletivo no qual se pretende, pela

o juiz pode convocar audiências públicas ou mesmo provocar a manifestação dos chamados amici curiae, ou seja, participação da sociedade civil, daqueles que estão diretamente interessados na solução do litígio. A partir dessa perspectiva, as chances da prolação de uma sentença com poder efetivo para resolução do litígio aumentam exponencialmente.

Então, no exemplo do carro, após a devida oitiva, a sentença poderá especificar que as pessoas beneficiadas poderão comparecer em qualquer concessionária e trocar o veículo por outro; apenas trocar a peça defeituosa; obter parte do valor que foi pago para aquisição do carro. Enfim, a tutela específica mais proveitosa para aquele que faz parte do grupo beneficiado pela sentença.

A propósito, essas decisões que, ao final, serão materializadas na sentença, poderão ser prolatadas ao longo do processo. Obviamente, sempre precedidas de amplo debate entre as partes formais do processo, bem como com a oitiva daqueles que serão diretamente beneficiados pela sentença. Nesse sentido, confira-se a opinião de Fernando Alcântara Castelo:

Além disso, não é obrigatório que se tenha uma única e estática decisão. Também podem ser adotados provimentos em cascata, ou seja, é possível que haja uma cadeia de provimentos em série ao longo do processo, à medida que

os problemas forem aparecendo.418

A sentença também deverá prever, com fundamento no artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, as penalidades para aqueles, autor e réu, que opuserem obstáculos para o cumprimento da obrigação definida na sentença.

ou viabiliza a ocorrência de uma violação pelo modo como funciona, originando um litígio estrutural”. In